Há exatos 50 anos, o Cruzeiro escrevia uma de suas mais belas histórias. Como é descrito no hino oficial do clube, uma verdadeira "página heroica e imortal". Nesta data só que em 1966, o time celeste de Tostão, Dirceu Lopes e Cia goleou o Santos, de Pelé, por 6 a 2, no Mineirão, valendo pela primeira partida da final da Taça Brasil daquele ano. 

Os gols do Cruzeiro foram marcados por Dirceu Lopes, três vezes, Tostão, Natal e Zé Carlos (contra). Para o Santos, Toninho Guerreiro balançou as redes mineiras em duas oportunidades. Outro fato marcante foram as expulsões de Procópio e Pelé. Como naquela época não existia suspensão, ambos voltaram a campo na segunda partida no Pacaembu.

Foto: Arquivo/Cruzeiro

O Cruzeiro fez uma primeiro tempo irretocável e abriu 5 a 0 na etapa inicial, deixando os jogadores e a torcida mineira incrédulos com o que acabara de acontecer. Na segundo período, o Santos acordou e fez dois gols, aumentando a emoção da partida. Porém, no caminhar do fim do jogo, o time azul celeste fechou o placar com o sexto tento. 

Poucos imaginariam que o Cruzeiro, dotado de jogadores jovens e desconhecidos, a exceção dos mais experientes, pudesse realizar tamanha façanha contra um time conhecido no mundo todo, pentacampeão da Taça Brasil, bicampeão da Libertadores e bicampeão do Mundial Interclubes, além disso, era a base a Seleção Brasileira. 

Um dos principais personagens daquela partida foi o atacante Dirceu Lopes. Na época, com 20 anos, Dirceu contou, em entrevista a VAVEL Brasil, como foram os momentos antecederam e levaram o Cruzeiro a golear aquele que era o maior time do mundo. Confira:

Dirceu Lopes com Natal e Tostão. Foto: Arquivo/Almanaque do Cruzeiro

VAVEL: Você se recorda da montagem daquele time em 1966?

Dirceu Lopes: Tudo aconteceu porque na época, o Cruzeiro passava por dificuldades financeiras. Muito tempo depois, fiquei sabendo que a diretoria celeste foi quase obrigada a contar com os jogadores das categorias de base. Os profissionais já estavam em final de carreira, e neste caminho, surgiram o Tostão e eu, do América, depois vieram Pedro Paulo e o Natal, todos do juvenil. Então, tudo foi feito com muita naturalidade, mesclando jovens com atletas experientes, casos de William e Procópio.

V: Você acredita que a chegada de nomes mais experientes, deu um ganho a mais ao elenco?

DL: Sem dúvida. Inclusive, tivemos encontros recentemente, e nós, jogadores, lembramos como o William e o Procópio foram importantes para a evolução daquele time. Eu, particularmente, era muito tímido. Naquela época também existia a tal da malandragem, que eram zagueiros que chegavam para nós, mais jovens, e diziam: 'Ei, garoto. Sai daqui se não te quebro'. E eles, os mais velhos, foram essenciais para nos ajudar a enfrentar os adversários sem temor.

V: Quando você e os mais jovens viram que iriam enfrentar o Santos, de Pelé, Coutinho, Toninho Guerreiro, e outros. Vocês sentiram algum tipo de medo ou existia uma confiança no potencial do Cruzeiro?

DL: Na época, o Santos era bicampeão do mundo, tinha o maior jogador de todos os tempos, e o nosso adversário era a base da Seleção Brasileira. Ou seja, eles eram os nossos ídolos. E a única preocupação que passava pela cabeça dos mais novos era de não dar vexame, não perder de muito, porque o time santista era arrasador. Mas, nós é que surpreendemos o nosso adversário, pois o Santos não nos conhecia. O Carlos Alberto Torres falou isso há algum tempo atrás. O Cruzeiro era desconhecido no Brasil inteiro. O futebol mineiro era o revelador de jogadores para os times do Rio de Janeiro e São Paulo.

Outra coisa que o Carlos Alberto falou que o treinador do Santos, o Lula, nunca reunia os jogadores para dar palestra, mas naquele jogo, o técnico santista alertou para o cuidado que eles deveriam ter com o Cruzeiro e a qualidade do nosso time. E mesmo assim, com dez minutos de jogo, já estava 2 a 0 para nós. Mas uma vitória tão grande assim, com tantos gols, nem em sonho. 

Cruzeiro atacando o Santos. Fato mais no que normal na primeira partida da final da Taça Brasil. Foto: Futebol de Todos os Tempos

V: No intervalo, 5 a 0 para o Cruzeiro. O que vocês, jogadores, fizeram ou pensaram naquela ocasião?

DL: Parecia um sonho. Todo estava mundo sem entender nada. Era mais fácil achar que nós é que estávamos perdendo de 5 a 0, mas éramos nós, os vencedores naquela ocasião. Eu, por exemplo, depois do resultado final, nunca tinha visto todos os gols da partida. Na época, a TV Itacolomi transmitiu o jogo, mas os arquivos se perderam. E só o Canal 100 que tem os vídeos completos. Nem lembrava que, além dos três gols que fiz, eu que sofri o pênalti, e também dei assistência para o Natal. Então, particularmente, foi o jogo da minha vida, e também o segundo jogo no Pacaembu.

V: Depois deste título da Taça Brasil de 1966, mudou a sua vida, não apenas como atleta, mas como pessoa? 

DL: Mudou de uma pessoa desconhecida, e transformou em 100% para melhor. Lembro que tinha problema de timidez. Um dia eu fui ao Centro de BH, e deixei meu carro na Av. Amazonas. Saí andando a pé. Foi uma loucura, a cidade parou por minha causa. Fiquei muitos anos sem poder sair de casa para caminhar. Se eu fosse a um supermercado ou algo assim, a loja lotava de gente. Então, aquele título tornou, não só a mim, mas a todos os jogadores do Cruzeiro, como verdadeiros ídolos.

Desde o ano passado que estou viajando divulgando o livro que lancei, tenho recebido muito carinho das pessoas. Até crianças, que não me viram jogar, demonstram um respeito por mim. Isto é gratificante demais.