«Há aí uns malucos que querem inventar e quando eles quiserem avançar com quotas de jogadores, o nosso campeonato vai estar ao nível da Turquia, da Grécia, da Bélgica, da Holanda, da Rússia. E na Rússia eles têm dinheiro para comprar jogadores de 50 milhões, nós vamos ter é para comprar jogadores de 50 tostões. O que quero dizer com isto? Quando decidirem que em Portugal terão de jogar 5/6 portugueses e os restantes serem estrangeiros, esqueçam. A competitividade de equipas como Benfica, FC Porto, Sporting, Marítimo, das equipas que vão à Europa, passa para a 3.ª divisão.» Foi assim que Jorge Jesus explicitou, em entrevista ao Record, a sua visão da competitividade da liga portuguesa e a ligação desta com a formação de jovens jogadores.

Não é novidade o baixíssimo índice de aproveitamento do Benfica no que toca à utilização dos seus jovens formados na academia do Seixal na própria equipa sénior - ainda no arranque da temporada o clube da Luz voltou a reforçar tal política de secundarização dos talentos encarnados da casa: Bernardo Silva foi emprestado ao Mónaco (mas Talisca mereceu 4 milhões de investimento e até Bebé passou à frente do jovem), João Cancelo não serviu sequer para ser alternativa a Maxi Pereira, sendo cedido ao Valência (que parece ter grandes planos para o lateral) e André Gomes, que nunca se fixou como aposta contínua, saiu para o clube «che», sendo hoje o maestro da equipa sensação da Liga BBVA.

Ora, as afirmações de Jorge Jesus, nascidas de uma visão claramente redutora do potencial competitivo dos jovens formados nas academias dos grandes clubes portugueses (e dos de dimensão intermédia, porque não?), é literalmente contrariada por uma das mais elogiadas e incontornáveis evidências do futebol português actual: o competitivo Sporting Clube de Portugal, construído habitualmente com 7 jogadores portugueses - quatro deles titulares actuais da selecção nacional (Cédric, Patrício, William Carvalho e Nani) e ainda com um impressionante João Mário a espreitar a titularidade. Afinal, será assim tão impossível apostar nos jovens lusos sem cair para «a 3ª divisão»?

O Sporting alinha regularmente com Rui Patrício (em óptima forma) na baliza, Cédric na lateral direita, Paulo Oliveira no eixo defensivo, William Carvalho a trinco, Adrien a médio área-área, João Mário na parte mais ofensiva do meio-campo; numa das alas actua a vedeta Nani - assim joga o actual Leão. Sete titulares (Paulo Oliveira entrou para o onze em detrimento de Sarr) e um bónus chamado Carlos Mané, avançado que tem crescido gradualmente no reino leonino (a sua valia já resolveu vários jogos a favor do Leão, principalmente na época passada). Também André Martins (e não esquecer Esgaio...), outrora titular, se apresenta como opção imediata. Vale então a pena perguntar: é o Sporting, segundo a linha de pensamento de Jesus, uma equipa não competitiva?

A temporada que o clube de Alvalade está a desenvolver prova precisamente o contrário: bom ritmo de jogo, capacidade de competir com as melhores equipas nacionais e até internacionais, futebol atraente e aguerrido, forte pressão colectiva e variadíssimas opções portuguesas (e da formação, independentemente da nacionalidade) para servir os desejos técnicos e tácticos do seu treinador, Marco Silva. Longe de possuir zero portugueses em campo (como o habitual FC Porto) ou de apenas se apresentar um/dois (como costuma fazer o clube da Luz), o Sporting tem vindo a provar, com uma plenitude de portugueses, que a falácia da falta de competitividade do jogador formado em Portugal é tão somente isso...uma falácia.

Factos: conseguiu o Benfica, em sua casa, superiorizar-se ao Sporting? Não - não foi além de um empate: onde residiu a diferença competitiva dos estrangeiros pescados por Jorge Jesus contra a falta de competitividade e andamento dos executantes lusos? Em lado nenhum. Está o Benfica de Jesus a realizar uma Liga dos Campeões mais eficiente e categórica que o Sporting pleno de Portugal? Não - ambos seguem com 1 ponto, contrastando a apatia das Águias com a energia leonina (patente na brilhante exibição em Gelsenkirchen). Terá o Benfica de Jesus garantias de que irá igualar ou mesmo suplantar as boas exibições leoninas contra o FC Porto? Se não é menos verdade que o Benfica lidera o campeonato, menos verdade não será também que a superioridade técnica e rítmica do Benfica sobre equipas feitas maioritariamente de lusos, apregoada sub-repticiamente por Jesus nas suas declarações, é actualmente um dado dúbio ainda por materializar.

Nos entretantos, talvez fosse de bom tom não minorizar o trabalho das academias portuguesas, ceifando esperanças à juventude e jogando com preconceitos que o jogo jogado dentro das quatro linhas tarda em comprovar.