A Uefa Euro 2016 bate à porta. O pontapé inicial será dado na próxima sexta-feira (10), dia em que a anfitriã França recebe a Romênia no Stade de France, em Saint-Denis. Sinônimo de integração entre as nações da Europa e de bom futebol para todo o planeta apreciar, a maior competição do Velho Continente chega à sua 15ª edição. Pela primeira vez, o número de convidados dessa grande festa será maior: 24 seleções buscarão o topo da Europa. Ao longo dos anos, o número de participantes aumentou gradativamente. Entre 1960 e 1976, a competição tinha quatro países; de 1980 a 1992, 8; de 1996 a 2012, 16. Os franceses, vale reforçar, já organizaram a Eurocopa em outras duas ocasiões: 1960 e 1984. A expectativa é inegável. Mas também existe um sentimento de apreensão, tendo em vista as turbulências política, econômica e social do país-sede do torneio.

Segurança: a França será capaz de evitar ataques terroristas durante a Euro 2016?

Torcedores invadem gramado do Stade de France após bombardeios nos arredores do estádio em 13 de novembro (Foto: Getty Images)

Palco de ataques que chocaram o mundo em 2015, a França vive em constante estado de emergência. Em 7 de janeiro, o atentado ao jornal satírico Charlie Hebdo resultou em 12 mortos e cinco feridos. Em 13 de novembro, atentados coordenados em diversos pontos de Paris - um deles foi o Stade de France, alvo de bombardeios durante o amistoso entre França e Alemanha - e seus arredores deixaram 137 mortos e mais de 350 feridos no total. Em março deste ano, a vizinha Bélgica também sofreu um grande atentado, no qual 35 pessoas morreram e 300 ficaram feridas. O combate ao terrorismo é o grande desafio para a organização da Euro. Desafio maior que qualquer final de campeonato. A imprensa europeia estima que 90 mil pessoas foram convocadas para o forte esquema de segurança do certame.

O medo aumentou após o clima de guerra que se instaurou na final da Coupe de France, entre os arquirrivais Paris Saint-Germain e Olympique de Marseille, no Stade de France, em 21 de maio - àquela ocasião, o PSG venceu por 4 a 2 e foi campeão. Nas arquibancadas, foram encontrados capacetes de moto e garrafas de vidro, e os sinalizadores provocaram princípios de incêndio. Fora do estádio, 30 pessoas foram detidas em decorrência da violência. Um responsável pela segurança do local - ele não quis se identificar - denunciou à agência de notícias AFP "o uso desmedido de gás lacrimogêneo por parte da polícia".

"No contexto de tensão, o esquema não funcionou em diversos pontos, que serão resolvidos", admitiu o representante do Estado na região de Seine-Saint-Denis, Philippe Galli, em entrevista à Rádio Europe 1.

Mais tarde, no dia 26, a mídia francesa revelou uma carta do chefe da polícia de Paris, Michel Cadot, dirigida ao ministro do interior, Bernard Cazeneuve. Nela, Cadot pede o fim da Fan Zone instalada junto à Torre Eiffel, alegando o alto risco de ataques em dia de jogos e um "estado de cansaço avançado" das forças de segurança. O mandatário também destaca uma grande preocupação com os jogos a serem realizados no Parc des Princes e no Stade de France, em especial os confrontos Turquia x Croácia e Alemanha x Polônia - nas praças esportivas de Paris e de Saint-Denis, respectivamente.

"A ameaça nunca foi tão elevada como atualmente", admite o ministro do interior, Bernard Cazeneuve (Foto: Miguel Medina/AFP/Getty Images)

Sempre que conversa com a imprensa, Cazeneuve não esconde o receio. "A ameaça nunca foi tão elevada como atualmente", disse em recente entrevista coletiva na Assembleia Nacional Francesa. Ao mesmo tempo, ele garante que existem incansáveis trabalhos para evitar incidentes.

Desde o mês de fevereiro, diversos testes são feitos nas 10 cidades anfitriãs da Eurocopa - Paris, Saint-Denis, Saint-Étienne, Lyon, Bordeaux, Lille, Marselha, Lens, Nice e Toulouse. Cenários de diversos ataques são simulados: ataques com gases tóxicos, tiroteios com kalashnikovs, drones que lançam bombas químicas ou ataques nos espaços reservados para os torcedores, etc.

Protestos e greves contra reforma trabalhista proposta pelo governo

Protestos e conflitos entre manifestantes e policiais têm marcado as ruas da França desde o início do ano, quando o governo de François Hollande promoveu reforma nas leis trabalhistas (Foto: Nicolas Tucat/AFP/Getty Images)

A relação entre o governo do socialista François Hollande e os sindicatos e movimentos sociais está estremecida desde uma reforma trabalhista proposta pela alta cúpula. O texto prevê mudanças como o aumento nas horas diárias e semanais de trabalho - as quais poderiam chegar a 12 horas e 60 horas, respectivamente -, a redução do pagamento de horas extras e uma maior facilidade às empresas em demissões por razões econômicas - em outras palavras, quando as empresas estão em crise e querem cortar gastos. Na França, o desemprego já ultrapassa a casa dos 10% e afeta principalmente os mais jovens (24%).

Hollande define essas reformas como uma "flexibilização das leis trabalhistas" e argumenta que tal proposta permitiria às empresas mais facilidade para contratar funcionários e forneceria mais segurança aos jovens. No entanto, o presidente está cada vez mais impopular entre a população e encontra resistência até mesmo dentro de seu partido, o Partido Socialista (PS), onde muitos políticos o acusam de ser muito favorável às empresas e de estar "indo mais à direita".

Mas o político quer levar sua ideia até o fim. Seu maior aliado nessa questão é o primeiro-ministro Manuel Valls. "Este país perece, por muitas vezes, por seu conservadorismo, pela sua incapacidade de se reformar", disse o premiê à imprensa local recentemente. Os sindicatos, por sua vez, enxergam essas reformas como o comprometimento de conquistas sociais.

François Hollande é acusado pelo seu partido de estar dando uma "guinada à direita" (Foto: Thierry Chesnot/Getty Images)

Protestos e conflitos entre manifestantes e policiais têm marcado as ruas da França desde o início do ano. Sob a supervisão da Confederação Geral do Trabalho (CGT), os sindicatos promoveram grandes greves entre os meses de março e maio. A paralisação mais recente envolveu os setores de transporte e energia, além do setor petrolífero. Aproximadamente 40% dos trens de alta velocidade TGV não circularam na última quinta-feira (2), e cinco ligações entre Paris e Bruxelas foram canceladas. O primeiro-ministro Manuel Valls estimou que entre 20% e 30% dos postos de combustíveis ficaram desabastecidos no país. Também houve bloqueio de acessos a centros industriais e redução na carga de energia nuclear - que geram mais de 75% da energia elétrica na França.

E não para por aí. Os sindicatos Spaf e SNPL, de pilotos da companhia aérea Air France, convocaram uma greve a qual coincide com o início da Eurocopa e que, segundo os órgãos, vai durar quatro dias. O governo francês espera 2,5 milhões de torcedores para a competição; destes, 1,5 milhão vêm de fora do país.

Enchentes

Nível do rio Sena superou os 6 metros pela primeira vez em 34 anos. Ao fundo, a Catedral de Notre Dame (Foto: Joel Sagel/AFP/Getty Images)

Estaria a natureza se virando contra a França também? Grandes enchentes atingiram o país - bem como a região central da Europa - nesta semana. O nível do rio Sena superou os 6 metros pela primeira vez em 34 anos. A cheia fechou o Museu do Louvre, a Biblioteca Nacional, o Museu d'Orsay e o Grand Palais, além de vias ferroviárias e metroviárias.

De acordo com as autoridades, quatro pessoas morreram no país. No continente, o número de óbitos chegou a 14. Segundo a companhia de energia Enedis, mais de 17 mil residências ficaram sem eletricidade neste sábado (4) na região de Paris e no centro da França.

Mais uma polêmica extra-campo na seleção francesa

O ex-jogador Éric Cantona acusou o técnico da seleção francesa, Didier Deschamps, de não convocar Karim Benzema e Hatem Ben Arfa por conta de pensamentos xenófobos e racistas (Foto: Martin Bureau/AFP/Getty Images)

Conhecido pela genialidade que o consagrou nos gramados e por não ter papas na língua, o ex-atacante Éric Cantona - que defendeu Auxerre, Martigues, Olympique de Marseille, Bordeaux, Montpellier, Nîmes, Leeds United, Manchester United e seleção francesa - soltou o verbo contra o técnico dos Bleus, Didier Deschamps. Estavam em pauta as ausências dos atacantes Karim Benzema e Hatem Ben Arfa da lista final da convocação. Cantona apontou a dupla como os melhores jogadores franceses da atualidade, acusou Deschamps de não chamá-los à Euro porque eles são de origem árabe - argelina e tunisiana, respectivamente - e ainda chamou o treinador de "fantoche".

Ben Arfa, que fez temporada espetacular pelo Nice, ficou na lista de espera. Já Benzema, que viveu altos e baixos no Real Madrid mas terminou a temporada com o tão sonhado 11º título de Uefa Champions League dos merengues, não está nem entre os suplentes. O caso do jogador madridista é mais delicado: ele é investigado pela justiça francesa por ter se envolvido em uma polêmica de chantagem por um vídeo de teor sexual com seu ex-colega de seleção Mathieu Valbuena - que hoje joga no Lyon. O caso deixou os dois jogadores fora da seleção nacional, em decisão anunciada pela Federação Francesa de Futebol (FFF) no mês de abril.

Perguntado se pensamentos xenófobos influenciaram Deschamps na hora de convocar os jogadores franceses para a Eurocopa, Cantona foi catégorico. "Talvez não, talvez sim. Por que não? Uma coisa é certa: Benzema e Ben Arfa são os dois melhores jogadores da França e não irão jogar a Eurocopa. E, com certeza, Benzema e Ben Arfa têm origens no norte da África. Então, o debate está aberto", disse em entrevista ao jornal britânico The Guardian.

Didier Deschamps vai processar Éric Cantona pelas acusações (Foto: Getty Images)

Sobrou até para o primeiro-ministro da França, Manuel Valls. "Não estou surpreso que ele usou a situação de Benzema (a confusão com Valbuena) para não chamá-lo, especialmente depois que Valls disse que ele não devia jogar pela França", disparou Cantona.

Ele ainda foi além: falou que os políticos de direita do país vão  se promover com um eventual título dos Bleus"Se a França ganhar a Euro, os políticos irão usar o sucesso desse time, assim como fizeram após a Copa do Mundo de 1998", reclamou. "As pessoas da direita vão se aproveitar dessa situação. Eles misturam tudo: Estado Islâmico, atentados, refugiados. Nós temos que ser mais espertos. Precisamos ajudar as pessoas que realmente precisam de ajuda. São nelas que precisamos pensar", completou. O número de imigrantes que fogem de guerras, pobreza e perseguição política na África e no Oriente Médio e rumam à Europa cresce paralelamente à onda anti-refugiados - a qual inclui racismo e xenofobia, principalmente contra muçulmanos - no Velho Continente, promovida sobretudo por grupos de extrema direita.

E voltou a cutucar Deschamps. "Parece que ele irá me processar. Será a primeira vez que ele sairá de uma posição defensiva para uma ofensiva. Ele irá ver que não é tão fácil", provocou. O advogado do técnico, Carlos Brusa, garantiu que processará Éric Cantona. A rivalidade entre os ex-jogadores é antiga. Em 1995, época em que defendia o Manchester United, o então capitão Cantona foi expulso da seleção francesa após o famoso golpe de kung fu em um torcedor do Crystal Palace, em partida válida pela Premier League. A braçadeira foi herdada por Deschamps.

"Por pressão de uma parte racista da França, fui excluído da seleção", disse Benzema em entrevista ao Marca (Foto: Valery Hache/AFP/Getty Images)

Mais tarde, as palavras do próprio Cantona foram reforçadas por Karim Benzema. "Sempre me dei bem com Deschamps e com o presidente da Federação Francesa (Noël Le Graët). Agora, por pressão de uma parte racista da França, fui excluído da seleção. É preciso que as pessoas saibam que o partido extremista (Frente Nacional) chegou à segunda etapa das duas últimas eleições. Me recuso a acreditar que não ser chamado para a Euro foi uma decisão apenas do técnico", desabafou o jogador do Real Madrid em entrevista ao jornal espanhol Marca.

Em relação à acusação de chantagem contra Valbuena, Benzema garante que é inocente. "Tenho certeza que a França vai se dar conta que está cometendo uma injustiça comigo", sublinhou.

Neste sábado (4), o jornal francês Le Télegramme noticiou que a casa de Didier Deschamps, em Concarneau, nordeste do país, foi pichada com a palavra "racista". Sinal da grande proporção que as declarações de Cantona e Benzema vêm tomando.

Reprodução/Le Télegramme

Vale lembrar que esta não é a primeira vez que a seleção francesa enfrenta problemas extra-campo. Afinal, quem não se lembra do polêmico técnico Raymond Domenech?

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