Colaborou: George Raposo

Quem acompanha a Seleção Italiana há muitos anos sabe que a principal virtude dos italianos é o forte sistema defensivo. Com quatro títulos mundiais, a Squadra Azzurra se destacou desta forma desde as duas principais conquistas, em 1934 e 1938, com uma impenetrável defesa montada pelo técnico Vittorio Pozzo. Além disso, a conquista mais recente dos azzurri, a Copa de 2006, na Alemanha, foi conquistada graças à belíssima solidez da defesa durante o torneio.

Na Copa do Mundo de 2014, porém, os tempos mudaram, e os italianos têm no ataque sua principal arma para o Mundial no Brasil.

O bicampeonato mundial de Pozzo e Meazza

O início do sucesso da Itália no futebol coincidiu com a ascensão de Vittorio Pozzo ao comando da Azzurra. Em 1929, quando ele assumiu o comando do time principal, logo seus princípios o fizeram revolucionar o futebol do país.

Pozzo descartou completamente o 2-3-5 praticado por praticamente todos os times naquele mundial e também acreditou não conseguiria aplicar totalmente o moderno WM inglês em sua seleção. A defesa sempre foi uma preocupação do técnico e com isso, o seu 2-3-2-3 criado que ficou conhecido inicialmente como “Metodo” foi o principal responsável pelos títulos italianos.

O segundo motivo foi Giuseppe Meazza. O esquema tático montado e criado por Pozzo visava dar mais liberdade para o seu principal jogador e o meio-campista não decepcionou. Com um repertório variado de dribles para a época, o milanês marcava muitos gols, mas também gostava de dar assistências aos companheiros.

Nos dois mundiais, pode-se ver os dois lados de Meazza. Em 1934, com apenas 24 anos, Giuseppe era mais agressivo e quase sempre chegava na área junto ao trio de atacantes. Na Copa do Mundo seguinte, seu jogo era mais cadenciado e apostava nos chutes de média e longa distância e nos passes certeiros para os companheiros.

Além da liberdade criativa ao seu principal jogador, Pozzo também é apontado por muitos como o criador da posição de volante, também embrião dos primeiros líberos. Em 1934, o argentino naturalizado Luis Monti era o responsável por proteger a dupla de defensores atuando um pouco a frente destes.

A ausência de Mundiais em 1942 e 1946, por conta da Segunda Guerra Mundial, tiraram a chance de Pozzo e Meazza buscarem o tricampeonato enquanto ainda possuíam a melhor equipe do Mundo.

Helenio Herrera e o Catenaccio

Mesmo que o time de Pozzo tenha tido preocupações defensivas, não pode ser ele o responsável pela fama retranqueira que a Itália carregou por muitos anos. O culpado por isso é um argentino: Helenio Herrera.

Quando assumiu a Internazionale em 1960, Herrera já era um técnico consagrado com passagens por Real Madrid, Atlético de Madrid e Barcelona, onde conquistou quatro títulos espanhóis com os últimos, por isso sua experiência viu que o time só obteria sucesso se alterasse sua tática.

O plano de Herrera era defender muito bem e atacar rapidamente em contra-ataque. Ao olhar a escalação, a tática era um 4-3-3, mas com o decorrer da partida todos os jogadores teriam obrigação de defender e, na época, os laterais não poderiam atacar.

Com essa filosofia foi criado o “Catenaccio”, porta trancada, em italiano. A principal característica da estratégia era o recuo excessivo dos zagueiros, a presença de um líbero para cobertura dos defensores, um meio-campo que marcava bem e saia em velocidade. Isso tudo fazia com que o 4-3-3 virasse um 1-3-3-3 totalmente sem espaços para os adversários.

Herrera conseguiu, assim, três títulos do Campeonato Italiano e um bicampeonato inédito da Champions League e do Mundial Interclubes. Nesse período, o Catenaccio italiano foi campeão da Eurocopa em 1968 com o técnico Ferruccio Valcareggi.

A criação do “Zona Mista” e o começo do tri

Na década de 70, o Catenaccio era odiado por boa parte dos adversários da Itália e, com o crescimento do Futebol Total, da Holanda, o esquema foi se tornando obsoleto, o que fez com que a Azzurra passasse por um período de “seca”.

Enzo Bearzot, então técnico italiano, foi instigado a alterar o esquema tático que prevalecia no país há mais de uma década e com algumas alterações instalou a chamada “Zona Mista”, que era uma versão mais moderna do catenaccio, com um pouco mais de liberdade aos jogadores, mas ainda com pensamento defensivo.

O esquema pode ser considerado, também, uma variação do 3-5-2 praticado atualmente. Com três zagueiros, sendo um líbero, dois alas com características diferentes, um ofensivo e outro defensivo, um meio-campo protetor da defesa, e dois responsáveis por criar as jogadas, e na frente um centroavante e um segundo atacante.

A grande diferença dessa tática é a função do líbero. Se no catenaccio ele tinha que ficar sempre atrás dos zagueiros e cuja função primordial era defender, na Zona Mista seu papel era um pouco mais flexível, pois além de defender ele tinha que ser habilidoso o bastante para começar as jogadas ofensivas e ser o responsável pela saída de bola da equipe.

Com esse pensamento, Bearzot foi ao Mundial de 1982 com as peças necessárias para conseguir sucesso utilizando a tática “Zona Mista”. Com Gaetano Scirea, da Juventus, responsável pela função primordial que era o líbero.

Copa de 1982: uma seleção desacreditada que surpreendeu a todos

O longevo técnico da Seleção Italiana na época, Enzo Bearzot, tinha a missão de reunir os melhores jogadores da Itália na época para disputar a Copa do Mundo de 1982. Na última Copa, em 1978, Bearzot levou a Squadra Azzurra ao quarto lugar apresentando um bom futebol. Mas naquele momento a situação era outra. Os italianos estavam abalados com tantas descobertas de manipulação de resultados, visto que sete clubes foram punidos, Milan e Lazio foram rebaixados para a Serie B e alguns jogadores foram detidos ou intimados a depor, entre eles Paolo Rossi, que nem poderia imaginar que seria artilheiro da Copa e carrasco do Brasil.

Porém, mesmo com tantas adversidades no caminho e depois de passar por uma primeira fase onde os empates reinaram (foram 0 a 0 contra a Polônia, 1 a 1 contra o Peru e 1 a 1 contra Camarões), a Itália se classificou apenas no quesito gols marcados. Ainda abalados com a campanha regular da primeira fase, os italianos caíram no Grupo 3 na segunda fase do Mundial ao lado da Argentina, de Maradona, que foi campeã da Copa de 1978, e o temido Brasil, de Zico, Falcão, Toninho Cerezo, Éder, Leandro, Júnior, Serginho e Sócrates.

Com a desconfiança dos torcedores, a Itália se superou e mostrou um futebol totalmente diferente da primeira fase: mais aguerrido, mas técnico, mas eficiente, sem erros. Além disso, o maior craque do time argentino, Maradona, foi muito bem anulado por defensor Gentile. Com gols de Tardelli e Cabrini, a Itália conquistou uma importante vitória. E, com a vitória do Brasil por 3 a 1 para cima da Argentina, a decisão pela vaga nas semifinais seria entre brasileiros e italianos.

Mais um encontro entre Brasil e Itália em Copas. Era o primeiro jogo desde a decisão do terceiro lugar de 1978, vencida pelo Brasil. Os brasileiros estavam confiantes, pois tinham um craque em cada posição do esquema tático. Os italianos queriam a vingança pelos revezes na Copa de 1970 e 1978. O jogo começou, e logo aos cinco minutos Rossi abriu o placar, mas sete minutos depois Sócrates empatou para o Brasil. Aos 25, Rossi marcou o segundo dele no jogo: 2 a 1. Já na segunda etapa, Falcão marcou um golaço e empatou a partida novamente. Porém o dia era de Paolo Rossi, que marcou aos 75, decretando a eliminação do Brasil e o avanço da Itália rumo às semifinais.

Com uma defesa magistral, montada pelo goleiro Dino Zoff, o líbero resposável pela qualidade de saída de bola da equipe, Gaetano Scirea, os zagueiro Fulvio Collovati, Claudio Gentile e Giuseppe Bergomi, e o lateral-esquerdo Antonio Cabrini, a Itália bateu a Polônia com mais um show à parte de Paolo Rossi, que marcou dois gols, os dois gols da vitória italiana, e chegou à final para bater a Alemanha por 3 a 1, com gols de Rossi, Tardelli e Altobelli; Breitner descontou para os alemães.

Era coroada uma equipe que chegou desacreditada à Espanha, mas que saia campeã do mundo depois de tanta desconfiança. Assim com uma verdadeira equipe, os defensores, os meio-campistas e os atacantes foram extremamente importantes para a Itália conquistar a Copa do Mundo de 1982.

Copa de 2006: heróis do tetracampeonato estavam na defesa

A Itália conquistou a Copa do Mundo de 2006 com o coração, com raça e com alguns lampejos de técnica. Impossível não se lembrar do gol épico de Fabio Grosso contra a Alemanha no último minuto da prorrogação da semifinal que levou os italianos à final. Ou como não se recordar da frieza de Francesco Totti ao cobrar o pênalti decisivo contra a Austrália nas oitavas de final? E como não ficar de queixo caindo ao ver o entrosamento mágico da defesa italiana, formada por Buffon, Zambrotta, Nesta (Materazzi), Cannavaro e Grosso?

Ah... essa defesa italiana. Sem dúvidas, aquela foi uma das melhores de toda a história. Com um Gianluigi Buffon que fora vazado apenas duas vezes em todo o Mundial, um ágil Gianluca Zambrotta que defendia e apoiava com a mesma eficiência, um Alessandro Nesta que, embora tenha lesionado a virilha logo na fase de grupos, dispensa comentários, um monstro defensivo chamado Fabio Cannavaro que foi um dos melhores jogadores da Copa – além de ter conquistado o prêmio de melhor jogador do mundo da Fifa em 2006 –, e um Fabio Grosso que era uma arma surpresa quando ia à frente, pois apoiava muito bem e finalizava com extrema categoria para um lateral-esquerdo. Além desses cinco, é sempre bom lembrar de Marco Materazzi, o jogador que causou mais polêmica naquela Copa (marcou dois gols decisivos, foi expulso, provocou Zidane, entre outras pérolas que todo “bad boy” precisa para se destacar).

Jogando em 4-4-1-1 imposto por Marcelo Lippi, o sistema defensivo da Squadra Azzura foi fundamental para que jogadores como Totti, Luca Toni e Del Piero brilhassem na frente, fazendo, assim, com que a Itália batesse candidatos diretos ao título e conquistasse o Mundial de 2006 em cima da França de Zinédine Zidane e Thierry Henry, quebrando um jejum de 24 anos sem conquistar um título.

Base da Azzurra, defesa da Juventus é soberana na Serie A, mas peca nos torneios continentais

Para a Copa de 2014, a defesa titular da Azzurra é formada apenas por jogadores da Juventus. No Campeonato Italiano, a defesa juventina funcionou muito bem, terminando a competição como o time menos vazado da competição com 23 gols sofridos em 38 jogos disputados (a Roma foi a segunda zaga menos vazada, com 25). Entretanto, como nada neste mundo é perfeito, o trio formado por Giorgio Chiellini, Leonardo Bonucci e Andrea Barzagli deixou muito a desejar nos torneios continentais que a equipe disputou na última temporada, ficando muito aquém do desempenho da Serie A.

Embora um jogador do tridente defensivo (Barzagli) tenha perdido vários jogos da temporada por causa de lesão, a defesa da Juventus não joga tão bem nas competições europeias da mesma maneira que atua na Serie A. Ficando no terceiro lugar de seu grupo na Uefa Champions League depois de perder a classificação para as oitavas de final de forma drástica pelo Galatasaray, da Turquia, a Vecchia Signora, que no momento já estava isolada na liderança do Campeonato Italiano, foi jogar a Uefa Europa League a fim de tentar quebrar o jejum de 14 anos sem conquistar um título continental (o último veio em 1999 com a Copa Intertoto da Uefa). Mas novamente os bianconeri não tiveram sorte e foram eliminados na semifinal dentro de seu próprio estádio para o Benfica, que viria a perder o título nos pênaltis para o Sevilla.

Provavelmente, Cesare Prandelli deverá utilizar o esquema tático 4-3-2-1 na Copa, fazendo, portanto, com que Barzagli fique no banco ao lado de Gabriel PallettaAndrea Ranocchia, da Internazionale, foi cortado pelo treinador italiano antes da viagem ao Brasil. Agora, resta saber se a zaga que virá à Copa será a soberana e impoluta do Campeonato Italiano ou a frágil e irreconhecível dos torneios continentais.

Assim como em tempos de outrora, os estrangeiros estão em falta; apenas três virão à Copa

Tradicionalmente, a Itália sempre contou com a maioria dos seus jogadores vindo de times locais. Não havia, por exemplo, um jogador italiano sequer que defendesse um clube fora da Itália no elenco que conquistou a Copa do Mundo em 2006. Agora, em 2014, não é diferente. Apenas três jogadores convocados por Prandelli não jogam no Belpaese: o goleiro Salvatore Sirigu e os meio-campistas Marco Verratti e Thiago Motta, todos do Paris Saint-Germain, da França.

Entretanto, os principais destaques da Serie A na última temporada são estrangeiros. Na campeã italiana Juventus, tivemos como estrela a revelação do campeonato Paul Pogba, francês que deixou o Manchester United em julho de 2012 para deslumbrar seu futebol mágico pelos gramados do Juventus Stadium. Além de Pogba, a Vecchia Signora também tem como destaque o chileno Arturo Vidal, que chegou à equipe em 2011 vindo do Bayer Leverkusen por € 10,5 milhões e se tornou um dos pilares do meio-campo juventino. O argentino Carlos Tévez, que chegou na última temporada e foi um dos jogadores mais importantes do elenco na conquista do 30º Scudetto dos bianconeri – foi vice-artilheiro da Serie A, com 19 gols marcados – ao lado do espanhol Fernando Llorente, que demorou para se adaptar ao estilo de jogo italiano, mas desandou a marcar gols na reta final do campeonato 2013-14.

Na Roma, também há jogadores estrangeiros que foram destaques na última temporada. O primeiro destaque é o zagueiro marroquino Mehdi Benatia, principal nome da defesa giallorossa durante todo o campeonato e foi eleito por vários especialistas como o melhor zagueiro da Serie A 2013-14. O segundo destaque é o meio-campista holandês Kevin Strootman. Vindo do PSV no começo da última temporada, o meia deu consistência ao meio de campo da Roma ao lado De Rossi e Pjanic para retornar com a Lupi à próxima edição da Champions League. O outro protagonista é o bósnio Miralem Pjanic, que, atuando como um mezzala, comandou seu setor no meio e criou várias oportunidades de gols para os atacantes.

Por fim, os estrangeiros do Napoli, concentrados todos do meio para frente, levaram o time de Nápoles a conquistar a Coppa Italia em cima da Fiorentina e um terceiro lugar na Serie A, conquistando, assim, uma vaga nos playoffs da Champions League de 2014/2015. O primeiro grande destaque é Gonzalo Higuaín, que chegou do Real Madrid para suprir a perda de Edinson Cavani para o PSG e se tornou um ídolo dos torcedores partenopei muito rápido e tem tudo para fazer história no time napolitano à lá Maradona. Na última temporada, o atacante argentino marcou 24 gols em 46 partidas disputadas com a camisa do Napoli. O segundo é um velho conhecido da torcida napolitana: Marek Hamsík. O eslovaco está no Napoli desde 2007, quando foi adquirido por € 5,5 milhões junto ao Brescia, da Serie B. Há sete anos no clube napolitano, Hamsík ganhou a confiança dos torcedores e na última temporada se tornou o capitão da equipe. Pelos flancos temos o espanhol José Callejón e o belga Dries Mertens, que também deram muitas alegrias à torcida e tendem a vir com tudo para 2014-15.

Principal esperança da Azzurra, Balotelli não vive grande fase no Milan

Após serem eliminados pela Espanha na Copa das Confederações de 2013, os italianos chegarão ao Brasil liderados pelo polêmico e controverso atacante do Milan, Mario Balotelli, que não realiza uma atuação plausível com a maglia azzurra desde a Eurocopa de 2012, quando foi decisivo durante o torneio e, sobretudo, na semifinal contra a Alemanha, quando marcou dois gols e levou os azzurri à final contra a Espanha.

De lá para cá, o camisa 45 do Milan pouco brilhou quando a Itália mais o solicitou. Um exemplo evidente de sua decadência na temporada 2013-14 foram as partidas das Eliminatórias da Copa do Mundo, no qual Balotelli marcou cinco gols (sendo dois deles de pênalti) em 10 partidas disputadas. Além do mais, no Milan, Balotelli ficou muito aquém de sua primeira temporada no clube e marcou apenas 14 gols em 38 partidas. Média de gols muito baixa para quem é o camisa nove de sua seleção nacional, levando em consideração que os artilheiros da Serie A 2013-14, Ciro Immobile, do Torino, e Luca Toni, do Hellas Verona, marcaram 22 gols cada um – este último, aliás, não foi convocado nem para a lista de suplentes.

Porém, caso ‘Super Mario’ continue a não jogar bem, Prandelli poderá optar por outras quatro opções: Ciro Immobile, Lorenzo Insigne, Alessio Cerci e Antonio Cassano. Em tese, Immobile realiza em campo a mesma função de Balotelli, mas há a possibilidade de o novo jogador do Borussia Dortmund jogar pelas pontas, quem sabe em um 4-3-3. Outro jogador que poderia substituir Balo era Giuseppe Rossi, já que faz a mesma função dele em campo, porém Prandelli o cortou da lista após o amistoso contra a Irlanda. Insigne, Cerci e Cassano são jogadores com características mais distintas do que a de Balotelli, visto que Insigne e Cerci caem mais pelos flancos, enquanto Cassano é mais um trequartista que pode jogar como um segundo atacante.

Em síntese, caso Prandelli queira mudar, Immobile é o substituto mais preparado para substituir Mario Balotelli no Mundial, enquanto Cerci e Insigne são opções para impor correria pelos flancos. Cassano, por sua vez, tentará uma vaga como o articulador da equipe ou segundo atacante, uma vez que Prandelli deve fazer algumas variações táticas (4-3-2-1, 4-3-1-2, 3-5-2 e 4-1-3-2) no decorrer das partidas.