O ano de 2013 foi um carrossel de sensações para a equipa do Paços de Ferreira, um misto de pura alegria e realização histórica que na segunda parte do ano foi enlaçada por uma tristeza exibicional há muito tempo não sentida pelos adeptos pacenses. Apanhada num autêntico choque de disparidades, a formação da capital do móvel subiu ao céu para depois descer, vertiginosamente, até às labaredas do inferno: depois de atingir a melhor classificação de sempre num campeonato nacional, o Paços de Ferreira caiu, abruptamente, para o vazio pontual e exibicional que ainda hoje castiga a equipa, afundada num mar de derrotas, condenada a partilhar a laterna vermelha da Liga Zon Sagres com o Olhanense. Em Maio, mês que encerrou a competição nacional, o Paços de Ferreira celebrava a até então inimaginável obtenção do terceiro lugar na tabela classificativa, atrás de Porto e Benfica e à frente de Sporting, Braga ou Vitória de Guimarães. Por altura do auge da época natalícia, a formação que alinha de amarelo conta apenas com 9 pontos, uma quantia irrisória que coloca a equipa do Paços na última posição da mesma Liga que, há seis meses atrás, vira os «castores» arrebatar o último lugar do pódio. De uma época para a outra muito mudou no Paços de Ferreira, desde a chefia técnica à orgânica do onze titular, e os resultados da época 2013/2014 não poderiam ter sido mais contrastantes com a caminhada triunfal da temporada transacta: de derrota em derrota, o Paços foi esmorecendo, mirrando perante os adversários, aceitando a desilusão como uma sina que se aprende e que castiga.

Analisando a prestação global do Paços de Ferreira neste ano que agora se abeira do fim, deparamo-nos com o percurso turtuoso que encetou no coração do clube um desequilíbrio identitário, causa mais que provável da crise actual que se vive e respira, quer no balneário, quer no gabinete da direcção, quer nas ruas da cidade. O modesto clube pacense, que nunca antes dera por si em tão meritória posição, ganhou, quer por intrínseca força motivacional quer por imposição mediática, um estofo que nunca chegou a ter - munido de um estatuto pesado demais para a sua capacidade, o Paços enfrentou o início da época 2013/2014 com uma responsabilidade que não lhe pertencia, ónus criado pelo feito da época anterior que transportou a equipa para um patamar onde ainda não poderia estar. As mexidas foram muitas, as alterações sucederam-se a bom ritmo e a reformulação do plantel fazia antever dificuldades, complementadas pelo calendário hercúleo que o clube teria de enfrentar, começando logo com uma duríssima e desnivelada pré-eliminatória de acesso à Liga dos Campeões, diante do Zenit de Hulk e Witsel. Foi o início de uma caminha que, até agora, apenas conta com duas vitórias para a Liga e zero triunfos europeus na Liga Europa, onde os «castores» se estrearam também.

O ano do inédito terceiro lugar

O ano de 2013 nunca sairá da memória dos fãs do clube pacense: 42 golos marcados e 29 sofridos resultaram, ao trigésimo jogo, em 54 pontos históricos que valeram aos «castores» um inédito terceiro lugar no campeonato português. Com 14 vitórias, 12 empates e apenas 4 desaires, o Paços, comandado por Paulo Fonseca, surpreendeu tudo e todos e segurou o bronze que lhe dava um prestígio nunca antes alcançado. Alicerçado numa gestão directiva ponderada, o clube mostrou uma regularidade assinalável que nem o Sporting nem o Braga souberam apresentar. Com uma táctica que utilizava dois «pivots» defensivos no miolo, Paulo Fonseca debateu-se de modo inteligente com todas as equipas, demonstrando que o Paços tinha, naquele ano, encarrilhado numa linha rápida para o sucesso, que contava com a ajuda do débil Sporting, afastado das vitórias e mergulhado numa crise total. Também o Braga, treinado por José Peseiro, esteve longe dos patamares qualitativos de outras épocas, facto que, aliado à desastrosa época leonina, catapultou ainda mais os «castores» para uma epopeia nacional memorável. O timoneiro técnico do feito, Paulo Fonseca, que chegara ao clube para enfrentar a época 2012/2013, dobrava o ano com a pujança com que terminaria a temporada, num esfusiante terceiro lugar que nem a derrota caseira frente ao campeão FC Porto, por 1-2 na última jornada, viria a mitigar. Nesse mês de Maio, ficava traçado o futuro de Fonseca, que passaria pela cidade «Invicta», ao serviço do clube liderado por Jorge Nuno Pinto da Costa.

Muitos foram os jogadores que se sobressaíram durante a época, tomando parte indispensável na manobra pacense: Cássio foi o guarda-redes de serviço, Ricardo foi líder no eixo defensivo, Josué, Luiz Carlos, Vitor e André Leão tomaram as rédeas do centro do terreno e Manuel José foi o perigo vindo dos flancos. Na frente de ataque, o possante Cícero ganhou a titularidade (assinou 11 golos) e peruano Hurtado também conseguiu ser presença assídua na formação pacense.

O mesmo ano, um Paços totalmente diferente

Finda a temporada de sonho, foi tempo de mudar, não por opção mas sim por imposição: Fonseca sai para o FC Porto e a primeira decisão teria de ser tomada. Quem teria o perfil e as valências indicadas para suceder a Paulo Fonseca, o obreiro técnico do terceiro lugar? A resposta foi Costinha, antigo internacional luso que vinha de uma curta experiência no Beira-Mar, entretanto despromovido. A escolha de Carlos Barbosa, presidente do Paços de Ferreira, visava reintroduzir juventude no cargo técnico e a ambição característica de um treinador que procura mostrar credenciais no mundo do futebol. Agosto viu Costinha comandar os seus pupilos na nova odisseia pacense que então começava: a 16 de Agosto o campeonato arrancava com uma derrota pacense frente ao Braga, e a 20 de Agosto o Paços enfrentava o poderoso Zenit, perdendo por 1-4 na primeira mão e 4-2 na segunda. Já sem Josué (contratado pelo FC Porto) na organização do ataque, Cícero emprestado ao FC Astana (clube cazaque), Luiz Carlos no Braga, Diogo Figueira nos espanhóis do Sevilha e mais tarde sem o médio centro Vitor (vendido ao Sporting), o Paços teve de se reconstruir: Sérgio Oliveira chegou (emprestado pelo Porto) para o meio-campo, Gregory (vindo do Sporting Gijón) reforçou o centro da defesa, Rui Miguel veio para aumentar o leque de opções no meio-campo ofensivo e Carlão, avançado do Braga, foi o substituto de Cícero. Apesar de todas estas mudanças. o destaque foi todo para a chegada do extremo português Bebé, cedido pelo Manchester United.

Com um calendário de terror, repleto de sucessivos embates difíceis, o Paços foi encontrando, repetidamente, a derrota, e assim se foi habituando à sua presença. Eliminada da pré-eliminatória da Liga dos Campeões e averbando quatro derrotas nos primeiros quatro jogos da Liga, a formação orientada por Costinha foi-se afundando numa intranquilidade que não mais a abandonou. A 19 de Setembro começara a aventura na Liga Europa, com uma esclarecedora derrota frente à Fiorentina: o Paços não estava preparado para as andanças europeias. A 28 de Setembro surgiu, finalmente, a primeira vitória de Costinha, 3-4 frente ao Marítimo. Houve quem pensasse que o caminho da estabilização estava ao virar da esquina, mas as más exibições sucederam-se e a contestação dos adeptos subiu de tom, a ponto de se tornar insuportável, quer para Costinha, quer para Carlos Barbosa. A 28 de Outubro o «ministro» Costinha não resistiu aos ferimentos da derrota caseira frente ao Vitória de Guimarães (1-3) e abandonou o posto de treinador, ocupando pelo experiente Henrique Calisto. A chicotada psicológica não surtiu o efeito que todos esperavam: Calisto apenas saiu vitorioso de duas partidas desde a sua tomada de posse, contra o Arouca (0-0): uma em Tondela, para a Taça de Portugal (0-1) e outra na Mata Real, num duelo contra o Belenenses, a 24 de Novembro. Chegados ao Natal, os homens do Paços contam 9 pontos, 10 golos marcados e 25 concedidos, constando nos registos da Liga como a segunda defesa mais batida do campeonato.

Esquecer o fantasma do terceiro lugar

A travessia pobre do Paços na Liga Europa é o reflexo da encruzilhada que o clube teve de enfrentar - demasiadas responsabilidades para uma equipa que está longe de poder ombrear sequer com a segunda categoria do futebol internacional. Inexperientes a nível externo, com pouco poder de compra e a constante necessidade de realizar encaixes financeiros, o Paços é uma instituição que apenas agora está a dar os primeiros passos na aventura europeia, conhecendo as dificuldades inerentes a um calendário preenchido e à medição de forças com clubes fortes e bem estabelecidos no contexto internacional, como o Zenit, a Fiorentina ou o próprio Dnipro. Contra todos eles, valores mais altos se ergueram e o Paços terminou excluído de ambas as provas sem ter conseguido vencer uma única partida.

Na última partida de 2013, o Paços empatou a zero contra o Rio Ave e manteve-se assim na linha de trás, lanterna vermelha da Liga, com a companhia do Olhanense, que também tem 9 pontos. Enrolados na espiral derrotista da derrota constante, os jogadores do Paços de Ferreira enfrentam o maior adversários de todos: o medo de errar, a pressão de vencer obrigatoriamente. Jogando sobre brasas, assobios vindos da bancada e brindados com a descrença que grassa pela massa adepta, o Paços ainda deverá estar a pensar no que lhe aconteceu em tão poucos meses - em Maio fazia história, em Dezembro apenas conhece o sabor do insucesso. Se há seis meses o clube congratulava-se com o excelente percurso na Liga, agora luta para dela não ser despromovido. Este choque de sensações marca o ano do clube mas não deve minorar o marco histórico atingido pela equipa em 2012/2013. Deve somente servir para elucidar os mais distraídos: no futebol, como na vida, o sucesso pode caducar a qualquer momento e é essa a premissa que deve motivar-nos a reconquistar de novo as rédeas da alegria e do triunfo. Com método, racionalidade, paciência e perseverança. O terceiro lugar do Paços não implicaria nunca um resto de 2013 fenomenal, sequer uma época 2013/2014 igual à obtida anteriormente. Resta aos pacenses enfrentarem o desafio de se reerguerem desta descida ao inferno, esquecendo o fantasma da responsabilidade do terceiro lugar, que tanta alegria deu no final da época passada, mas que não é o lugar natural do clube.

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