Muito poucas vezes os apreciadores do futebol português se poderão ter gabado de assistir a um derby lisboeta entre Sporting e Benfica por três ocasiões em pouco mais de três meses ainda antes do Natal, principalmente quando os dois anteriores encontros resultaram no mesmo vencedor e também por essa razão cria uma pressão acrescida… sobre ambos, muito embora a situação das águias seja mais precária precisamente por neste momento contabilizarem duas derrotas em dois jogos perante o grande rival.

A pressão de obrigatoriamente ter de vencer o rival num encontro a eliminar, válido pela Taça de Portugal, pode ser vista como um perigoso bloqueio psicológico que pode ser determinante para o sucesso ou falta deste por parte da equipa encarnada na sua demanda, ainda mais quando surge em Alvalade limitada no seu ataque não estando neste momento sequer certo em relação ao nome/nomes a apresentar como homens mais adiantados.

Juntar uma referência ofensiva a Jonas parece ser a melhor solução para evitar que a equipa se ‘parta’ entre um meio-campo lutador e um ataque demasiadamente adiantado que não serviria os interesses benfiquistas. No entanto, também o Sporting esperaria ter o seu ataque mais e melhor apetrechado para levar de vencida pela terceira vez consecutiva o seu grande rival, uma vez que entre os quatro goleadores que compõem o plantel apenas um neste momento oferece garantias.

Apenas Slimani neste momento parece no ‘ponto’, com Téo muito debilitado fisicamente pelas viagens, Fredy Montero a jogar de forma intermitente e Tanaka praticamente sem contar. Quem sabe pouco para corresponder a uma moralização também psicológica que pode ajudar a equipa verde-e-branca a fazer História e afastá-lo de uma competição a acrescer à vantagem classificativa até ver conquistada – a vontade de ‘ferir’ o rival pode ser o maior tónico para os leões.

Depois de um ano de crescimento com Marco Silva, que foi afastado após um complicado acordo de rescisão, agora brilha na Grécia, entre portas e especialmente perante as águias os leões não lamentam a troca por Jorge Jesus que volta a remontar à questão psicológica e ao ascendente que o técnico tem ganho sobre a sua ex-equipa.



Melhoria na capacidade física é factor motivacional que pode impulsionar o Sporting para nova vitória

No entanto, é sabido que no futebol basta um jogo, um resultado, para tudo se reverter e muito depende da atitude benfiquista a reacção às duas derrotas perante o rival, especialmente pelo peso da mais recente, e ao poder que estas têm trazido às palavras e acções do anterior técnico que acusam mesmo de ter levado software pertencente ao clube para a sua nova ‘casa’, uma pretensa ilegalidade que será julgada na barra dos tribunais.

Polémicas à parte, o trabalho de JJ até agora em Alvalade tem-se pautado pela forma eficaz como ataca, finalizando ou pelo menos conquistando perigosos lances de bola parada junto do último reduto adversário como livres directos e/ou grandes penalidades. Fiel ao seu estilo, mas também a um comportamento que tem sido natural no Benfica desde há vários anos a esta parte

A maior organização do Sporting, inclusivamente dentro do seu balneário no qual terminaram os casos de indisciplina como os de Shikabala, provavelmente o último a ocorrer no reino do leão até que finalmente a SAD confirmou a sua transferência definitiva após ter estado meses em parte incerta, é também um importante factor motivacional a juntar à componente física que em derbies das épocas mais recentes esteve bem presente como uma debilidade verde-e-branca.

À primeira vista, esse parece ter sido outro problema resolvido pelos leões em relação ao passado recente. No entanto, nem tudo, pelo contrário, muito poucas, são ou serão as facilidades para o Sporting, que ao ter realizado uma péssima campanha europeia que parece inevitavelmente concluída na fase de grupos da Liga Europa depois de a Liga dos Campeões ter sido um objectivo fracassado se vê obrigado a agradar aos seus adeptos.

Actualmente e mais do que nunca não se contentam com segundos lugares nem vitórias morais… o que pode retirar algum conforto caso o Benfica saiba também impor o seu jogo. Para o Benfica, a Taça poderá também significar ‘révanche’ – haverá sentimento mais forte de inconformismo e moralização perante um vizinho e rival quando a vitória é o único resultado que interessa? Esse aspecto extra-futebol poderá ser tudo aquilo que as águias necessitam para afastar as dificuldades inerentes ao próprio adversário, o facto de por este ter sido derrotado por duas vezes e ainda o obstáculo de actuar perante um público adverso.



Benfica poderá tirar partido de uma excessiva entrega emocional de vários elementos leoninos ao jogo

Os 0-3 sofridos na Luz podem de forma contrastante ter um efeito positivo, o de ‘espicaçar’ a equipa por um vexame imposto perante o seu público, mas também o negativo de deixar a nu várias limitações expostas num ambiente favorável no qual não eram derrotados há três anos e habitualmente é capaz de produzir mais do que um golo por jogo.

Nessa tarde madrasta para os benfiquistas, isso não aconteceu e a partir desse momento impõe sérias dúvidas sobre qual a resposta possível de dar num terreno que será claramente adverso para a equipa agora na condição de visitante que ao não ter conseguido marcar em sua casa terá agora de apresentar capacidade para fazê-lo fora da sua zona de conforto.

Pior do que isso, embora tenha sido verdadeiramente inoperante na recepção ao leão, o Benfica estará ciente da sua inconsistência enquanto visitante e que não poderá desta feita manifestar-se; jogar fora tem sido uma fraqueza para os encarnados e neste caso das fraquezas têm de fazer-se forças para que não suceda novo insucesso.

Regressando à abordagem da equipa da casa, esta terá de refrear os ânimos exacerbados pelas duas vitórias pois poderão resultar num falso e enganador sentimento de superioridade e até de relaxamento que o Benfica poderá capitalizar, podendo surgir a partir de… uma das virtudes do Sporting que passa pelo facto de boa parte dos seus titulares fazerem parte do clube desde a formação e contarem já vários anos de primeira equipa, ou pelo menos um ano como sénior com as cores do clube.

Para os vários futebolistas criados na formação leonina, defrontar o Benfica é sempre mais do que um mero jogo. Necessariamente esses atletas já disputaram vários derbies e alimentam uma paixão que deve ser controlada. Por um lado, confere uma experiência a ter em conta e uma ‘fome’ que ajuda a vencer; por outro, representa uma ‘raiva acumulada’ que muitas vezes é contraproducente em futebol e explorável por um rival maduro e experiente.

Ambas as equipas esperam abordar esta partida com a maior alma possível, a ambas pedindo-se que a alma não tenda a tornar-se a tornar irracional – ao Benfica por ter perdido nas duas ocasiões e não poder conformar-se, ao Sporting por ter ganho ambas as vezes e não poder recostar-se.

No fim de contas, o recente 0-3 registado na Luz pode pesar na moralização de uma águia que não pode perder, mas pode também dar a azo a instabilidade de uma equipa verde-e-branca que se tem habituado a ganhar. Existem pontos a favor e pontos contra, e que não restem dúvidas: este derby vai mesmo ser jogado também com a mente e o relvado vai ser o divã para ambos os contendores.