Domingo, 5 de outubro de 2014. Na 43ª volta do Grande Prêmio do Japão de Fórmula 1, em Suzuka, a Sauber de Adrian Sutil rodou na curva 7, debaixo de muita chuva. Minutos depois, Jules Bianchi perdeu o controle de sua Marussia, saiu da pista e acertou em cheio o trator que retirava o carro de Sutil. Levado para o hospital em estado grave, o francês foi diagnosticado logo depois com uma lesão axonal difusa. Começava ali uma luta pela vida.

Sábado, 18 de julho de 2015. Pouco mais de nove meses depois, a luta terminou. A família de Bianchi anunciou via redes sociais a morte do francês. Era a primeira vez desde Ayrton Senna em 1994 que um piloto morria em um acidente na F1.

Domingo, 23 de agosto de 2015. Faltando 23 voltas para o fim das 500 Milhas de Pocono (um dos ovais mais famosos dos Estados Unidos), penúltima etapa da IndyCar Series, Sage Karam rodou, e uma peça de seu carro atingiu em cheio a cabeça de Justin Wilson, que vinha atrás. O britânico foi levado em estado crítico para o hospital.

Segunda-feira, 24 de agosto de 2015. Em pronunciamento no Indianapolis Motor Speedway, o CEO da Indy, Mark Miles, confirmou a morte de Wilson. Era a primeira vez que um piloto morria na categoria desde Dan Wheldon, num terrível acidente em Las Vegas/2011.

Sábado, 5 de setembro de 2015. Durante o Rally de La Coruña, na Espanha, o Peugeot 206 de Sergio Tabeayo e Luis Prego ficou sem freios (de acordo com testemunhas), saiu da pista e foi até onde estavam fãs que assistiam a prova. Resultado: seis pessoas morreram e 16 foram para o hospital, algumas em estado crítico. O acidente causou a suspensão da prova e uma comoção geral tomou conta da Espanha.

Os acidentes em questão trazem à tona uma questão triste: a morte. Por conta das evoluções nas tecnologias e com a segurança atingindo níveis jamais vistos, a atual geração de fãs do automobilismo nunca havia presenciado tantos incidentes fatais dessa maneira. Recentemente, o que chegou mais perto disso foi em 2011, quando duas categorias importantes foram assoladas por mortes em um espaço de sete dias (primeiro com Dan Wheldon, na etapa da Indy em Las Vegas, em 16 de outubro, e depois com Marco Simoncelli, na corrida da MotoGP na Malásia, em 23 do mesmo mês). As últimas semanas mostraram para todos nós uma verdade que vinha sendo paulatinamente esquecida: o automobilismo foi, é, e sempre será um esporte de risco.

Nos primórdios, esse risco era um dos grandes fatores que atraía fãs. O público gostava de ver vários senhores arriscando seus pescoços em pistas perigosas e carros que eram verdadeiras máquinas mortíferas. As mortes aconteciam, mas faziam parte do show. A preocupação com segurança não era tão grande quanto hoje, e até mesmo categorias como a Fórmula 1 foram pequenos abatedouros de seres humanos nos anos 40/50/60. Em 2011, isso foi retratado no documentário “Grand Prix – The Killer Years”, da BBC. Na ocasião, o tricampeão mundial de F1, Sir Jackie Stewart, foi categórico: “Na minha época, no carro, havia uma em três chances de eu sair vivo, e duas em três de eu morrer”. Os acidentes aconteciam aos montes.

Um desses acidentes mudou o rumo do automobilismo.

Morte de Pierre Levegh e de 83 espectadores nas 24h de Le Mans de 1955 foi um alerta sobre a segurança no automobilismo (Foto: Getty Images)

Em 11 de junho de 1955, nas 24h de Le Mans, o francês Pierre Levegh, correndo pela poderosa Mercedes, não conseguiu desviar a tempo de um incidente à sua frente e decolou. Levegh bateu muito forte, e partes do carro como o motor simplesmente voaram nas arquibancadas. O piloto e incríveis 83 pessoas morreram com o acidente. Com ele, regras de segurança em pistas da França (local da corrida), Alemanha e Estados Unidos mudaram, a Suíça nunca mais permitiu corridas em seu país (até hoje), e a Mercedes se retirou de grandes categorias, só voltando 40 anos depois, em 1995, quando passou a ceder motores para a McLaren na F1.

Desde então, a preocupação com segurança passou a ter maior importância, mas mesmo assim, acidentes continuaram acontecendo. Em 1968, o bicampeão da Fórmula 1 e melhor piloto daquela geração, Jim Clark, teve problemas com os pneus em uma corrida da Fórmula 2 (era comum ver pilotos de grandes categorias participando de provas de base), bateu em uma árvore no circuito de Hockenheim, na Alemanha, e faleceu. Dois anos depois, na F1, o então líder do campeonato Jochen Rindt bateu na classificação do GP da Itália (penúltima corrida do ano) e morreu, mas mesmo assim conseguiu manter a ponta da tabela e se tornou o primeiro e único campeão póstumo da história da categoria.

A partir daí, o tempo foi passando e as principais categorias do mundo passaram a ter cada vez menos mortes. Até mesmo nos Estados Unidos, onde o número de fatalidades era muito maior do que na Europa (especialmente na Indy), o número de pilotos falecidos diminuiu bastante. Aconteceram alguns acidentes trágicos esporadicamente nas décadas seguintes, mas no geral, era algo que estava sendo superado. No fim do século XX, acreditava-se que a segurança no automobilismo, que evoluía ano a ano e tornava o espetáculo muito mais acessível para todos, havia chegado ao ápice da perfeição. Até 1994.

Em 30 de abril daquele ano, na classificação do GP de San Marino de Fórmula 1, em Ímola, a Simtek do austríaco Roland Ratzenberger teve problemas na asa dianteira e bateu com muita força na curva Villeneuve. Ratzenberger se tornou, horas depois, o primeiro piloto a morrer num carro de F1 desde Elio de Angelis, que veio a óbito pela Brabham em teste no circuito francês de Paul Ricard em 1986, e o primeiro em sessão oficial desde Riccardo Paletti no GP do Canadá de 1982. Mas ainda teria o dia seguinte.

Era a sétima volta da corrida em 1º de maio de 1994 quando a Williams de Ayrton Senna perdeu o controle, bateu violentamente na curva Tamburello, e o brasileiro faleceu. O maior piloto daquela geração, o único do grid em questão que era campeão mundial até então, a principal referência no mundo automobilístico, falecia diante de milhões de pessoas que assistiam à corrida pela TV. A pressão por melhorias foi grande, jornais italianos pediam “o fim da carnificina”, e a resposta foi imediata. Mudanças totais nos carros, motores, capacetes, macacões, pneus, pistas, equipamentos, boxes, tudo foi evoluído para trazer maior segurança a todos. E os resultados apareceram. Foram 21 anos sem nenhum piloto morrer em pista na Fórmula 1. Até o acidente de Jules Bianchi.

Acidente fatal de Jules Bianchi foi o primeiro na Fórmula 1 desde Ayrton Senna, em 1994 (Foto: Getty Images)

A Indy, que sofreu com a perda de Justin Wilson, também teve que melhorar muito no quesito segurança. No fim dos anos 90, enquanto a F1 seguia na sedenta saga pela segurança, três pilotos morreram em quatro anos na CART, antiga divisão da categoria (Jeff Krosnoff em Toronto/1996, Gonzalo Rodríguez em Laguna Seca/99 e Greg Moore em Fontana/99). Desde então, a Indy viveu um hiato de 13 anos sem mortes em corridas (Tony Renna morreu em um teste privado em Indianapolis/2003, e Paul Dana num treino livre em Miami/2006), que se encerrou com o acidente de Dan Wheldon. O trágico acidente, que vitimou o bicampeão da Indy 500 e campeão da categoria em 2005 e quase levou outros pilotos, iniciou uma caçada pela segurança máxima, provocando mudanças drásticas nos chassis da Dallara, fim dos ovais de 1,5 milha no calendário e do pack racing (vários carros colados lado a lado em ovais), entre outras medidas. Tudo parecia correr tranquilamente, até o acidente de Wilson. Isso sem contar acidentes como os que encerraram as carreiras de Alex Zanardi e Dario Franchitti, por exemplo.

A NASCAR, outra categoria top dos EUA, também encarou essa realidade. Depois de várias mortes em suas divisões nos anos 80/90, a luta pela segurança foi forte, e trazia resultados. Mas, na Daytona 500 de 2001, um dos maiores campeões da história da categoria, Dale Earnhardt, morreu em um acidente na última curva da última volta. Desde então, foram introduzidos novos elementos como o HANS, protegendo o pescoço do piloto, e o safer barrier, que diminui o impacto com o muro nos ovais. Mesmo assim, acidentes perigosos continuam acontecendo (como na primeira etapa da atual temporada da XFINITY Series, segunda divisão da NASCAR, em que Kyle Busch bateu forte em um ponto sem safer barrier em Daytona e quebrou a perna).

É mais que necessário que o risco existente seja diminuído, que as categorias aprendam com as mortes e tomem medidas. Na Fórmula 1, foi instituído o safety-car virtual, que diminui a velocidade do carro automaticamente em determinado ponto quando ocorre um incidente na pista, para que o resgate ocorra normalmente. F1 e Indy também já discutem a adoção de um cockpit fechado, trazendo uma maior segurança à cabeça do piloto, que hoje se tornou o principal alvo de debates entre os fãs mais tradicionalistas e os que abrem mão dos velhos costumes pela segurança. No caso do rally, o que se discute é a necessidade da proximidade do público com os carros (como aconteceu em La Coruña), e possíveis barreiras mais resistentes para uma separação mais segura.

Mas, os exemplos de recentes acidentes fortes e a história das principais categorias mostram que esse risco do automobilismo sempre estará lá, convivendo ao lado dos pilotos. Por maior que seja a evolução, um carro de corrida a 300 km/h nunca será um lugar 100% seguro. Acidentes e fatalidades acontecem, mesmo que algumas vezes sem culpa da categoria (como no caso de Justin Wilson, que foi atingido por uma peça de outro carro). Infelizmente, é uma realidade. A morte deixa fãs, jornalistas e pilotos extremamente derrubados e tristes (mesmo sem conhecer o piloto, vê-lo correr todo final de semana faz com que ele se torne um amigo que você nunca viu), mas a vida segue. Deve seguir.

Os pilotos e fãs tem conhecimento do perigo que os cerca a cada corrida, a cada batida. Mas uma das estrelas da IndyCar, Tony Kanaan, foi curto e direto no Twitter depois de várias perguntas sobre o assunto. “Porque fazemos isso? Porque amamos, e não queremos estar em outro lugar que não seja um carro de corrida. Manteremos seu legado, amigo. Pilotos continuam correndo”, disse o brasileiro. Uma semana depois do acidente de Wilson, a Indy realizou uma espetacular decisão de campeonato em Sonoma, onde Scott Dixon e Juan Pablo Montoya empataram nos pontos, e Dixon foi campeão por ter uma vitória a mais. Obviamente, os pilotos ficaram muito sentidos com a perda de um companheiro, mas nunca cogitaram parar.

Porque apesar de ficarem abalados com a morte, aqueles que estão domando super máquinas pelo mundo amam o que fazem. Dedicam-se por toda a sua vida exclusivamente às corridas. Sabem que não foi a última morte em autódromos, que infelizmente isso faz parte da realidade, mas continuam lá. E esse é um dos motivos que atrai milhões de apaixonados para as TV’s e aos circuitos quase que religiosamente, todos os fins de semana, todos os meses, todos os anos. Tragédias acontecem e devem ser evitadas, mas são superadas, e a emoção continua a mesma.

E é isso que mantém e move a paixão de uma legião de aficionados em todo o planeta.