Até que ponto pode a História influir no curso do presente imediato? Poderá ela imiscuir-se no milésimo de segundo que separa o avançado do guarda-redes, ifluenciando confianças ou gerando incertezas? Carregarão os jogadores, para dentro do relvado, a bagagem emocional que o passado acarreta? A reposta torna-se numa faca de dois gumes: se é através da memória que consolidamos a aprendizagem e nos erguemos de modo a ultrapassar aquilo que outrora fora intransponível, também é por ela que nos condicionamos na abordagem de determinados eventos que nos marcaram negativamente no passado. Na Luz, em jogo de campeonato, os soldados leoninos terão pela frente 90 minutos de uma batalha que, das últimas cinco ocasiões, terminou com sangue derramado, pelos leões: desde 2008/2009, época de Quique Flores no Benfica, que o Sporting perde na casa do rival lisboeta no âmbito da liga nacional. Cinco jogos, cinco derrotas e nem um golo de honra apontado. Por entre desaires forasteiros, duas saborosas vitórias verdes a registar: 1-3 em 2003/2004 e novo 1-3 em 2005/2006, deixando, nas duas ocasiões, a Luz silenciada. Pelo meio, novo desaire inesquecível - vitória encarnada caída do céu, aos 83 minutos, pela cabeça de Luisão. Vivia-se a época 2004/2005. Nessa penúltima jornada da Liga, a Luz vibrou de emoção e o título seguir-se-ia dentro de uma semana. Conseguirão os jovens jogadores leoninos enfrentar o peso do passado e exorcizar a malapata da Luz, tão adversa ao Sporting quando chega a hora de lá jogar para a Liga?

4 x (2-0) = ao resultado mais provável

Se analisarmos, em termos estritamente matemáticos, os últimos resultados dos «derbies» entre Benfica e Sporting, disputados na Luz, para a Liga, a evidência da repetição traduz-se na predominância clara de um resultado: 2-0, sempre a favor das «águias». O resultado verificou-se por 4 vezes nos últimos cinco encontros da competição, sendo igualmente evidente a ineficácia do Sporting, que não consegue marcar na casa do rival desde Abril de 2007, quando Liédson marcou, ao segundo minuto de jogo, no 1-1 da época 2006/2007. Nos últimos seis jogos, o Benfica conseguiu sempre acabar os 90 minutos sem conceder golos leoninos, marcando por 9 ocasiões: Lima e Gaitán no 2-0 da época transacta, Javi García, de cabeça, no magro 1-0 da época 2011/2012, bis de Cardozo no 2-0 em 2010/2011, Cardozo e Aimar no 2-0 que empurrou o Benfica para o título 2009/2010, Reyes e Sidnei no repetente 2-0 da temporada 2008/2009. O jogo de 2007/2008 acabou a zeros. Assim, o 2-0 é um resultado cada vez mais familiar à casa encarnada em contexto de liga nacional, destino que os «leões» quererão mudar, tendo que, para tal, elevarem-se a um nível exibicional que remonta a 2005/2006, quando venceram categoricamente o Benfica na Luz, por 1-3, abafando o primeiro golo da partida, marcado por Simão Sabrosa, de grande penalidade.

Cardozo conta com três golos apontados ao Sporting na Luz para campeonatos, Gaitán e Lima, potenciais titulares também, estrearam-se o ano passado, vendo o seu nome na lista de marcadores: o golo do brasileiro, aposta mágica combinação com Gaitán, ficou na retina pela forma exuberante com foi construído e finalizado. Mas se o 2-0 aparenta ser o resultado mais recorrente nos últimos anos, verdade é que também o Benfica é incapaz de marcar mais de dois golos na Luz (para a Liga) desde o célebre 3-0 em 2000/2001, onde Pierre Van Hooijdonk e João Tomás, com um bis, foram os heróis do jogo: já lá vão treze anos.

2 x (1-3) = às vitórias leoninas

Sempre que o Sporting venceu na Luz, para a Liga, fê-lo de modo indubitável e claro: desde o início do milénio, o Sporting apenas venceu o Benfica na Luz por duas alturas, ambas pelo mesmo resultado de 1-3. A última deu-se na temporada de 2005/2006, com os «leões» a baterem o campeão em título por 1-3, depois de terem começado a perder, com um golo de Simão. Sá Pinto e Liédson, que marcou por duas vezes, apagaram a Luz. Também na época de 2003/2004 o «placard» final foi o mesmo, golos de Elpídio Silva, Rochemback e Sá Pinto, contra um único golo encarnado, assinado por Luisão. Estas duas vitórias são os dois únicos motivos de orgulho leonino em plena Luz no que ao campeonato diz respeito - registo que o Sporting terá oportunidade de alterar, acrescentando um tão desejado triunfo que não se verifica há cerca de oito anos.

Luz foi talismã do título

Na memória sportinguista está também a fatídica decisão do título referente à época 2004/2005, encerrada com uma cabeçada de Luisão para o fundo das redes do guardião Ricardo. Decorria o minuto 83 quando a bola, endossada para a área, foi penteada pelo «Girafa», que desse modo celebrou, em sincronia com a Luz, a antecâmara do festejo final, que seria feito uma semana depois. O Sporting, treinado à data por José Peseiro, estava pertíssimo do troféu, mas o golo inesperado do central encarnado deixou o Benfica de Trapattoni a um dedo de uma comemoração que não tinha lugar desde 1993/1994. Esta vitória, inesquecível para os benfiquistas e perturbadora para os sportinguistas, figura ainda como um marco histórico na lista de tira-teimas entre os dois eternos rivais, que poucas conquistas têm celebrado neste milénio. Num contexto totalmente diferente - mas com fim semelhante - a vitória benfiquista em 2009/2010, com golos de Cardozo e Aimar, também antecedeu a conquista do título nacional por parte do Benfica, na imparável época de Jorge Jesus, no seu ano de estreia aos comandos da Luz.

Tácticas díspares

Benfica e Sporting abordarão o jogo às suas maneiras tradicionais: Benfica em 4-2-4 teórico, com constantes movimentações ofensivas, sobreposições, diagonais dos extremos e trocas de posicões entre estes e o avançados móveis; o Sporting jogará, sem surpresas, no seu habitual 4-3-3, com um médio defensivo mais estático e dois médios centrais dinâmicos, um «box-to-box», Adrien, e um outro mais atacante, que mais vezes chega à meia-lua para definir jogadas. No Benfica, as tarefas defensivas a meio-campo ficarão entregues a Fejsa, que terá a companhia de Enzo, o motor e o cérebro da equipa, que empresta raça na supervisão do meio-campo (ajudando Fejsa) e que carrega o piano ofensivo encarnado. No Sporting, as mesmas tarefas tarefas defensivas a meio do terreno estarão entregues a Dier, na ausência de William Carvalho; Adrien desempenhará o papel de cérebro da equipa, enquanto que Martins se ocupará do vértice mais oscilante do triângulo, chegando mais perto do avançado. Na contraposição das duas armadas centrais, o Sporting leva vantagem teórica devido à superioridade numérica que tem: 3 médios contra 2 dos encarnados. Apesar disso, caso a dinâmica verde não engrene a meio-campo (Dier pode ser peça emperrada, devido á falta de ritmo e de ser uma adaptação), poderá ser o Benfica a dominar o centro do relvado, com a descida dos seus avançados até à linha média do terreno (Rodrigo e Lima, cujos movimentos já explicámos aqui), muito à semelhança do que aconteceu no Benfica 2-0 FC Porto.

No Benfica, grande parte da magia atacante reside nas alas, onde Gaitán e Markovic desembocam em derivações constantes que impedem as marcações de serem fixas e previsíveis. Orquestrados com os dois extremos, Lima e Rodrigo circulam pela faixa ofensiva, rodando entre lugares e arrastando defesas com as suas desmarcações imparáveis. Ora Rodrigo surge na faixa esquerda, ora Markovic cruza o campo em diagonais velozes, ora Lima cai na linha direita ou Gaitán aparece no miolo, organizando jogo atrás dos avançados: o carrossel encarnado exige uma defesa adversária rápida, concentrada e flexível em termos conjunturais. No ataque do Sporting, Montero é o avançado móvel que vagabundeia pela faixa da frente, recuando para tabelar com os colegas, desmarcando-se a velocidades atrozes, procurando surgir nos espaços, geralmente, nas costas dos seus marcadores. Martins apoia Montero na pressão à saída de bola oponente, enquanto os extremos cortam os caminhos dos laterais, obrigando o rival a construir sob brasas, a partir de uma zona mais recuada que o habitual. De destacar ainda a excelente dinâmica de sobreposições efectuadas pelo flanco direito do Sporting, com Cédric a arrancar, qual locomotiva, auxiliando o extremo no desenvolvimento de jogadas pela cabeceira.

Existe algum dilema «Cardozo»?

A dúvida deverá subsistir até perto da hora do jogo: será que Cardozo saltará para a titularidade, deixando um dos avançados actuais no banco? E se assim for, qual deles ficará de fora para entrar o goleador paraguaio? A dinâmica ofensiva do Benfica tem sido causa de um maior equilibrio colectivo, devido à mobilidade e versatilidade de Lima e Rodrigo, mas o regresso de Cardozo poderá levar Jorge Jesus a redefinir a orgânica da equipa, que assim terá um ponta-de-lança fixo, pouco móvel e mais presente na área, em vez de dois avançados móveis com capacidade para cairem nas alas. Uns defendem a manutenção do modelo actual, outros sugerem que o factor psicológico pode dar a Cardozo a mó de cima no jogo frente ao Sporting, presa habitual do Tacuara. Na última vez em que foi titular, o ponta-de-lança clássico marcou 3 golos aos «leões», acicatando a tendência para abater o leão. Será que na memória da equipa de Alvalade reside ainda a ameaça letal do pé esquerdo do retornado paraguaio? Até que ponto conseguirá o Sporting, sob a pressão da Luz infernal, chutar para canto a ditadura do historial recente, claramente favorável ao Benfica no que toca a jogos para a Liga? Às 18 horas de Domingo a resposta começar-se-á a gizar, dentro de campo. Que o «derby» orgulhe a modalidade e faça honra ao desportivismo - que o respeito mútuo prevaleça, antes e depois da partida. O futebol português ganharia muito mais que 3 pontos, indubitavelmente.