Teremos, frente-a-frente, na Luz, duas equipas que vivem momentos bastante distintos, quer em termos desportivos quer em termos motivacionais; neste grande clássico da jornada 21 da Liga NOS, as Águias, em claro momento de progresso global (desportivo, psíquico e conjuntural) enfrentam, perante uma Luz ambiciosa e galvanizada, um FC Porto fragilizado internamente, à mercê da instabilidade técnica e ainda em busca de uma nova cara, de um novo figurino, e, em última análise, de um renovado ADN que permita estabilizar, não só uma equipa, como um treinador.

O Benfica respira confiança, como se depreende a partir dos níveis de eficiência que apresenta em frente às balizas adversárias. Com Jonas a magicar golos em catadupa (conta mais tentos que jogos na Liga, imagine-se), Gaitán em retoma (após debelar a lesão), Renato Sanches em pico de pujança e Pizzi num momento de forma irrepreensível (assistência e golos a ritmo assinalável), as Águias não cedem pontos desde o nulo verificado na Madeira, diante do União, há precisamente dois meses. Desde então, conta com 8 triunfos seguidos e 24 golos apontados.

A chama encarnada brilha intensamente e basta olhar para o score de golos marcados na Liga para perceber que a formação de Rui Vitória sente-se mortífera em frente às redes adversárias: as Águias contam com mais 18 golos que os Dragões e mais 16 que os Leões. Em contraste com a reinante confiança da Luz, o FC Porto navega por entre mares turbulentos. O despedimento do mal-amado Julen Lopetegui obrigou a uma entrada a frio de José Peseiro, que, a meio da temporada, tem pela frente a árdua empreitada de lutar pelo título sem tropeçar nos naturais obstáculos da adaptação da equipa a novas ideias tácticas.

Portanto teremos, hoje na Luz, duas equipas enraizadas em estruturas psicológicas diferentes: o Benfica, embalado pela alegria dos golos e da recuperação pontual (que agora lhe permite estar na liderança, pela primeira vez na temporada), e, do outro lado da barricada, forasteira, o Porto de José Peseiro, ainda indefinido na sua dinâmica colectiva, à procura do seu modelo-base e do estabelecimento de rotinas, mecanismos que, na Luz, Rui Vitória consegue, por estes tempos, consolidar, após contratempos vários no primeiro terço da época. Nem sequer a jornada anterior serviu para animar as hostes portistas.

Antes pelo contrário. Frente ao Arouca, em pleno Dragão, o FC Porto deixou a nu, por mérito do atrevido visitante e também por grave demérito próprio, as debilidades estruturais que, nunca resolvidas durante o reinado de Lopetegui, acentuam-se agora, durante a difícil passagem de testemunho. Com a carruagem em andamento, José Peseiro vê-se obrigado a dar o pulo da mudança que conduza o Porto a um sistema sólido, confiável, estável e capaz de acompanhar a tentativa de fuga dos rivais. Caso perca na Luz, o título transforma-se, somente, numa miragem de materialização (altamente) improvável.

A pressão portista é elevadíssima mas o Benfica também não se livra da exigência máxima, isto porque, em caso de vitória, poderá declarar, sem margem para dúvidas, que é o mais forte e coerente candidato ao título, estatuto que rapidamente perdeu durante o conturbado arranque de campeonato. Vencendo o Porto, o Benfica intensifica ainda mais o nível avassalador de vitórias, deixa o rival nortenho a 9 pontos e coloca toda a pressão nas costas do Leão, que terá a sempre ingrata tarefa de sair da Choupana com os três pontos. Uma pressão positiva, é certo, mas um falhanço caseiro poderá mitigar fortemente o percurso até aqui feito.

Dinâmicas tácticas: Benfica transformou-se e Porto estagnou

Muito mudou desde o Porto 1-0 Benfica do arranque da temporada - na altura, um Benfica incerto, vindo de uma pré-época baralhada e mal gizada, procurava a sua identidade no período pós-Jorge Jesus. Com Nélson Semedo em ascensão na lateral direita e um miolo constituído por André Almeida e Samaris, o Benfica procurava ainda o esqueleto ideal para o seu onze e buscava, às apalpadelas, discernir a melhor dupla de médios e de avançados. Jonas, perdido em campo, procurava ainda o parceiro ideal (Mitroglou repetirá a presença a titular) e os mecanismos ofensivos capazes de o elevar à arma letal que agora parece imparável. 

Já o Porto tinha o seu onze definido, e a prova disso é que, passado todo este tempo, a arquitectura do onze portista pouco mudou, à excepção da saída de Giannelli Imbula (vendido ao Stoke). Na defesa, Maxi Pereira e Miguel Layún são os laterais indiscutíveis, Brahimi e Jesús Corona os extremos de ataque, Vincent Aboubakar o avançado do 4-3-3 e André André o cérebro da equipa (e relembre-se, o marcador do golo que deu a vitória aos Dragões). É no centro da defesa que tudo mudará: Maicon, afastado por razões físicas e disciplinares, e Marcano, lesionado, darão lugar a uma dupla constituída por Martins Indi e Danilo Pereira, adaptado.

Se no Porto vislumbramos uma estagnação técnico-táctica que se pautou pela ausência de novos mecanismos de jogo, rotinas afinadas e movimentações complementares, no Benfica, muito devido à ascensão do prodígio Renato Sanches, assistimos a uma revitalização da dinâmica de jogo encarnada. Autêntico «box-to-box» versátil, capaz de encher o campo, Sanches deu a Vitória a solução para a ausência de um médio capaz de combinar as responsabilidades de organizador de jogo e de carregador de piano. Pizzi também foi chave na consolidação do 4-4-2, alargando o jogo na linha mas oferecendo profundidade interior que permita desequilibrar a luta do meio-campo.