O Benfica precisava de vencer para alimentar o sonho dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões - a turma da Luz deslocou-se a São Petersburgo com o intuito de segurar a oposição caseira e bater o Zenit fazendo uso das suas armas tecnicistas: Gaitán, Salvio, Enzo e o goleador da temporada, Talisca, isto com o auxílio do voluntarioso e combativo Lima, peça-chave no xadrez de Jorge Jesus. Mas a partida terminou com a derrota dos encarnados. O que correu mal?

Vamos directos ao assunto: o Benfica usa o seu habitual 4-4-2 de extremos abertos, plenos de cariz ofensivo e capacidade de ruptura, sustentando o ímpeto atacante da filosofia de Jorge Jesus com um duplo pivot central constituído por um médio de carácter defensivo e outro «box-to-box», capaz de ser o pêndulo e o coração da equipa. Mas, cauteloso com o potencial do oponente russo, o Benfica optou pela forma mais conservadora desse esquema, usando Talisca como activo também pendular, desdobrado entre acções de segundo avançado e último medio de um meio-campo enraízado em Samaris e Enzo.

Esta derivação táctica, usada várias vezes por Jorge Jesus (o ano passado Lima e Rodrigo davam vida completa a essa ideia táctica), permite uma maior consistência a meio-campo, emprestando aos dois médios nucleares um maior apoio posicional e uma maior eficácia na entreajuda defensiva no momento de defender os postos aquando do ataque do adversário - e neste ponto reside a chave do equilíbrio estrutural do Benfica europeu, que em grande parte das partidas domésticas fica bem servido somente com a dupla de meio-campo.

Porque razão é afinal, esta posição, tão importante para a análise da estratégia do Benfica de Jesus? Porque é ela que permite, na fundação desse equilíbrio referido, abrir caminho para as várias derivações tácticas implementadas pela inteligência táctica do treinador Jorge Jesus. A formulação é esta: se o Benfica de Jorge Jesus é iminentemente impulsivo e ofensivo, por vontade (arriscada considero eu) sua, as indicações tácticas dadas a esta espécie de segundo avançado/médio permitem a esse Benfica equilibrar-se de forma a poder gozar de maior solidez global, da qual carece em muitas ocasiões. 

Daí ao analisarmos as movimentações dos jogadores do Benfica e as suas disposições no relvado do campo Petrovsky, vislumbrarmos que o Benfica apresentou variadas disposições momentâneas com base numa estrutura de 4-1-3-2 em muitas situações de pressão feita à saída de bola do Zenit, com Talisca a juntar-se a Lima nessa primera fase de pressão e uma linha de três médios com Enzo a subir para completar o sector, com Salvio e Gaitán nas linhas. Samaris recuava e ficava de guarda, à frente da defesa, funcionando como conservador trinco.

Mas a planeada mobilidade de Talisca, o tal elemento pendular do último terço do terreno, permitiu a Jorge Jesus transformar o Benfica num momentâneo 4-1-4-1 ou mesmo até numa esquema aproximado do 4-3-3 assimétrico, recuando Talisca para a linha do meio-campo, juntando-se o brasileiro ao sector de Enzo, Salvio e Gaitán (isto possível já que Gaitán e Salvio tinham instruções para apoiar a zona intermédia) - desta forma, o Benfica tornava-se mais compacto e dificultava a vida à organização do Zenit. Assim, em desenhos mais conservadores que o habitual, o Benfica foi anulando os russos. Outras das formas adquiridas foi o 4-2-3-1, numa moldura em que Talisca alinha com Salvio e Gaitán, deixando Lima destacado na frente e Samaris e Enzo como duplo pivot defensivo demarcado.

A anulação do Zenit (basta olhar para a exibição fantástica de André Almeida, em termos defensivos) trouxe, naturalmente, custos em termos atacantes. Primeiro porque o Benfica não está desenhado nem projectado para controlar os seus ímpetos, controlar o ritmo de jogo ou esfriar a reacção impulsiva criada por uma génese táctica que tem no seu âmago jogadores de ruptura como Salvio, Gaitán, Enzo, Maxi ou mesmo Talisca. Simplesmente não está, nem nunca foi intenção de Jesus (exceptuando a época passada, a espaços). Depois porque a contenção tem, obviamente, custos na perigosidade com que se ataca: o Benfica sabia que não seria capaz de dominar e subjugar, logo, conteve-se na altura de atacar para não quebrar o equilíbrio - exemplo: Gaitán notou-se desapoiado devido às tarefas defensivas de Almeida no corredor canhoto.

Minuto 65 e minuto 70: a cronologia de um erro crasso ou nem por isso?

Ora, o equilíbrio demonstrado foi essencial para conseguir manietar o Zenit, pelo menos, abrandando o ataque composto pelos móveis Hulk e Danny. O jogo, dividido, nunca teve equipa dominadora. Então, o que despoletou a vitória russa? Em grande parte, a entrada de Shatov, habitual titular na formação de André Villas-Boas; o extremo veloz veio agitar o jogo e obrigou o Benfica a readaptar-se a novas modalidades atacantes. Shatov veio dinamizar a troca de bola do Zenit, dar velocidade ao ataque e reforçar o jogo pelas faixas (que estava a ser bem contido pelos encarnados). À sua entrada, Jesus respondeu com a colocação de Derley no lugar do cansado Talisca - erro crasso ou boa resposta?

Quem olhar somente para as incidências maiores da partida que depois se seguiram, dirá, precipitadamente, que a substituição destruiu o jogo do Benfica, forçando o fracasso que viria a consumar-se com o golo de Danny, nove minutos depois da entrada de Derley. Será forçado e até redutor dizer que a substituição provocou a derrota do Benfica - os 9 minutos que o golo demorou não demonstram alterações na estrutura nem na ideologia de jogo do Benfica, que permaneceu o mesmo (mesmo esqueleto táctico e mesmas movimentações). O que se vê sim, nitidamente, é o crescendo exibicional do Zenit desde os 65 minutos - altura em que Shatov substituiu Ryazantsev.

Em termos directos, será precipitado afirmar que Jorge Jesus cometeu um erro crasso - o jogo jogado não o demonstra. Em termos indirectos, o caso muda substancialmente de figura: tudo indica que o treinador do Benfica não respondeu de forma inteligente à substituição do oponente. Não se trata de um erro crasso, ainda assim, parece razoável aferir que Jesus errou na resposta: numa altura em que o oponente lançava maior velocidade e capacidade de ruptura no jogo, o técnico lançou um avançado standard para o lugar de um médio ofensivo de ruptura, perdendo capacidade de contra-ataque e de transição veloz - possíveis contragolpes que pudessem ferir o Zenit numa altura em que este subia mais no terreno.

Resumindo: o Benfica não soube, em campo, lidar com a entrada de Shatov, e, no banco, Jesus não deu a melhor resposta a esse movimento de Villas-Boas, tendo fragmentado a capacidade do Benfica em responder com argúcia ofensiva à maior subida russa no terreno. Porque não Ola John em vez de Derley? Porquê Ola John aos 82 minutos e não logo aos 70? Com o extremo holandês o Benfica ganharia poder de ruptura (à semelhança daquilo que ganhou o Zenit) e capacidade para transportar bola até aos espaços deixados pelo oponente. Derley calçou os sapatos de Talisca mas a sua natural incapacidade em transportar jogo quebrou as chances do Benfica em contra-atacar com competência.