Nesta terça-feira (22) começam uma das mais surpreendentes semifinais da história da Copa Libertadores da América. A presença do argentino San Lorenzo é até natural, mas poucos apostariam, no início do torneio, que o Ciclón seria o maior dos quatro envolvidos na semifinal, acompanhado do Bolívar-BOL, do urruguaio Defensor e do Nacional-PAR.

O clube paraguaio é talvez a maior surpresa da edição 2014 da Libertadores. Conhecido internacionalmente apenas por um site feito por torcedores, cujo layout mal desenvolvido fez e faz sucesso, o Nacional se tornou um dos mais carismáticos times do país, e voltou a disputar o torneio após se ausentar da competição em 2013.

Dividindo o Grupo 4 com o então campeão Atlético-MG e o Independiente Santa Fe, da Colômbia, semifinalista da última edição, o Nacional parecia ter como maior objetivo brigar pelo terceiro lugar do grupo com o Zamora, da Venezuela. No entanto, a equipe surpreendeu ao somar oito pontos e avançar na segunda colocação. Foi o time de pior campanha dentre os 16 classificados para as oitavas.

Candidato a levar uma surra do melhor primeiro colocado, o argentino Véles Sarsfield, o Nacional arrancou uma vitória por 1 a 0 em casa e obteve a classificação ao empatar em 2 a 2 na argentina. Novamente azarão, encarou mais um argentino, o Arsenal de Sarandí, e repetiu a fórmula: vitória pelo placar mínimo no Defensores Del Chaco e empate, agora por 0 a 0, fora.

Às vésperas de receber o Defensor pela partida de ida da semifinal da Libertadores, o Nacional se tornou mais do que um time simpático com um site esquisito. O bom futebol apresentado, sustentado por uma eficiência tática e um excelente entrosamento, chamam a atenção e fazem os fãs de futebol sul-americano se perguntarem como o Nacional paraguaio montou, de uma hora para outra, um time assim. A resposta pode estar em um ponto tido como chave para trabalhos de sucesso mundo afora: as categorias de base.

Se o futebol profissional do Paraguai não tem grandes feitos, as categorias de base também não são exatamente tradicionais. O país não é pródigo em revelar grandes craques e, em 2013, conquistou um raro vice-campeonato no Sul-Americano Sub-20. O Campeonato Paraguaio da categoria não tem sequer uma seção no site oficial da Associação Paraguaia de Futebol e também tem pouquíssimas menções na internet.

É difícil imaginar, portanto, que haja, no Paraguai, um trabalho de sucesso nas chamadas canteras, as categorias de base. Mas, no caso do semifinalista da Libertadores de 2014, é exatamente aí que está a chave para o sucesso. O clube tem seis categorias para os jovens jogadores: sub-14, sub-15, sub-16, sub-17, sub-18 e sub-20. Mesmo sem ser um clube de grande potencial financeiro, consegue manter todas elas com relativa estrutura.

Em um país que mal tem um Campeonato Nacional para as chamadas formativas, outro nome dado à base, tamanha preocupação com os jovens jogadores evidentemente não tem como objetivo glórias em competições juvenis. Formar jogadores para depois vender também não está nos planos dos Academicos. A ideia é criar, passo a passo, os jogadores que futuramente irão vestir a camisa da equipe no futebol profissional.

Don pega pênalti de Ronaldinho na fase de grupos: goleiro argentino formado pelo Nacional (Foto: EFE)

O elenco profissional comandado pelo treinador Gustavo Moringo - que foi jogador do clube de 2009 a 2011 e efetivado como treinador em 2012 - conta atualmente com 30 atletas. Destes, nada menos que 19 iniciaram suas carreiras profissionais no clube. Peças importantes do elenco semifinalista, como o o goleiro Don, o zagueiro Coronel e os meia Silvio Torales e Melgarejo, foram formados nas canteras do clube.

Até pelo potencial financeiro reduzido, os jogadores vindos do futebol estrangeiro sempre foram minoria. Exceção feita ao goleiro argentino Ignacio Don, que também começou profissionalmente no Nacional, simplesmente não há jogadores de outros países no elenco atual. Don, aliás, é um dos únicos seis jogadores que foram contratados de um time de fora. Alçado ao profissional dos Academicos em 2005, ele foi para o Huachipato, do Chile, em 2008 e voltou ao Nacional em 2010. Situação parecida com a do meia Riveros. Profissional desde 2009 e vendido ao Newells Old Boys da Argentina em 2011, voltou em 2012.

Os outros quatro jogadores que vieram de fora, viveram situações um pouco diferentes. Julián Benítez, atacante, começou no Guaraní-PAR, jogou no México, passou pelo Nacional, foi para a LDU em 2013 e voltou ao clube em 2014. O também atacante Hugo Lusardi começou a carreira no Tacuary-PAR, foi contratado pelo colombiano Tolima e, em 2014, voltou aos Academicos. O atacante Martínez começou no Olimpia, jogou no México, na Colômbia e até no Juventude, e foi contratado do Independiente Del Valle-EQU. O experiente Achucarro iniciou no Cerro Porteño e veio do Colón neste 2014.

Sete jogadores dos 11 do elenco que não começaram a carreira no Nacional, vieram do futebol paraguaio: Agüero do Sol de America, Mendoza do Cerro Porteño, Peralta do Libertad, Orue, formado no 12 de Octubre e contratado do Olimpia, Prieto, formado no Cerro de Franco e vindo do General Diaz, Bareiro, outra cria do 12 de Octubre, que já jogou na Rússia e no México, antes de chegar ao Libertad, de onde foi contratado e Julio Santa Cruz, que começou começou no Cerro Porteño, jogou no Blackburn da Inglaterra e foi contratado do Deportivo Capiatá.

A justificativa para que o trabalho tenha crescido tanto de 2012, quando a equipe foi mal na Libertadores, para cá, está, na renovação. Mais da metade do elenco foi renovado em relação à última Libertadores. São 17 os jogadores da equipe atual que foram contratados ou se tornaram profissionais de 2012 para cá: os zagueiros Cáceres e Jacquet, os laterais Argüello, Sosa e Mendoza, os volantes Pedrozo e Cabrera, os meias Rodríguez, Mélida, Riveros e Araújo, os atacantes Benítez, Martínez, Lusardi, Achucarro, Zimnadova e Júlio Santa Cruz.

Por tudo isso, é possível concluir que o sucesso do Nacional não é explicado somente por saber trabalhar com a base. É preciso conciliar um bom trabalho com jovens atletas, com uma renovação constante, mas ao mesmo tempo sabendo segurar boa parte de suas peças. E, ainda por cima, ficar de olho no trabalho das outras equipes que também formam atletas que podem ser importantes. Fazendo tudo isso com certa competência, a presença do Nacional na semifinal da Libertadores pode continuar sendo uma surpresa, mas já não é mais um mistério.