Apesar da pouca reputação da liga nacional, da quase nula experiência internacional e dos gravíssimos problemas sociais e econômicos, Honduras chega com moral à terceira Copa do Mundo de sua história – a segunda consecutiva. Após passar várias décadas na obscuridade, a passos lentos a seleção da América Central começa a figurar como uma das mais promissoras equipes da Concacaf, numa trajetória ascendente que começou em meados em 1980, quando conquistou a classificação para seu primeiro Mundial. Naquela década, o futebol deu um de seus mais importantes passos na direção da profissionalização – coincidindo com um período de suma importância fora das quatro linhas.

O futebol hondurenho é um reflexo da condição social do país e os avanços dentro dos gramados geralmente correspondem às alterações da sociedade fora dele. Foi na década de 80 que o país conheceu o primeiro presidente eleito democraticamente e iniciou sua lenta abertura para a democracia, superando quase cem anos de um opressor governo militar, marcado por sucessivos Golpes de Estado que imortalizavam o poder nas mãos dos generais. Curiosamente, este foi o mesmo período que marcou o início do crescimento futebolístico.

O futebol chegou ao país durante o regime militar, no início do século passado, e a liga nacional sofreu com uma estagnação administrativa e organizacional que durou quase cinquenta anos. Os organismos vinculados à Fifa, responsáveis por regulamentar o futebol no país, foram criados em 1964, junto com um novo campeonato. Entretanto, a má gestão financeira e a ausência de um planejamento fizeram com que o futebol seguisse caminhos tortuosos no país por mais uma década.

Crescimento insuficiente para estruturar financeiramente a Liga

Apesar das poucas realizações do futebol hondurenho, o fim da ditadura militar permitiu maior liberdade para o futebol, e alguns atletas do país conseguiram se destacar em clubes estrangeiros, sobretudo na Espanha, em equipes como Deportivo La Coruña e o Valladolid, devido à próxima relação futebolística entre colônia e colonizadores. Exemplo desta proximidade é o Real España, único clube situado fora da Espanha e reconhecido pela Coroa.

Os atletas que permaneceram no país continuavam observando a lenta estruturação da Liga Nacional, que não consegue gerar dinheiro o suficiente para a manutenção efetiva dos clubes. A maioria das equipes hondurenhas, mesmo as mais tradicionais, sofre com situações financeiras instáveis e tem valor de mercado insignificante. No geral, jogadores hondurenhos possuem valor baixíssimo – exceção para os que atuam fora do país – e a liga não tem grande visibilidade no cenário continental, apesar de atrair a presença de alguns poucos sul-americanos.

A principal receita gerada pelo futebol na Liga Nacional de Honduras é a exportação de jogadores. Hoje, existem atletas que se firmaram grandes ligas e possuem maior valor de mercado.

Jogadores de Honduras com maior valor de mercado

Atleta

Clube

Valor (libras)

Emílio Izaguirre

Celtic (ESC)

3,75 milhões

Maynor Figueroa

Hull City (ING)

3,52 milhões

Andy Najar

Anderlecht (BEL)

1,75 milhões

Wilson Palacios

Stoke City (ING)

1,32 milhões

Roger Espinoza

Sporting Kansas City (EUA)

1,14 milhões

Os cinco atletas mais valiosos do país não jogam na Liga Nacional e a diferença de valores é gritante: estes cinco, que atuam no futebol europeu e norte-americano, correspondem à cerca de metade do valor de mercado da seleção que disputará a Copa do Mundo no Brasil, avaliada em aproximadamente R$79,5 milhões.

Hondurenhos se destacam em grandes ligas

Atualmente, a exportação de jogadores é uma realidade. A Major League Soccer é o principal destino dos hondurenhos que abandonam seu país natal, mas o crescimento da liga norte-americana a torna uma vitrine para o futebol europeu, que também é cada vez mais povoado por hondurenhos, mesmo nas ligas de maior expressão, como a Premier League inglesa.

O fenômeno de jogadores de Honduras na Europa é recente. O primeiro caso foi a transferência do lateral-esquerdo Maynor Figueroa em 2008, que se transferiu do Olimpia diretamente para o Wigan Athletic. Primeiramente, por meio de um contrato de empréstimo com um ano de duração. Neste tempo, o desempenho agradou aos dirigentes da equipe inglesa, que comprou os direitos federativos do jogador. Maynor continuou no Wigan até 2013 e atualmente defende as cores do Hull City, também da Inglaterra.

Depois foi a vez de Wilson Palacios - volante e companheiro de Figueroa no Olimpia - acertar sua transferência também por empréstimo para o futebol inglês. O Birmingham City foi o destino do jogador, onde ficou por meia temporada. Na segunda metade do ano, o Wigan também comprou o jogador e o empregou até a temporada 2008-2009. Em janeiro daquele ano, o Tottenham Hotspur anunciou a contratação do jogador pelo valor de 12 milhões de libras. Palacios permaneceu até 2011 e em seguida foi negociado com o Stoke City, seu atual clube.

Anos depois, o Wigan investiu em mais um jogador hondurenho: o volante Roger Espinoza, que se mudou para os Estados Unidos aos 12 anos de idade e não possui passagem pelo futebol hondurenho. O clube o contratou junto ao Sporting Kansas City após conquistar a Open Cup 2012, equivalente à Copa dos EUA. Na Inglaterra, Espinoza repetiu o sucesso e, no ano seguinte, conquistou a FA CUP atuando pelo Wigan.

Andy Najar é outro que seguiu o mesmo caminho de Espinoza ao sair da MLS para a Europa. O volante, que tem nacionalidade hondurenha e estadunidense, saiu de seu país natal quando ainda era uma criança, atravessando a fronteira ilegalmente em busca dos pais que tentaram a vida nos Estados Unidos. Treinando por conta própria, Najar atraiu a atenção do DC United, que o acolheu em suas categorias de base e posteriormente o lançou entre os profissionais. Sua atuação na Major League lhe rendeu o prêmio individual de Rookie of the Year – o de melhor estreante do ano. Em 2013, o Anderlecht da Bélgica adquiriu os direitos do jogador, um rosto novo na Seleção Nacional.

Na Escócia, mais um volante: Arnold Peralta, que jogou por quatro anos no tradicional Vida (HON). Acertou sua transferência para o Glasgow Rangers em 2013 e fez história pelo clube: Peralta fez parte do grupo que terminou a temporada de forma invicta, fato que não acontecia há mais de 100 anos no país. Honduras também tem um representante entre os rivais do Celtic: o zagueiro Emilio Izaguirre, que deixou o Motagua em 2010 e tornou-se rapidamente peça fundamental do esquema defensivo da equipe.

Carlo Costly, atacante que atua pelo time chinês Guizhou Zhicheng, é outro hondurenho que disputa uma liga estrangeira. O atleta foi dispensado pelo Houston Dynamo na MLS e é um dos principais artilheiros da seleção nacional.

Atualmente, quatro hondurenhos de destaque na seleção nacional disputam a MLS: Boniek García, Jerry Bengtson, Víctor Bernárdez e Marvin Chávez.

Los Catrachos contam com cada vez mais jogadores atuando fora de seu país de origem. Em 1982, foram apenas dois jogadores atuando em equipes estrangeiras; na participação seguinte, em 2010, foram nove 'estrangeiros' e em 2014 este número cresceu para 15 atletas.

Ainda inexperiente, Honduras tenta se firmar no cenário latino-americano

Apesar de existir desde o início da década de 20, La Bicolor viu suas glórias surgirem apenas a partir da década de 80 e a boa fase permanece até hoje. Por cerca de 60 anos, o futebol engatinhou e foi tratado com certo amadorismo pela confederação local. Mas uma reestruturação garantiu a assistência necessária à Seleção, que aos poucos começou a mostrar sua força, acumulando participações de destaque em competições continentais, mesmo sendo incapaz de se destacar nas Copas do Mundo em que participou.

O primeiro grande sucesso hondurenho foi a Copa Ouro da Concacaf em 1981, onde venceu sendo país-sede e conquistou o primeiro título da sua história, deixando para trás fortes seleções como México e Estados Unidos. Os vice-campeões foram El Salvador, outro país da América Central, que junto com os donos da casa classificaram-se para a Copa do Mundo de 1982, feito bastante comemorado.

Entretanto, a campanha naquele mundial foi decepcionante. Honduras foi sorteada em um grupo no qual participavam Irlanda do Norte, Espanha e Iugoslávia, e terminou eliminada na primeira fase. Los H conseguiram empates em 1 a 1 contra Espanha e Irlanda, mas foram derrotados pela Iugoslávia por 1 a 0 e se despediram da competição na última colocação de seu grupo.

Os atletas não se deixaram abater pelo fiasco na primeira Copa do Mundo da história do país e, três anos depois, foram vice-campeões da Copa Ouro – outro vice aconteceu em 1991. A década de 90, aliás, mostrou-se a mais frutífera para a Seleção Hondurenha em termos de títulos. Foram dois títulos na Copa das Nações da Concacaf, em 1993 e 1995 e dois títulos dos Jogos da América Central, em 1990 e 1994.

Na virada da década houve a destacada participação na Copa América de 2001, um divisor de águas para o futebol hondurenho, visto como um marco para o início do período de maior força da seleção. Honduras participou daquela competição como convidada para substituir a Argentina e acabou sendo uma grande zebra no torneio.

Na primeira fase, classificou-se em segundo lugar no grupo C, composto por Costa Rica, Uruguai e Bolivia. Na rodada seguinte, encarou a Seleção Brasileira, e logo imaginou-se uma fácil vitória Canarinho. Entretanto, Saul Martínez marcou duas vezes no Estádio Palograndes e mandou os brasileiros de volta pra casa mais cedo. Nas semifinais, acabaram eliminados pela Colômbia, mas o fato de ter chegado à terceira colocação é motivo de honra para os hondurenhos, quase como se fosse um título.

O país não participou das eliminatórias da Concacaf em 2006 e teve a nova chance de disputar a Copa do Mundo em 2010. Na ocasião, classificou-se como terceira colocada nas eliminatórias. Mas após a chegada do mundial, um novo fracasso: última colocação no Grupo H, composto por Espanha, Chile e Suiça. Foram um empate e duas derrotas, que sacramentaram o fim do sonho.

2014 é visto como a chance de deixar o passado para trás e conseguir passar da primeira fase, apostando na “geração estrangeira” que tem se destacado na Europa e MLS. Nas eliminatórias, classificaram-se novamente na terceira colocação, atrás de Estados Unidos e Costa Rica. No Grupo E, terá a companhia de Suiça, Equador e França. Sem grandes pretensões, Honduras espera finalmente surpreender, assim como fez na Copa América de 2001.

Desde 1993, Honduras sempre esteve crescente no ranking Fifa, ou pelo menos manteve posição estável. A passagem dos anos 90 para os 2000 representou o período de maior crescimento, e os recentes sucessos nas competições da Concacaf e nas eliminatórias da Copa colocam a seleção hondurenha pela primeira vez na história entre as 30 melhores do mundo. Atualmente, Honduras ocupa a 30ª posição do ranking, tendo subido treze posições desde o início do ano.

Clubes que mais cederam jogadores

Poucos clubes cederam jogadores à seleção nacional, evidência do desequilíbrio da liga. Com o passar dos anos, a tendência é a da diminuição de representantes da própria Liga Nacional na seleção, devido aos problemas financeiros do país. Até o momento, 26 jogadores que atuam por equipes estrangeiras foram convocados por Honduras em Copas do Mundo.

Universidad 3 jogadores
Real España 8 jogadores
Olimpia 13 jogadores
Motagua 9 jogadores
Platense 3 jogadores
Marathón 4 jogadores
Vida 2 jogadores

Hondurenhos são maioria, mas sul-americanos também têm oportunidades

A Liga Nacional é composta em sua esmagadora maioria por atletas hondurenhos, embora, ao longo dos anos, alguns atletas estrangeiros tenham se destacado, como é o caso do colombiano Mauricio Copete, artilheiro na temporada 11/12 jogando pelo Victoria e dividindo a artilharia com o uruguaio Óscar Torlacoff. Um ano antes, outro uruguaio brilhou: Claudio Cardozo, do Marathon, autor de 15 gols e considerado o melhor marcador do campeonato.

Dentre os hondurenhos, se destaca o veterano Juan Manuel Cárcamo, de 40 anos, atual atacante do Real Sociedad. O atacante é o terceiro maior artilheiro da história da Liga Nacional, atrás apenas do também hondurenho Wilmer Velásquez, já aposentado, e do brasileiro Denilson Costa, que também já abandonou os gramados e teve uma grande história no futebol hondurenho, tendo passado pelos principais clubes de Honduras.

Apesar de os brasileiros serem minoria, existe uma relação entre futebol brasileiro e hondurenho: Flávio Ortega foi artilheiro no país em 1969, e em 2006 alcançou o cargo de treinador da equipe, mas faleceu no ano seguinte. Luciano Emilio jogou em Honduras entre 2002 e 2006 e foi artilheiro de quatro competições diferentes.

Forte investimento privado

Apesar da crise econômica, o esporte ainda parece ser alvo de grande interesse dos empresários hondurenhos. Os quatro principais clubes do país – Olimpia, Motágua, Real España e Marathón – são geridos e bancados quase que completamente por capital privado, embora não haja injeção de dinheiro como em outros clubes, como o Manchester City (ING) e PSG (FRA), por exemplo.

O Olimpia, por exemplo, é presidido por Rafael Ferrari, empresário bem-sucedido do ramo de comunicação. Além de presidente do clube mais tradicional do país, o economista é dono dos grupos Televicientro e Emissoras Unidas, principais grupos de mídia no país. Sob seu comando, estão nove emissoras de TV e prestadoras de serviço de internet, além de onze emissoras de rádio. Mesmo ostentando tanto poder sobre os meios de comunicação do país, o Olimpia é um dos clubes que sofre com a crise econômica.

O presidente do Motagua possui empreendimentos mais “humildes”. O empresário hondurenho Pedro Atala comanda o time junto de seu primo Javier Atala e é dono da Camosa, distribuidora das bebidas John Deere em Honduras. O empresário tem uma ligação antiga com o futebol por ser filho de Pedro Atala Simón, ídolo do Motagua e ex-dirigente da Seleção Hondurenha de Futebol, na década de 80.

O Marathon, que no ano passado foi um dos mais afetados pela crise financeira, possui em seu comando Yankel Rosenthal, membro de uma das famílias mais influentes no país, dona do Grupo Continental, conglomerado que envolve serviços variados, como bancos, uma emissora de televisão, uma refinaria de açúcar e uma exportadora de pele de crocodilos. Até mesmo membros do Poder Público de Honduras se envolveram com o clube da cidade de San Pedro Sula. Arturo Bendaña foi vice-presidente da equipe durante o período de 2009 a 2011, acumulando a função de ministro da saúde do país. Atualmente, responde a acusações por irregularidades no Instituto Hondureño de Seguridad Social e, por decisão judicial, foi proibido de sair de Honduras.

O poder social do futebol

Apesar das cifras mínimas geradas, o futebol assume uma importante função de economia social. O esporte mais praticado no país é uma importante fonte de renda para diversas famílias hondurenhas, por meio dos empregos indiretos capaz de gerar renda por meio da transmissão esportiva ou com a venda de ingressos e demais funções desempenhadas nos estádios de todo o país.

A presença de Honduras na Copa do Mundo de 2010 foi tratada com extrema cautela, justamente devido à grande relevância do futebol diante da população hondurenha. José “Chelato” de la Paz Herrera, treinador da seleção em 1982, afirmou que "o grande unificador do país é o futebol”.

O futebol ainda é importante para ajudar a eliminar a violência do país, que sofre com altas taxas de homicídios e tem sua capital Tegucigalpa como a cidade mais violenta do mundo. O futebol é uma alternativa às gangues, comuns no país, e oferecem outra realidade às crianças da região.

Na última semana, Roger Espinoza e Víctor Bernardez deram depoimentos pessoais sobre a violência em seu país natal. Espinoza teve seu irmão mais velho morto em decorrência da violência e Bernardez citou que, na infância, teve a chance de escolher entre o futebol e a vida do crime.

A "Guerra do futebol": o esporte em destaque no contexto social da América

Em 1969, o futebol foi usado como pretexto para um conflito armado entre Honduras e El Salvador – por mais absurda que a ideia possa parecer nos dias de hoje. Oficialmente chamado de “Guerra das cem horas”, o confronto ficou mais conhecido pela alcunha de “Guerra do Futebol”, devido à partidas de futebol decisivas entre as duas equipes pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1970.

As verdadeiras causas da guerra são explicadas ainda no início da década, quando a população de El Salvador cresceu exponencialmente e não havia campos de trabalho o suficiente para todos. Isso motivou uma migração em massa para a vizinha Honduras. No novo país não encontraram diferenças étnicas ou culturais, mas sofreram com a pressão do governo local: em 1962, foi instaurada uma lei que proibia imigrantes de fazer uso das terras, criando uma rivalidade até então inexistente entre as duas nações.

Em meio às crises políticas envolvendo os dois países, Honduras e El Salvador se encontraram nas semifinais das eliminatórias da Copa do Mundo em 1969 e disputaram três jogos. O primeiro foi disputado em Tegucigalpa, já em clima de guerra, e Honduras venceu por 1 a 0. Uma torcedora salvadorenha, que assistia ao jogo em casa, suicidou-se após a derrota de sua seleção, o que acirrou ainda mais a rivalidade e criou um clima de ódio entre os dois países.

O jogo de volta foi disputado em El Salvador. Os atletas hondurenhos foram recepcionados com ovos podres, pedras e ratos mortos no hotel, e precisaram usar carros blindados para se locomover até o estádio. Antes do início da partida, o hino nacional de Honduras foi vaiado pelos torcedores e, ao invés da bandeira do país inimigo, foi erguido apenas um pano velho.

Honduras foi derrotada por 3 a 0 e nas ruas, 150 carros de torcedores hondurenhos foram queimados e dois torcedores perderam suas vidas. Momentos depois, a fronteira entre os países foi fechada.

Foi realizada uma terceira partida, em campo neutro, onde El Salvador garantiu uma vaga na final das Eliminatórias após uma vitória por 3 a 2, mas o futebol já não era mais o centro das atenções. Paralelo ao jogo, diversos incidentes na fronteira marcaram os dois países, que em 14 de julho daquele ano – quase um mês depois do terceiro jogo – culminaram em um confronto armado.

El Salvador invadiu Honduras e os países permaneceram em confronto armado por 100 horas, até que a Organização dos Estados Americanos interveio para dar fim à guerra, que deixou um saldo de cerca de 6000 mortos.