Há 10 anos, São Paulo e São Caetano se enfrentavam no Estádio do Morumbi, pela 38ª rodada do Campeonato Brasileiro da Série A. Ninguém imaginava, mas aquela partida entraria para a história do futebol nacional, só que de forma melancólica. Quando o relógio marcava 15 minutos do segundo tempo, o zagueiro Paulo Sérgio Oliveira da Silva, o Serginho, de 30 anos, sofreu uma parada cardiorrespiratória e caiu no gramado. Após atendimento médico no local, o jogador foi levado ao Hospital São Luiz, onde morreu uma hora depois.

O caso rendeu uma perda de 24 pontos para os caetanistas, que brigavam por vaga na Libertadores e acabaram ficando no meio da tabela, em 18º lugar - a edição 2004 da primeira divisão brasileira teve 24 equipes. O presidente Nairo Ferreira e o médico Paulo Forte foram afastados de seus cargos - o primeiro por dois anos, e o segundo por quatro. Tais punições foram revistas pela metade posteriormente.

"Ele estava perto de mim, caído (caiu junto aos pés do atacante Grafite, do São Paulo), eu corri pensando que o Grafite tinha dado uma cotovelada nele. Mas vi o olhos do Serginho fechados, fui abrir e vi as retinas viradas, ele bufando, respirando muito forte, fiquei muito preocupado e comecei a gritar. Estava todo mundo desesperado, não tinha ninguém na ambulância, demoraram a chegar. O Anderson Lima lembrou na hora do problema do coração dele. Já estavam fazendo massagem cardíaca, o Serginho deu um suspiro, e eu pensei 'acho que ele voltou', mas depois apagou de novo, ficou amarelo. Todo mundo achava que tinha falecido já. No vestiário, recebemos a notícia que ele tinha melhorado. Aí eu, Lúcio Flávio e o Euller fomos ao hospital. Na esquina, recebemos a notícia do morte. Foi muito duro, o Serginho era uma pessoa maravilhosa", contou o ex-goleiro Silvio Luiz, ídolo azulino, ao globoesporte.com.

Àquela época, o Azulão era visto com bons olhos: fundado em 1989, o clube-empresa foi subindo degrau por degrau no Campeonato Paulista e no Campeonato Brasileiro. O primeiro grande momento foi o vice-campeonato da polêmica e confusa Copa João Havelange, em 2000, quando foi derrotado pelo Vasco da Gama. No ano seguinte, mais um vice nacional. Dessa vez, para o Atlético Paranaense. A sina continuou em 2002. Agora, em proporções continentais: a equipe do ABC Paulista ficou muito próxima de conquistar a Copa Libertadores da América, mas sucumbiu diante do Olimpia, do Paraguai, em pleno Pacaembu. Mas nem tudo foi motivo para lamentações: no início de 2004, o time foi campeão estadual após derrotar o Paulista de Jundiaí.

São Caetano campeão paulista de 2004: a última grande alegria do Azulão do ABC (Foto: Reprodução)

O falecimento de Serginho, um dos pilares daquele São Caetano e um jogador muito querido pelos colegas de profissão, foi paralelo ao início da decadência do clube. De lá para cá, a equipe da cidade de São Caetano do Sul-SP teve como melhores momentos o vice-campeonato paulista de 2007 - o campeão foi o Santos - e o quinto lugar na Série B de 2012 - somou os mesmos 71 pontos do Vitória, quarto colocado, mas levou desvantagem no número de vitórias. Hoje, milita na Série A2 do Paulistão e foi recentemente rebaixada para a Série D do Brasileirão. Para alguns, tristes coincidências. Para outros, os casos têm relação.

"Não posso dizer que foi somente isso (morte de Serginho), mas creio que influenciou. O próprio presidente e o médico responderam por ter permitido jogar sabendo que tinha um problema. Isso abalou muito. O São Caetano, a partir daí, não se encontrou", disse Fabrício Carvalho, ex-atacante do Azulão, ao Portal Terra. Fabrício chegou a ser afastado dos gramados por ser diagnosticado com problemas cardíacos. Tempos depois, retornou às atividades.

Já para Claudecir, outro ídolo azulino, a coincidência e a influência caminham juntas neste caso.

"Eu acho que não, talvez tenha sido uma coincidência. Acho que afetou um pouquinho, ao mesmo tempo da coincidência. Perdeu pontos, isso afetou e ficou uma situação assim que abalou todo mundo, acho que cooperou um pouquinho para essa queda do São Caetano", opinou ao Portal Terra.

Segundo Nairo Ferreira, mandatário do São Caetano àquele ano, os casos não estão relacionados. Nairo comanda o clube do ABC até hoje.

"Não tem nada a ver com a morte do Serginho a forma do São Caetano nos últimos 10 anos. A gente é obrigado a ouvir que um justifica pela morte do Serginho, uns falam que é pela morte do ex-prefeito Tortorello (também falecido em 2004). Isso não passa simplesmente de comentários, tem nada a ver. Futebol mudou muito, e o São Caetano também mudou bastante", relatou ao Terra.

Ferreira garante que o Azulão fazia regularmente os exames do jogador, e que a instituição cumpriu todas as suas obrigações. Em outra entrevista, agora para o globoesporte.com, ele revela que viu de perto a morte do jogador.

"Era uma sala pequena com muita aparelhagem, os cardiologistas, ele em uma maca e estavam tentando reanimar. Ele voltou algumas vezes, reanimava e apagava depois. Até que não voltou mais. Eu estava lá dentro, vi ele morrendo. Foi muito chocante", explanou.

O par de chuteiras que Serginho usou naquela noite está exposto até hoje em um quadro na sala de troféus do São Caetano, junto às taças e a alguns pôsteres do clube. O ex-zagueiro é a única pessoa homenageada no local.

"Nós levamos os atletas para avaliação no Incor (Instituto do Coração). No exame do teste ergométrico, o Serginho teve uma arritmia de grau leve, sem significado, e foi dito a ele que era uma alteração típica de coração de atleta. Fizemos outros exames e o Serginho jamais foi proibido de jogar. Por que eu levaria um jogador ser avaliado no Incor para não obedecer a orientação de lá? Categoricamente eu digo: nunca foi cogitado nada para ele parar. Nunca fomos avisados que ele teria de parar e ele jamais teve um problema que o impedisse", defendeu-se Paulo Forte, médico do Azulão àquela época, ao globoesporte.com.

Paulo considera aquele dia como o mais difícil de sua carreira. A inocência do profissional, o qual ainda trabalha no São Caetano, foi provada e hoje ele também é médico das categorias de base da Seleção Brasileira.

"É uma história de superação, sem dúvida, por ter a força para conseguir passar pelo que eu passei. Foram 10 anos juntando provas para me defender. E o que eu mais queria era poder ver o Serginho aqui, trabalhando com a gente", comentou.

Por fim, o médico declarou que a morte de Serginho deixou um legado para o futebol, especialmente para a medicina esportiva no Brasil.

"Infelizmente teve a morte dele, mas isso mudou muita coisa. Hoje dentro de todos os estádios há duas ambulâncias equipadas para atendimento grave, temos os desfibriladores para atendimento com os médicos de cada time, em jogos e treinos. Os clubes tinham dificuldades em fazer exame, outros nem faziam, hoje se juntam para fazer. Também criou-se um protocolo da Fifa com exames básicos. No São Caetano quero fazer exames cardiológicos duas ou três vezes por ano para evitar esse tipo de patologia que teve o Serginho", explicou Forte.

Antes de chegar ao São Caetano, Serginho passou por clubes de Minas Gerais (Social, Democrata de Governador Valadares e Ipatinga) e outros de São Paulo (Mogi Mirim e Araçatuba). Adquiriu o status de ídolo pelo seu estilo "xerifão", evidenciado em 2003, após uma briga com o famoso atacante Romário. O zagueiro foi expulso e seu desentendimento com o Baixinho provocou uma confusão generalizada em campo, que obrigou o árbitro catarinense Giuliano Bozzano a encerrar o jogo, confirmando a vitória do Fluminense por 2 a 1.

"Você pode não acreditar, mas, depois de tudo o que aconteceu, o Romário pediu para o Fluminense contratar o Serginho", revelou Dininho, parceiro de zaga de Serginho, à ESPN.

Ainda segundo o ex-defensor, o "cão de guarda" Serginho levava até os treinos a sério. "Nos treinos do (técnico) Mário Sérgio, ele fazia marcação individual, e ninguém queria ser marcado pelo Serginho, nem no dois toques, nem no 'rachão'. Todo mundo corria dele. A gente colocava ele no gol, porque nem no recreativo ele aliviava", admitiu.

No mesmo ano de Serginho, o húngaro Miklós Fehér, do Benfica, também nos deixou devido a uma parada cardiorrespiratória. Para o futebol e seus fãs ficam as eternas saudades destes - e, em conjunto, os mais sinceros agradecimentos a eles - que ajudaram a abrilhantar um esporte amado e inigualável.