Após viajar pela Inglaterra e conhecer mais sobre o Clássico do Noroeste, o ACERVO VAVEL desta semana seguirá na Europa, mas fará uma viagem no tempo e no espaço. Do século XVIII, iremos rumo ao século XX. Da Inglaterra, para a Espanha. Hoje, falaremos do Real Madrid e do clássico da cidade espanhola.

Ao se deparar com o majestoso escudo do Real Madrid, é comum pensarmos, automaticamente, no atual melhor jogador do mundo, Cristiano Ronaldo, nos craques antigos que já passaram pelo clube, como Zidane – atual técnico da equipe -, Fenômeno, o grandioso estádio Santiago Bernabéu e a bela jornada do clube espanhol, detentor de 12 Champions League.

Entretanto, há parte da história do gigante Real Madrid que os madridistas preferem não revelar. Os rivais, por sua vez, insistem em voltar ao tal fato, irritando os torcedores do Madrid. Fato é que a história existe e não deve ser apagada. Por isso, falaremos da relação do Real Madrid com a Ditadura Franquista.

O Real Madrid durante o Franquismo

Durante a década de 1930, a Espanha foi dividida pela crise política que culminou na Guerra Civil. O conflito fez mais de 500 mil vítimas na Espanha e abriu caminho para a ascensão do Franquismo (1939-1975), regime totalitário e de extrema direita. Francisco Franco Bahamonde se tornou o general mais jovem da Europa e ditou as regras na Espanha por quase 40 anos durante a Ditadura Franquista. Supostamente um torcedor do Real Madrid, Franco teria facilitado as contratações de Di Stéfano e Gento ao clube da cidade.

Tal fato se tornou justificável ao observarmos do ponto de vista da concorrência do Barcelona, representação da resistência catalã ao regime. Ora, beneficiar os merengues seria uma forma de se sobressair em relação ao Barcelona, que à época já tinha grande destaque no esporte. Durante a ditadura, grandes títulos na Espanha e em torneios internacionais. Presenças em Copas do Mundo e título da Eurocopa de 1964 também podem ser colocadas na conta do automarketing ditatorial.

Com um time dominante e o esporte movendo a população, a pobreza espanhola e o atraso diante dos demais países europeus puderam ser varridos para ‘debaixo do tapete’. Esses fatos, trouxeram, para muitos, uma ligação entre a terrível Ditadura Franquista e o Real Madrid.

Todavia, nascido em Ferrol, na província de La Coruña, região da Galícia, a alguns quilômetros de Madrid, costuma-se questionar a ligação de Francisco Franco com o Real Madrid. Ademais, muitos – madridistas, ou não – garantem até que o ex-ditador não tenha tido tal laço afetivo. Alguns, inclusive, declaram que o Caudillo odiava futebol e tudo que fez no meio esportivo tinha, única e exclusivamente, interesses políticos.

Uma das afirmativas dos defensores dessa tese, diz que Franco, durante os jogos do Madrid – nos quais ele frequentava de maneira assídua – não expressava nenhuma reação. Relatos dizem, outrossim, que o ditador apenas tria sorrido em apenas duas ocasiões: quando se encontrou com Hitler em Hendaya, fronteira entre Espanha e França, 1940, e com Eisenhower em Madrid, 1959, além de uma visita de Eva Perón, quando a recebeu o título de chefe de estado espanhol, em 1947. Franco tinha como característica ser um homem “sonso e sem qualquer senso de humor”, até nas horas de comemorar os gols de seu suposto time do coração. Por isso, muitos madridistas duvidam da ligação do ditador com o clube.

Entretanto, o fato é que, na época, o Real Madrid conquistou, por duas vezes, a Copa da Espanha e quebrou o jejum de mais de vinte anos ganhando novamente o Campeonato Espanhol, deixando o grande rival, Barcelona, em segundo lugar com impressionantes 29 gols em 30 jogos do recém-contratado Di Stéfano.

Di Stéfano, craque do Real Madrid na década, em atividade (Foto: Acervo/Real Madrid)
Di Stéfano, craque do Real Madrid na década, em atividade (Foto: Acervo/Real Madrid)

Em tempos de desilusões sociais, o esporte se torna um mundo paralelo, alheio ao cotidiano, servindo de alento à população, que pôde encontrar um motivo para sorrir. Na Copa do Mundo de 1950, no Brasil, a Espanha esteve no Grupo B, ao lado de Inglaterra, Chile e EUA. Com três vitórias na primeira fase, o time se classificou ao quadrangular final. Além disso, poucos anos depois, no embalo da quebra do jejum de mais de duas décadas em La Liga, o Real Madrid protagonizou uma série de triunfos internacionais que ajudaram a generalizar a marca do clube.

A primeira conquista fora do território madrilenho que ajudou a atiçar os ânimos merengues foi o Troféu Marcos Pérez Jiménez, na Venezuela, popularmente conhecido como Mundialito de Clubes. Em 1956, o Real Madrid disputou com Roma (ITA), Porto (POR) e Vasco o título, vencendo os cariocas na final para ficar com a taça. Em seguida, o Real ainda conquistou uma Copa Intercontinental, além de duas Copas Latinas, que aliás, foi a primeira tentativa de organizar clubes da Europa em um torneio continental de prestígio.

Clássico de Madrid durante o Franquismo

Durante a Guerra Civil, aqui já mencionada, a Espanha foi dividida. Com isso, a partir de 1936, a La Liga foi suspensa. No entanto, isso não impediu que o derby de Madrid entre Real e Atlético ocorressem de forma amistosa. Um deles, entretanto, que seria disputado nas primeiras semanas da Guerra, foi suspenso. Era assim que começava a Ditadura Franquista no clássico de Madrid.

Os dois clubes foram afetados na Ditadura. Os merengues, tiveram que tirar ‘Real’ do nome, em desvinculação à monarquia. Além disso, seu presidente à época, Rafael Sánchez Guerra, de ideologias contrárias ao franquismo, precisou se exilar na França. O Atlético de Madrid, por sua vez, perdeu membros, mortos no conflito. A crise política assolou as finanças do clube, sem jogadores e com grande dívida. Acabou sendo fundido com o Aviación Nacional, time criado pelo exército durante a Guerra Civil. Assim, o Aviación se tornou um instrumento importante para o franquismo e a ditadura, enfim, conseguiu um time popular, ligados à massa, com o objetivo de se legitimar.

No mesmo período, o Real passava por reconstrução. Santiago Bernabéu, ex-jogador que dá nome ao estádio do clube assumiu a presidência - estádio esse inaugurado e renomeado durante o Franquismo -. Com tendências conservadoras, havia militado com as forças pró-franquismo durante a Guerra Civil.

Tempos depois, com o fim do Aviación, o futebol passou a ser usado pela ditadura para manobrar os descontentamentos e manter o controle sobre a população. O Atlético voltou a ser bicampeão espanhol. O Real, por sua vez, sob o comando de Di Stefáno, tinha um grande time e encerrou com jejum de títulos da La Liga, como já fora mencionado. Com o regime de Franco, o Real Madrid tornou-se a grande potência nacional a na década. Todavia, os blancos foram pentacampeões espanhóis entre 1961 e 1965 e seguiam como uma das maiores forças do país, mas teve sequência positiva quebrada.

Com a queda da Ditadura Franquista, o abismo entre os rivais se tornou nítido. O Real se mantinha como poderoso time espanhol, tendo amplo domínio nos campeonatos nacionais e continentais. Paradoxalmente, o Atlético se limitava a conquistas esporádicas.

Assim, o Barcelona assumiu a posição de grande rival dos madridistas e, atualmente, protagonizam o famoso ‘El Clássico’ marcado pela disputa pessoal de Cristiano Ronaldo e Lionel Messi.                                     

Foto: Real Madrid
Foto: Acervo/Real Madrid

      

Entretanto, apesar da história aqui contada, cabe ressaltar que, mesmo tendo parte de sua história traçada com um regime totalitarista, que fez milhares de vítimas na Espanha, a grandiosa jornada do Real Madrid no futebol nacional e internacional prevalece. Detentor de 12 Champions League e 33 vezes campeão espanhol – dentre outros grandes títulos -, os madridistas têm muito do que se orgulhar de seu clube, sem se esquecer de parte da história que não pode ser apagada.

VAVEL Brasil espera que você, caro leitor, tenha gostado dessa viagem histórica na Espanha! Outras, certamente, virão. 

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