O FC Porto rapidamente demonstrou, durante o interlúdio desta Liga, que não gozava da mesma confiança táctica de outros anos, estando, aliás, bem longe da proficiência colectiva que caracteriza uma equipa segura dos seus mecanismos de jogo. A debilidade nuclear notou-se a meio-campo, onde a inversão do triângulo alterou processos assimilados e reverteu dinâmicas, tanto de construção de jogo como de posicionamento defensivo. A saída de Lucho, capitão e carismática figura do clube, enfraqueceu ainda mais a estrutura táctica do Porto, deixando-o orfão de classe, visão de jogo clarividente e capacidade de manipular a posse de bola consoante o ritmo pretendido.

No Benfica, também Janeiro levou um dos seus melhores executantes, também ele jogador do centro do terreno: Matic. O versátil e tecnicista médio sérvio deixou o Benfica (precisamente depois da vitória do Benfica frente ao Porto, por 2-0) e adivinhava-se a mesma consequência que assolou o rival Porto, mas, paradoxalmente, tal não se veio a verificar, tão pouco as «águias» baixaram de produção ou viram degradar-se o seu estilo. Nada disso: ao invés, a equipa consolidou a sua dominância no centro do terreno, melhorando o aspecto defensivo do jogo e libertando Enzo para funções de «maestro» a tempo inteiro.

Perdas com ganhos diferentes

Ambos os clubes perderam os seus médios de referência, mas, feitas as contas, foi no Porto que as implicâncias foram negativas. Com a perda de Lucho, o Porto perdeu logicamente um jogador de classe distinta sem igual no plantel: o argentino somava em si a qualidade de passe, o discernimento da posse calculada, a inteligente mobilidade e a capacidade de invadir a área contrária com elevada perigosidade. Sólido na contenção defensiva e perspicaz na manobra ofensiva, Lucho dificilmente poderia ser substituído por Josué, Herrera, Defour ou Carlos Eduardo. Sem «El Comandante», o Porto perdeu o elo mais forte de ligação entre o sector central e o ofensivo.

No Benfica, a situação foi diferente, apesar da expectativa ser a mesma em relação à perda de um dos melhores médios centrais da actualidade. Matic saiu mas o Benfica, em vez de perder fulgor a meio-campo e assertividade defensiva, ganhou. Sem o médio sérvio mas com outro sérvio no miolo, Fejsa, os encarnados transformaram-se em termos tácticos, ganhando maior ímpeto defensivo e fortificando a muralha da retaguarda, libertando o criativo Enzo para áreas pisadas pelos executantes mais expressionistas. Mas desengane-se quem pensa que era Matic a pedra na engrenagem deste Benfica: a compreensão táctica do treinador é que mudou - sem um médio «todo-o-terreno», capaz de fintar, atacar com perícia e ao mesmo tempo defender, mas com um puro médio defensivo, mais limitado em termos globais, Jorge Jesus viu-se obrigado a fixar Fejsa em frente da defesa.

O paradoxo de Matic

Parece, de facto, que estamos perante um paradoxo: a saída de Matic, jogador de talento inquestionável, veio incrementar a solidez táctica deste Benfica. Será esta conclusão verosímil? É, sem sombra de dúvidas, e a corroboração desta visão tem correspondência dentro das quatro linhas, quando analisamos o jogo dos encarnados. O que aconteceu para que a saída do internacional sérvio viesse a beneficiar o Benfica? A resposta é simples: o Benfica alinhava com 2 médios centrais incumbidos de desempenhar todas as funções defensivas no centro de terreno, pressionando, recuperando bolas e lançando os ataques, ambos juntando-se aos atacantes na invasão da área contrária.

Essa estratégia (suicída contra equipas de calibre médio) destapava um buraco considerável no miolo encarnado, visto repetidas vezes sempre que o Benfica enfrentava equipas com uma saída de bola rápida e uma boa coordenação de posse de bola capaz de explorar o espaço deixado. Tanto Enzo (naturalmente apto a atacar) como Matic (versátil e capaz de atacar com facilidade) eram instruídos para desempenharem funções a mais: defender junto da área, ganhar a bola, circular, pensar o ataque e quem sabe chegar ao último terço para finalizar (vimos isso várias vezes).

Com a imposição da saída de Matic, Jorge Jesus teve de repensar a estratégia e a adjudicação de papéis no centro do relvado. Com Fejsa, o Benfica não poderia nunca exigir o mesmo que antes exigia a Matic, logo, a solução foi fixar o ex-Olympiakos junto da defesa, posicionalmente agarrado à zona do médio defensivo. Com esta maior disciplina táctica, o Benfica ganhou maior consistência a meio-campo, logo, maior entreajuda defensiva e menos golos sofridos. Foi a alteração táctica que tornou o Benfica mais forte, não a saída de Matic ou a inclusão de Fejsa: esteve sempre tudo nas mãos de Jesus, que apenas percebeu a necessidade de maior equilíbrio táctico quando se viu privado do internacional do Chelsea.