A pior noite da história da NBA. Após 14 anos, as imagens continuam sendo impressionantes. No dia 19 de novembro de 2004, nos momentos finais da vitória do Indiana Pacers contra o Detroit Pistons, os atuais campeões da época, Ron Artest fez falta dura em Ben Wallace e a confusão se iniciou. O caos se instaurou no Palácio de Auburn Hills. A confusão chegou até nas arquibancadas, e atletas e torcedores brigaram. 

A briga entre jogadores do Indiana Pacers contra os torcedores e jogadores do Detroit Pistons sujou a imagem da NBA. A liga tomou medidas drásticas, mudando até o código de vestimenta dos jogadores, o que causou revolta e protestos de diversos jogadores importantes da época. Ron Artest sofreu a maior punição da história - sem envolver casos de suspensão por droga. 

A rivalidade entre Pacers e Pistons

Detroit Pistons e Indiana Pacers decidiram as finais da Conferência Leste de 2004. Foram seis jogos intensamente decisivos, tendo placares bastante baixo, com médias de apenas 75,1 pontos por jogo do ataque dos Pistons e 72,6 pontos dos Pacers. Líder na temporada regular e favorito, a equipe de Indiana acabou sendo eliminada por Detroit, que conquistara o título da NBA naquele ano ao superar o Los Angeles Lakers nas finais. 

O primeiro confronto entre Indiana Pacers e Detroit Pistons na temporada 2004/05 estava marcada para a terceira semana após o início dos jogos. Na época, ambos eram considerados as melhores franquias da Conferência Leste. Porém, mesmo com a eliminação nas finais da temporada anterior, os atletas dos Pacers se consideravam melhores e viam o confronto como revanche. Pela importância do evento, a mídia transmitiu em rede nacional numa sexta-feira a noite.

O jogo e o início da confusão

Com a eliminação engasgada na garganta, o Indiana Pacers queria mostrar que era o melhor time da Conferência Leste. A equipe do técnico Rick Carlisle teve grande exibição, largando na frente do placar desde o primeiro quarto com os surpreendentes 17 pontos de Ron Artest. Depois, apenas administraram a vantagem ao longo da partida.

Conforme a partida se aproximava do fim, o jogo começava a ficar mais sujo. Com menos de dois minutos para o final, Ben Wallace derrubou Ron Artest contra a base da tabela depois de bloquear sua bandeja, mas a arbitragem não apitou falta. Quando o cronômetro marcava menos de um minuto, o Indiana Pacers abriu 15 de frente.

"Neste momento, eu escutei alguém do nosso time dizer ao Ron (Artest): 'você pode pegar um deles agora.' Eu escutei isso", relembra Jackson. "Alguém falou pro Ron fazer uma falta dura e ele escolheu o Ben (Wallace), mas o Ben foi a pessoa errada pra ele escolher. Salvo engano, um dos irmãos de Ben tinha acabado de falecer e ele estava passando por uma fase difícil. O Ron surgiu do nada e desceu uma marretada nele. Eu pensei: 'que p**** é essa?' Eu não fazia ideia do que estava para acontecer", declarou Stephen Jackson, dos Pacers.

Após Ron Artest fazer falta dura em Ben Wallace, o que estava para acontecer era uma sucessão de fatos que culminaram no pior pesadelo do então comissário da NBA, David Stern: "Quando eu vi aquilo eu liguei para o vice-comissário Russ Granik e perguntei: 'Você está assistindo ao jogo?' E ele me disse que não. Então eu disse: 'Você não vai acreditar'", afirmou o então comissário da época.

Faltando 48 segundos para o fim da partida, Ben Wallace recebeu a bola no garrafão e quando foi girar para fazer a cesta foi derrubado brutalmente por Ron Artest. Uma falta dura e, dada as circunstâncias do placar, desnecessária. O pivô do Detroit Pistons, provavelmente o jogador mais forte dentro de quadra, respondeu empurrando para longe o ala do Indiana Pacers.

Ben Wallace e Ron Artest iniciaram a maior confusão da história da NBA (Foto: Getty Images)

Depois da partida, Ben Wallace revelou que Ron Artest já tinha prometido uma falta dura antes. Atletas de ambos os times tentaram afastar o irado Wallace de perto de Artest, que inexplicavelmente deitou-se sobre a mesa da arbitragem enquanto tudo aquilo se resolvia. "Foi como se Ron quisesse mostrar que estava acima de tudo e todos", avaliou o então CEO do Detroit Pistons, Tom Wilson. "Acho que foi isso que despertou a raiva dos fãs".

Um minuto e meio depois do empurrão de Ben Wallace, Ron Artest continuara deitado sobre a mesa da arbitragem, enquanto alguns fãs do Detroit Pistons gritavam obscenidades. Enquanto isso, os árbitros resolveram que ficariam parados do lado oposto do ginásio, assistindo a confusão para decidir quem seria expulso. Os jogadores começavam a se encaminhar para o centro da quadra e a confusão parecia se encaminhar para o fim. Mas só parecia.

Confusão chega na arquibancada 

A maioria dos jogadores começavam a se acalmar, exceto Ben Wallace, ainda irado, assim como os fãs que continuavam ofendendo Ron Artest ainda deitado sobre a mesa da arbitragem. Foi então que Wallace jogou uma toalha contra Artest e a confusão aumentou. Por causa disso, um torcedor chamado John Green seguiu o exemplo do jogador e arremessou um copo cheio, acertando o jogador dos Pacers.

Artest saltou da mesa e avançou em direção as arquibancadas após ser acertado em cheio por um copo. "Eu tentei entrar na frente de Ronnie (Ron Artest) instintivamente, mas ele passou por cima de mim. Eu fraturei cinco vértebras. Minha esposa uma vez me disse que, se eu tivesse impedido Ronnie de subir as arquibancadas, nada disso teria acontecido. Eu respondi pra ela: 'Se eu tivesse conseguido parar o Ron de subir aquelas fileiras, eu estaria jogando futebol americano'", brincou o radialista Mark Boyle

Furioso, Artest disparou em direção as arquibancadas e acabou atacante o fã errado. "Artest me derrubou no chão, começou a me balançar e me perguntava: 'Você fez aquilo?' E eu dizia: 'Não, cara, não!'", contou Michael Ryan. O torcedor que, de fato, havia jogado o copo e acertado Artest, se chamava John Green. Enquanto Ron balançava Ryan, o fã errado, Green agarrou o jogador por trás e tentou colocá-lo num mata-leão. Enquanto isso, outro torcedor entrou em cena e jogou cerveja em Artest. Stephen Jackson apareceu e acertou esse fã com um soco.

Após ser acertado por um copo de cerveja, Ron Artest foi atrás do torcedor na arquibancada (Foto: Getty Images)

O caos já estava instaurado e o basquete sendo manchado em rede nacional. Atletas, técnicos e jornalistas que estavam na quadra imediatamente subiram nas arquibancadas e começaram a tentar tirar seus companheiros do meio da confusão. Objetos foram lançados de todas as partes. Artest permaneceu na arquibancada por 40 segundos antes de finalmente ser levado de volta ao banco do Indiana Pacers.

Chegando próximo do banco, Ron Artest deparou-se com dois fãs usando camisas dos Pistons. Artest acertou um soco na cara de um deles, chamado Charlie Haddad, que caiu em cima do amigo. Conforme o amigo tentava levantar, Jermaine O'Neal correu em sua direção e também o acertou no rosto. Para sorte do fã, antes de desferir o golpe, O'Neal escorregou na quadra e acabou não atingindo seu rosto em cheio.

Charlie Haddad entrou na justiça contra Jermaine O'Neal pouco tempo depois, pedindo uma alta indenização pelo soco que tinha levado e que tinha resultado, segundo ele, em consequências sérias, como perda de parte da memória e enxaquecas persistentes. A justiça, entretanto, inocentou O'Neal depois que os advogados de defesa do atleta mostraram evidências de que, desde o dia do incidente, Haddad havia se tornado um ávido frequentador dos cassinos de Las Vegas (que fica no lado oposto do país) e não das farmácias de Detroit.

"A segurança do Pistons estava botando aqueles caras (Charlie Haddad e o amigo) para fora do ginásio antes mesmo da briga ter começado", comentou Jermaine O'Neal. "Esse mesmo cara uma vez ameaçou o Yao Ming também. Ele estava armando maneiras de se envolver em brigas com atletas para ganhar uma grana", se defendeu O'Neal.  

Ron Artest foi punido por 86 jogos e deixou de ganhar quase 5 milhões de dólares (Foto: Getty Images) 

Entretanto, os torcedores do Detroit Pistons que estavam presentes no Palácio de Auburn Hills não sabiam da história envolvendo o fã Charlie Haddad e o amigo. No momento, ver dois torcedores com a camisa dos Pistons sendo agredidos por jogadores do Indiana Pacers enfureceu ainda mais quem estava na arquibancada. As vaias se intensificaram e mais objetivos foram lançados, tais como até cadeiras. Não parecia haver solução: os seguranças estavam atônitos e sem  quantidade de pessoas necessárias para lidar com uma situação daquela magnitude.

Os atletas e a equipe técnica do Indiana Pacers sabiam que precisavam sair da quadra, mas isso significava ter que passar pelo túnel, do lado de diversos fãs enfurecidos do Detroit Pistons. A segurança se reuniu em volta dos atletas e da comissão técnica do Pacers e começou a escoltá-los pra fora da quadra. As vaias se intensificaram e os torcedores jogaram baldes de pipoca, copos de cerveja e tentaram agredir jogadores e comissão técnica. Os responsáveis pela segurança da partida receberam duras críticas ao longo dos dias seguintes e se justificaram dizendo que seus profissionais eram treinados para lidar com diversas situações, mas que de fato não haviam se preparado para a eventualidade de um jogador partir para cima da torcida.

Entretanto, a confusão continuou mesmo no vestiário. A repercussão rapidamente virou caso de polícia e os jogadores temiam ser banidos da liga de basquete norte-americana. Policiais foram enviados até o vestiário para prender Ron Artest, porém, os jogadores protegeram o companheiro e o colocaram no ônibus, recusando tirá-lo de lá. Os oficiais, então, apenas escoltaram o veículo da equipe para fora do Palácio de Auburn Hills e disseram que entrariam em contato depois de rever as imagens daquela noite.

A repercussão da confusão 

No dia seguinte do incidente, a liga tomou medidas rapidamente. A primeira delas foi do comissário David Stern, que divulgou um comunicado oficial: "Os eventos da noite passada foram chocantes, repugnantes e indesculpáveis – uma humilhação para todos os associados à NBA. Isso demonstra porque nossos atletas nunca devem ir pras arquibancadas, por pior que seja a provocação ou o comportamento dos fãs. Nossa investigação está em andamento e espero que esteja concluída amanhã no começo da noite"

A mídia debateu durante semanas sobre a segurança nos jogos, a venda de bebida alcoólica nos ginásios e o relacionamento delicado entre atletas e espectadores. O comissário David Stern suspendeu nove jogadores num total de 146 partidas, custando quase 10 milhões de dólares perdidos em salários. Ron Artest acabou suspenso por 86 partidas (73 da temporada regular e 13 de playoffs), o que fez o atleta deixar de faturar aproximadamente cinco milhões de dólares. Foi a mais longa suspensão não relacionada com drogas na história da NBA.

A confusão entre jogadores e torcedores na partida entre Pistons e Pacers sujou a imagem da NBA e a liga ficou vista como perigosa e com 'atletas descontrolados' (Foto: Getty Images)

A confusão virou uma mancha para a imagem da NBA. Por conta daquele incidente, alguns agora viam a liga com maus olhos, como uma liga perigosa com 'atletas descontrolados'. A situação fez com que a liga criasse uma das regras mais polêmicas de sua história: o código de vestimenta

"A liga inteira estava fora de controle" afirma Jermaine O'Neal. "Eu ouvi analistas em rede nacional dizendo que a gente se vestia de uma maneira muito do hip-hop. Antes de mais nada, me impressionou ouvir um analista dizer isso, e depois me impressionou o que ele disse porque meu gosto musical não dita quem eu sou como pessoa. Ainda assim, menos de um ano depois da nossa briga, o código de vestimenta entrou em vigor", criticou o jogador. 

O polêmico 'código de vestimenta'

O comissário da NBA, David Stern, introduziu a regra do código de vestimenta no dia 17 de outubro de 2005, quase um ano após o incidente no Palácio de Auburn Hills, na partida entre Detroit Pistons e Indiana Pacers. Todos os jogadores deveriam usar roupas sociais em todos os pré-jogos, entrevistas coletivas e eventos da liga.

Com o código de vestimenta como regra, os jogadores estavam proibidos de usar camisetas regatas, bermudas, camisas de times e acessórios esportivos que não fossem apropriados ao evento, nenhum tipo de acessório para a cabeça (como bandanas, gorros e bonés), correntes, pingentes, medalhões, óculos escuros em locais fechados e fones de ouvido. 

Na época, o comissário David Stern se esquivou das críticas dizendo que é normal que ambientes de trabalho tenham códigos de vestimenta. "É uma pequena coisa que contribui para o aumento do profissionalismo da liga. Nossos árbitros sempre estão bem vestidos de certa forma, nossos técnicos também. Chegou a hora dos jogadores", afirmou ao The Boston Globe. "Nós percebemos que a reputação de nossos atletas não eram tão boas quanto eles são, e poderíamos fazer pequenas coisas para melhorar", disse ao New York Times.

O código de vestimenta foi uma tentativa da NBA recuperar a boa imagem. Um dos motivos foi a confusão entre Detroit Pistons e Indiana Pacers um ano antes. Outro dos motivos aconteceu nos Jogos Olímpicos de 2004, quando o técnico Larry Brown disse que se sentiu envergonhado durante um jantar oferecido aos atletas, em Belgrado. Segundo ele, enquanto os jogadores sérvios, que também estavam lá, vestiam-se com os mesmos uniformes e jaquetas padrões, seus comandados usavam "roupas de treino, jeans enormes, brincos de diamantes cintilantes e correntes de platina". Entre os jogadores estava Allen Iverson, o mais perseguido pela liga pelo do seu estilo. 

Allen Iverson foi o jogador mais perseguido pela liga por conta do seu estilo e por ser contra o código de vestimenta (Foto: Getty Images)

Allen Iverson era uma das grandes estrelas da liga naquela época. Ele era mais do que um ícone dentro das quadras, era um ícone cultural. É considerado um marco por ter trazido não apenas o estilo de jogo do basquete de rua, mas sim toda a sua cultura e, com isso, toda a cultura do hip-hop ao redor. Iverson era conhecido por usar correntes, calças largas, bandanas, bonés e tudo aquilo que a NBA proibiu. Era tudo o que David Stern não queria que fizesse sucesso. E acontecia o contrário. No ano que foi introduzido o código de vestimenta, a camisa do astro do Philadelphia 76ers foi da 6ª mais vendida para a segunda posição. Além disso, o jogador tinha o quarto maior salário. 

Muitas estrelas da época, como Paul Pierce, Vince Carter, Kobe Bryant e, principalmente, Allen Iverson, se pronunciaram contra o código de vestimenta desde o primeiro dia. Eles alegavam que a liga estava banindo as peças de roupas e adereços comuns ao hip-hop e que o código era um ataque aberto a cultura dos atletas. Iverson dizia que seu jeito de se vestir estava diretamente relacionado a sua liberdade de expressão: "Eles estão atacando a minha geração . Você pode colocar um assassino num terno, ele continua sendo um assassino", declarou o jogador dos Sixers ao Washington Post. A nova regra não foi bem recebida, sendo vista como um ato preconceituoso contra a cultura do hip-hop. Para piorar, patrocinadores da NBA e de atletas, como Nike, Adidas e Reebok, utilizavam o hip-hop para divulgar seus produtos e atrair público. 

Ainda em 2005, a NBA impôs novas regras como o consumo alcoólico limitado a dois copos de 700 ml de cerveja por pessoa e venda interrompida ao fim do terceiro quarto; pelo menos três seguranças posicionados atrás de cada um dos bancos de reserva, separando jogadores e torcedores; e, por fim, no intervalo de todas as partidas os espectadores seriam alertados de que más condutas dentro das arenas resultariam em expulsão do ginásio e, em casos extremos, prisão e processos judiciais. 

Punições 

Ron Artest sofreu a punição mais grave entre os atletas, ficando suspenso por 86 jogos (73 da temporada regular e 13 dos playoffs). O segundo pior caso foi de Stephen Jackson que sofreu suspensão de 30 jogos, 15 a mais que Jermaine O'Neal. Já Ben Wallace, pivô da confusão com Artest, tomou gancho de seis partidas, uma a mais que Anthony Johnson. Por fim, os atletas Chauncey Billups, Reggie Miller, Elden Campbell e Derrick Coleman só ficaram uma partida suspensos.

Já entre os torcedores, John Green teve a pior situação sendo sentenciado a 30 dias de prisão e tendo que cumprir dois anos em liberdade condicional. Charlie Haddad também foi punido por dois anos em condicional, além de cumprir 100 horas de serviço comunitário, mesma punição sofrida por David Wallace. Por fim, Bryant Jackson foi condenado a dois anos em condicional e teve que pagar US$ 6 mil dólares. Além disso, todos os fãs foram banidos dos ginásios do Detroit Pistons. 

Ron Artest foi o jogador que levou mais prejuízo em toda a confusão em Detroit (Foto: Getty Images)