A lua cheia de São Jorge era um presságio da noite que chegara em São Paulo. Longe dali, a maior nação do mundo comemorava mais um ano de sua liberdade ante a colonização inglesa em suas terras. Nada mais propício para um dos mais aguardados momentos da história do maior esporte do mundo. 

Na maior cidade do hemisfério Sul, nada era assunto. Tudo era futebol. Tudo era um jogo. Tudo era em uma noite. A noite. Nem todos eram Corinthians. Mas quem era, foi. Vai, Corinthians? Foi, Corinthians. É Corinthians. Até hoje aquela noite é eterna. Um bando de 30 milhões de loucos foram libertados e gritaram para todos saberem o tamanho do amor.

Em um jogo que, tecnicamente não foi um primor, sobrou raça, vontade, catimba e dois gols que foram mais do que o sufiente para colocar o Timão no topo das Américas. Acabaram as piadas, acabaram as gozações e a Fiel pintou de preto e branco um continente inteiro, graças à um decisivo Emerson Sheik, que não só foi o herói do jogo, marcando os dois gols do jogo, como também mostrou aos rivais que brasileiro também sabe jogar do jeito deles. Resultado: Corinthians 2 x 0 Boca Juniors. O bicho papão sentiu a força do Poderoso Timão.

Ansiedade, nervosismo e apreensão

A semana do corinthiano não passava. Desde aquele gol maluco de Romarinho, numa Bombonera que explodia, o torcedor alvinegro não dormia direito, não comia, não respirava. Para onde ele olhava, algo mostrava seu time, algo lembrava que teria um jogo da volta. Muito antes do primeiro jogo, todos os ingressos ao torcedor estavam esgotados. O Pacaembu seria o palco de mais um feito do Timão.

Quando o dia chegou, a hora custou a passar. Várias foram as fómulas de esquecer que a noite seria longa. Longa pelo grito de campeão ou gigante pelo vexame, resultando em mais piadas intermináveis. Muitos foram à escola, universidade e buscavam coisas para distrair. Outros preferiram antecipar e ir ao estádio, para garantir seu lugar, entrar no clima e se preparar. Mesmo assim, o frio na barriga era inevitável.

São Paulo estava irreconhecível. O ar parecia diferente. O sol parecia brilhar mais e tudo conspirava a favor. Jornais, televisão, rádios, internet...Até o papagaio só fala do jogo. Era inevitável para quem tinha vida naquele dia. Até quem não gostava de futebol se envolveu de algum modo. Era uma espécie de bem x mal. A louca e chata torcida corinthiana calaria a boca dos "antis"? As piadas que tanto infernizavam continuariam? Seriam o único paulista grande sem conquista? 

Toda a teoria acabou no momento em que Wilmar Roldan trilou seu apito e a bola rolou na maravilhosa noite paulista. A mais movimentada avenida do Brasil virou deserto. O sambódromo, uma extensão do Pacaembu e o povo brasileiro parou para ver aquele épico que se iniciava na sua televisão.

O primeiro tempo

Todos imaginavam um jogo nervoso e se perguntavam como se portaria a equipe alvinegra em sua primeira decisão. Tudo isso porque do outro lado era o super campeão Boca Juniors, de Riquelme. Acabar com brasileiros era com eles. Naquele ano, eliminaram o Fluminense, em pleno Maracanã. Já o Timão vinha com moral, após fazer uma guerra contra o Vasco e passar com autoridade do atual campeão Santos, de Neymar.

Sem mudanças em relação ao jogo passado, Tite queria uma postura diferente, mais ousada, atacando mais e agredindo o adversário. Experiente e queimando o tempo, afim de jogar no erro brasileiro, os xeneizes seguravam como pôde e tinham em seu camisa 10 a principal jogada de armação.

Com isso, restava ao Corinthians acelerar o jogo e se abrir. Na velocidade de Emerson e Jorge Henrique, o time paulista assustou Orion. Em uma jogada individual, Sheik sairia na cara do gol, mas o arqueiro argentino se chocou com Schiavi e precisou sair. Com Sosa Silva no gol, os donos da casa quiseram saber mais desse novo goleiro e por duas vezes Alex arriscou de fora, mostrando quem é que manda e levantando a Fiel, que explodia nos lances, mas sentia a alta tensão nas quatro linhas.

As emoções argentinas se deram apenas, quando Cássio saiu mal do gol e Ralf apareceu para por ordem na casa. Fora isso, o Boca foi apenas Riquelme querendo apitar o jogo, levando o empate em zero para o intervalo.

O Sheik das Américas. O Sheik da Fiel

A volta para o tempo final mostrou um show nas arquibancadas. Faixas, incentivo, sinalizador, fumaça, gritos, apoio...A energia era inexplicável. Mesmo que o jogo estivesse empatado, a sensação era de que aquele jogo iria mudar o rumo da história.

E ela foi logo mudando quando Alex foi bater uma falta lateral na área. A cobrança talvez não tenha sido como ele imaginava e o baixinho Jorge Henrique precisou desviar para mandar na área. Na bagunça, Danilo, como se estivesse jogando com seu filho no quintal da sua casa, deu um tapa de calcanhar, relembrando Sócrates, deixando Emerson de frente com o gol. Não precisa ser bonito, precisa ser Corinthians. E o Pacaembu foi abaixo pela primeira vez. Sem chances para Sosa, Sheik mandou uma bomba à queima roupa e abriu o placar.

Aquele momento transformou o jogo de muita gente. A partida estava embaçada. O jogo era embassado. Enxergar se tornou mais difícil do que o próprio jogo. Não era fumaça, ou algum fator externo. Era um sentimento eterno e que exaltava à pele. As lágrimas desciam inversamente proporcional ao tempo, que custava a passar.

Ninguém comemorava nada. A tensão era maior ainda. Como será agora? Vai recuar? "Não recua, Tite!" Vai atacar? "Olha as costas, Alessandro/ Fábio Santos!"

Lá na frente, então, surgiu um momento diferente. Sem medo da guerra, Sheik quis ver até onde um argentino iria numa briga. Provocou, mordeu, literalmente, e disse não tremer. Tudo o que um corinthiano precisava. Confiança para poder levantar a taça. E confiança faltou à Schiavi, falhando na saída de bola, entregando no esperto Emerson, que arrancou para a glória, disparou rumo à história e deu um toque categórico. Um momento em que todos pararam para ver aquela bola entrar levemente na rede do gol do abençoado Tobogã. 

Não houve comemoração. Houve alívio. Houve joelhos e cimento. Mão, rosto e lágrima. Deus, São Jorge e Corinthians na mesma frase de agradecimento. Só faltava a comprovoção. E o apito acordou o gigante. Levantou à todos e transformou a América, dos EUA, em América do Bando de Loucos.

Dia quatro de julho. A independência alvinegra. A libertação corinthiana. Não teve assinaturas e nem acordos. Foi na guerra. Em 14 jogos, sangue correu, saiu das veias e nenhuma derrota. Nenhum guerreiro ferido. Orgulho intacto. Corinthians, Campeão Invicto. Para ninguém contestar. Para por fim em tudo. O início do fim do mundo começou na América.