É um facto que a hegemonia portista dos últimos 30 anos instalou-se de forma consolidada no panorama do futebol português, mas, a bem da verdade dos números, a vitória do FC Porto em reduto benfiquista não é factualidade repetitiva se tivermos em conta o registo global dos confrontos Benfica x FC Porto jogados na Luz - em 80 duelos disputados no território encarnado, no contexto do campeonato, o Porto apenas conta com 14 triunfos contra 42 do Benfica (52% de aproveitamento do actual campeão e líder).

Mas se a paisagem global confere domínio contabilistico ao Benfica nas partidas da Luz, também deixa denotar uma outra evidência inegável - oito desses 14 triunfos portistas foram obtidos nos últimos 30 anos, precisamente, as três últimas décadas de maior fulgor e pujança do Dragão de Pinto da Costa. Mais: no novo milénio, o FC Porto habituou-se a vencer na Catedral da Luz, conquistando cinco vitórias forasteiras no campeonato, entre 2003 e 2012, ano do último triunfo, por 2-3.

Ora, o campeonato 2014/2015 aproxima-se a passos largos do seu término e a intensidade da luta pelo título de campeão está ao rubro. O líder Benfica, que outrora gozou da possibilidade de distanciar-se do FC Porto com uma margem de 9 pontos (em Janeiro, após desaire portista na Madeira), tem agora três pontos de vantagem sobre o rival do Dragão, e, beneficiando do contexto pontual e psicológico, chama a si o estatuto de favorito: líder durante toda a Liga, à frente no confronto directo e jogando perante a sua plateia, a águia poderá, no Domingo, dar a estocada final num Dragão ferido após a goleada de Munique.

O FC Porto enfrentará, no grandioso clássico do futebol luso, um desafio de sangue, suor e lágrimas, que poderá deitar por terra uma temporada na qual milhões foram dispendidos e muitas esperanças foram alimentadas. Devotado a quebrar o andamento do revigorado Benfica, o Porto atacou 2014/2015 com o intuito de cortar as asas à águia e interceptar a marcha encarnada rumo ao bicampeonato, feito que não vê a Luz do dia há 30 anos, desde a temporada 1983/1984, quando o sueco Sven-Goran Eriksson era treinador do Benfica.

Se fracassar, ou seja, se empatar ou perder, o Porto ficará a escassas horas de jogo de voltar a perder o campeonato, vivendo o primeiro ano de total jejum desde que a sua hegemonia se instalou em Portugal (não esquecer que na temporada passada, o Porto conquistou ainda a Supertaça). Ainda que o empate deixe dúvidas quanto ao vencedor da Liga NOS, será pouco crível que o Benfica, habituado a comandar este campeonato, o perca nos instantes finais - ainda assim, a recente história obriga os encarnados a manter a humildade. Uma derrota portista na Luz implicará o fim da luta.

Um triunfo dos comandados de Julen Lopetegui terá o divino condão de relançar, a todo o gás, o campeonato, acendendo a faísca da total incerteza quanto ao desfecho da luta entre Benfica e FC Porto, adivinhando-se depois uma recta final plena de emoção e muitos nervos à flor da pele. Uma vitória portista na Luz reanimará o frustrado Porto de Munique, uma derrota encarnada lançará o caos e a insegurança entre as hostes benfiquistas, cada vez mais familiarizadas com a ideia do bicampeonato. Mas um sucesso encarnado condenará este Dragão a um vazio inédito nas últimas decadas.

A tarefa do FC Porto não será, por variadas razões, fácil ou acessível: antes de mais, porque o Benfica jogará com a vantagem pontual que detém, depois porque, jogando em casa perante uma massiva massa adepta vermelha, as águias terão a seu favor um clima de festa e de incentivo total. Outra razão poder-se-á juntar ao teórico favoritismo do Benfica - a frustração da pesada derrota portista em Munique, ainda fresca na memória do mundo do Dragão. Na lista das dificuldades portistas reside ainda um motivo histórico sustentado por uma tradição de 64 anos - diante do Porto, para o campeonato, o Benfica não perde por duas ou mais bolas de diferença, na Luz, há 64 anos.

Impressionado? É verdade: apesar da hegemonia que o Porto cavou nas últimas três décadas, há mais de 64 anos que a formação nortenha não é capaz de bater, na Luz, o Benfica por dois ou mais golos de diferença. Além disso, tal triunfo (por duas bolas) apenas aconteceu por uma ocasião em toda a História de confrontos Benfica x FC Porto no campeonato (80 jogos). Ora, este motivo surge directamente ligado com a ambição do Porto em sair da Luz na liderança da Liga NOS. Mas para que tal aconteça, os dragões terão de vencer o Benfica por dois ou mais golos de diferença (ficando na frente, seja pelo desempate do confronto directo seja pelo desempate no «goal average»).

O único triunfo portista por dois ou mais golos, em território vermelho, sucedeu-se no remoto ano de 1951, no décimo sétimo duelo Benfica x FC Porto para o campeonato. Após uma senda de extremas goleadas do Benfica (6-0 na época 1936/1937, 12-2 em 1942/1943 e 7-2 em 19944/1945), o FC Porto contrariou o domínio das águias e venceu por 0-2 na temporada 1950/1951, ainda no Estádio do Campo Grande, no dia 14 de Janeiro de 1951 - os dois golos de Monteiro da Costa encerraram um marco histórico, a segunda vitória portista em casa dos encarnados, no campeonato, a primeira por mais de um golo de vantagem.

Se o Porto terá de virar do avesso as probabilidades, que estão claramente contra o Dragão, terá também que contrariar a tendência da História: o Porto de Lopetegui está obrigado a ganhar para continuar a lutar pela Liga, mas, se quiser abandonar a Luz na condição de líder, terá de romper com 64 anos de triunfos pela margem mínima no reduto benfiquista. Foram 13 vitórias forasteiras pela margem mínima de um golo - 2-3 na época 1939/1940, 2-3 na época 1957/1958, 1-2 em 1962/1963, 0-1 em 1974/1975, 2-3 novamente, em 1975/1976, 0-1 em 1984/1985, 2-3 em 1991/1992, 1-2 na época 1996/1997, 0-1 em 2002/2003, 0-1 em 2004/2005, 0-1 em 2007/2008, 1-2 em 2010/2011, e 2-3 em 2011/2012.