Na última segunda-feira (30), a Fifa divulgou os nomes que concorrem aos prêmios anuais costumeiramente realizados pela entidade. Enquanto os candidatos à Bola de Ouro não causaram tanta discussão assim, o top 3 de treinadores pode ter surpreendido alguns.

Pep Guardiola é, sem dúvida alguma, um dos maiores técnicos da história e tem ideias incomparáveis com qualquer um dessa geração. Luis Enrique chegou a ser questionado no início do seu trabalho em terras barcelonistas, mas, aos poucos, vai calando um por um com títulos e boas performances. Jorge Sampaoli, porém, não é dos mais repercutidos pelo radar mundial. Ok, ele fez uma belíssima campanha com o Chile na Copa do Mundo e, não fosse a trave do Mineirão, poderia ter ido bem mais longe, mas é inegável que seus feitos ainda não são tão reconhecidos.

Para esclarecer determinados motivos que levaram tais nomes para o topo do futebol mundial em 2015, a VAVEL Brasil traz uma análise completa com as equipes de cada um sob um ponto de vista tático.

Luis Enrique, Barcelona

‘’Ele está se desfazendo dos princípios históricos do clube’’, ‘’Cruyff e Pep não aprovariam o trabalho de Lucho’’, ‘’o que são essas ligações diretas?’’ foram algumas das críticas feitas para o atual treinador dos culés em seus primeiros meses por lá. O tempo passou, a estratégia foi se estabilizando, títulos vieram e hoje em dia são poucos que questionam - ao menos de maneira intensa - o espanhol.

Mas então, quais foram as mudanças promovidas por ele? A começar pela mais radical: a alteração no ponto de foco nas construções das jogadas. Se por muito tempo associávamos de maneira automática o Barcelona com o meio de campo, agora é a vez do tridente ofensivo. É claro que muito se deve a qualidade individual em si dos próprios jogadores, todos de classe mundial e caminhando para a consolidação como o melhor ataque da história.

Por outro lado, os blaugranas sempre tiveram bons avantes e poucas vezes essas peças ficaram tão em evidência dentro do estilo de jogo. Se a alma do time era Xavi, agora é Lionel Messi. Se peças como Pedro Rodriguez eram usadas como artifícios para espaçar o adversário e dar espaço/tempo para os meias, agora são os homens de centro que praticam mecanismos desenvolvidos com a intenção de maximizar o potencial de Leo, Neymar e Suarez. O grande exemplo é dado pela função desempenhada por Ivan Rakitic, que vem dividindo opiniões desde sua chegada.

O croata pode não ser um craque com a bola nos pés, mas é o responsável por um dos movimentos mais importantes no desenrolar dos lances. Como supracitado, Messi é o dono da equipe e o esférico passa por ele mais do que nunca - mas não dá para confiar apenas no taco individual, apesar de estarmos falando de um dos maiores de todos. Um bloco médio e compacto consegue, mesmo que parcialmente, limitar suas ações. Aqui entra o camisa 4. É mais do que habitual vê-lo saindo da zona central e colando na linha lateral, dando amplitude e confundindo a marcação adversária para dar um respiro à Lionel.

Dani Alves também merece atenção nessa equação. O brasileiro, subestimado por muitos em seu país natal, elevou seu estilo de jogo para um nível espetacular e, quando preciso, soube agir como uma base estrutural para as jogadas. Enquanto Rakitic fazia a ultrapassagem diagonal e Messi partia com liberdade para onde bem quisesse, o lateral ocupava o halfspace a fim de agir como um escudo posicional e disponível a participar de todas as fases do jogo, parando contra-ataques ao lado de Busquets e dando passes agudos com a mesma eficiência. Isso faz parte de um counterpressing (a pressão pós-perda da posse) que não é tão consistente quanto outrora, mas ainda existe e rende frutos excepcionais para esse conjunto mais direto de Enrique.

*Halfspace: os dois espaços entre o centro do campo e as laterais. Oferece campo de visão privilegiado e uma marcação frágil para quem se posiciona neles. O termo vem do alemão Halbraum (tradução livre: metade do espaço/semi espaço) e vem sendo utilizado por treinadores importantes e em cursos da Federação Alemã.

Busi, como o meia/volante foi apelidado pelos espanhóis, foi peça chave no Barça desde 2008. Com um nome diferente no comando, porém, passou a utilizar ainda mais uma faceta subestimada (assim como todas as outras, né?) de seu jogo: a antecipação e a velocidade de pensamento acima do normal. Costumam dizer que o camisa 5 sabe o que o oponente vai fazer antes mesmo do próprio. Se antes seu QI futebolístico - e alta qualidade técnica - eram utilizados para direcionamento de ataques mais posicionais, com passes curtos e bem específicos, agora uma das cenas mais recorrentes nos jogos é aquela formada pelos lançamentos incisivos do jogador em conjunto com uma movimentação aguda do MSN.

A dupla de zaga também se especializou nisso. Ao lado do energético e agressivo Javier Mascherano, Piqué pratica cada vez mais a arte dos ‘’laser passes’’ - esses nada mais são do que bolas incisivas que quebrem uma, duas ou três linhas de marcação dos rivais. Pense em Jerome Boateng e Mats Hummels como exemplos se ainda está difícil de processar. O defensor espanhol também teve a frequência de suas ligações pelo alto elevadas por Lucho, sendo esse mecanismo utilizado de maneira excessiva na ausência de Messi. Os leitores que acompanharam os últimos 5-10 compromissos do time provavelmente notaram a alta quantidade de lançamentos longos para Neymar. Marca registrada do treinador catalão.

Podemos resumir assim: aquele losango formado pelo tridente central + Messi não existe mais. A espinha dorsal agora  é o ataque. O Barça de Luis Enrique é o da verticalidade, da mescla de ideologias e menos dogmático. Faz maior uso dos flancos e não tem ‘vergonha’ ao apelar para um jogo mais rústico quando preciso. Os jogadores de frente marcam mais de 90% dos gols da equipe e são extremamente dominantes. O conjunto é menos espetacular e complexo do que o Guardiolístico - a eficiência, porém, vem sendo tão boa quanto a dos tempos áureos de 2008-12.

Pep Guardiola, Bayern de Munique

É testamento de sua capacidade o fato de que um incontestável título alemão e uma semi-final de Champions League, isso acompanhado de placares e atuações inimagináveis, é considerado pela imprensa - e alguns torcedores - como insucesso. Após montar, moldar e aperfeiçoar a maior equipe dos últimos tempos lá no Camp Nou, Guardiola se elevou para um nível altíssimo e a expectativa para com ele é sempre a mais alta possível. No Bayern, convenhamos, ele vem fazendo bonito.

Algumas de suas ideias podem ter sido taxadas como meras ‘’invencionices’’ por muitos, mas o fato é que tudo isso levou à verdadeira máquina que podemos acompanhar em Munique. É difícil falar sobre um time base - o treinador não repetiu a escalação em seus últimos 99 jogos.

O principal objetivo de Pep, como foi desde o início de sua carreira, é conquistar superioridades. Seja esta numérica, qualitativa ou espacial. O conceito base de seu Jogo Posicional é o rompimento de linhas e a ascensão gradativa até chegar ao gol. Sempre ter um homem livre entre os setores do adversário, formando triângulos ou - idealmente - diamantes para que a circulação da bola seja a mais intrínseca e fluida possível. E é por isso que se engana quem resume o jogo do treinador ao simples ‘‘tiki-taka’’, o controle do esférico sem nenhum propósito. A posse extraordinária que estamos acostumados a ver - e leva a má interpretação do público -, como o mesmo costuma dizer, é consequência, não razão do seu estilo de jogo. Sua passagem pelo Bayern é o maior e melhor exemplo disso.

Enquanto no Barcelona praticamente 90% das jogadas eram criadas através da faixa central do campo, no time alemão as abordagens variam um pouco mais. E os flancos são usados com frequência - quando foram abdicados, os adversários souberam agredir (vide o próprio Barça, o Porto e etc). Naturalmente, a disposição de jogadores nas laterais são úteis por espaçar a marcação adversária e dar amplitude, mas agora mais gols são originados por lá. Douglas Costa é o grande exemplo disso - o brasileiro já atuou em diversas posições, mas costumeiramente aparece como um ponta clássico, rompedor de linhas, agudo e decisivo; seja com passes ou finalizações.

Algo interessante a se observar são as triangulações que acontecem em todas as partes do gramado, principalmente na esquerda. Conforme o ano se desenrolou, Ribery, Gotze, Bernat e até mesmo Rafinha chegaram a participar, mas com um plantel completo o habitual é ver o completíssimo David Alaba tabelando com o ex-Grêmio e  Thiago Alcântara - o controlador do ritmo do conjunto. O trio confunde a defesa adversária com rápida troca de passes e, sobretudo, uma coordenação nos movimentos; a regra é a de que nunca estejam na mesma linha - seja essa vertical ou horizontal. Assim, mais espaços são encontrados entre os marcadores e a circulação da bola ganha outra dimensão.

Pela direita, tal padrão não ocorre com tanta frequência devido à ênfase do lateral na ação como uma base estrutural e a tendência de Arjen Robben partir com o esférico dominado sem envolver, diretamente, tantos companheiros.

Embora o foco ainda seja no passe de curta distância, a bola longa é tida como recurso importante. Por cima, o principal distribuidor é Xabi Alonso, atuando nos moldes de Andrea Pirlo com suas inversões de jogo e a busca pela referência no ataque, tendo como maior alvo Robert Lewandowski. Pelo chão, o zagueiro completo Jerome Boateng tem o papel de, com apenas um passe, quebrar linhas de pressão adversárias e possibilitar a jogada do terceiro homem - enquanto um faz o pivô, outro vem por trás e sai com a bola limpa, um campo de visão privilegiado e um número menor de oponentes pela frente. Arturo Vidal é mestre em aproveitar tal cenário.

Sendo um dos grandes precursores do uso mais organizado a marcação alta e o counterpressing, muitos dos desarmes acontecem no próprio campo ofensivo. Quando tal método não é executado com sucesso, porém, a equipe ainda pode ser pega no contragolpe - Pep certamente sente muita falta de Busquets. Apesar de terem suas qualidades técnicas, Xabi, Thiago, Vidal & cia não conseguem cobrir tanto campo sem a bola. Se o adversário prefere não atacar com grande velocidade e toma o controle passivo da bola, os alemães se compactam em uma espécie de 451 (ou até mesmo um 541, com o pivote - o ‘’volante’’ - entre os zagueiros) em certos momentos da partida e em outros se alinha em um 442, com Robben/Costa ao lado de Lewandowski na função que desempenhou na Copa do Mundo e saindo no mano a mano em caso de uma transição ofensiva veloz.

O setor ofensivo também é um poço de movimentação, criação e exploração de espaços. Uma das fórmulas mais comuns é a combinação dos movimentos mais ortodoxos de Lewandowski, prendendo geralmente dois zagueiros pelo centro e e o pânico que uma corrida aguda de Costa causa no lateral que o enfrenta para abrir lacunas a serem exploradas por Thomas Müller, provavelmente o melhor jogador do mundo para tal função. A denominação do atacante como ‘raumdeuter’ (investigador de espaço, em alemão) é justíssima; com a posse, passa longe de ser destaque, enquanto sem ela consegue ler o jogo como poucos. O centroavante polonês, por sua vez, não chama atenção por apenas um atributo, mas sim a produtividade - seja criando com passes diretos, fazendo o pivô para o avanço de um companheiro ou o instinto matador na frente do gol.

Jorge Sampaoli, Chile

Por Emanuel Ferreira

Conhecido como um dos mais fervorosos discípulos de seu compatriota Marcelo Bielsa, o técnico argentino Jorge Sampaoli assumiu o comando da seleção Chilena em 2012, após uma passagem vitoriosa pela Universidad de Chile.

Tendo a responsabilidade de levar La Roja à Copa do Mundo de 2014, e agora com mais destaque internacional, Sampaoli começou a mostrar ao mundo sua filosofia futebolística peculiar. Seus times costumam ir a campo com uma mentalidade extremamente ofensiva, e se pudéssemos resumir o comportamento tático deles em uma palavra, ela com certeza seria “intensidade”.

‘Don Sampa’ escala seus comandados de forma que ocupem áreas bastante avançadas do campo, sufocando os adversários por meio de uma pressão muito intensa, que ao mesmo tempo funciona como estratégia defensiva (já que a esférica tende a se manter distante das traves chilenas). Os jogadores de frente, como Alexis Sanchez e Eduardo Vargas, costumam ser os protagonistas dessa estratégia, mas o suporte dos meio campistas - destaque para Vidal e Aranguiz - e laterais é essencial para que a bola seja recuperada com rapidez, dando sequência aos ataques incisivos.

Quando o Chile tem a posse da bola (seja na defesa ou em áreas centrais do campo) compactação e proximidade dos atletas são peças chave para que a transição seja feita da maneira que Jorge gosta, ou seja, com toques curtos e verticais. Essa alternativa ‘terrestre’ de avanço ofensivo é um muito legal de se ver, já que o time evita os famigerados ‘chutões’.

Os reflexos de todo esse pensamento ofensivo de Sampaoli puderam, mais do que nunca, ser vistos na Copa América de 2015, onde a seleção chilena chegou a final depois de 28 anos, e se sagrou campeã do torneio com o maior número de gols marcados na competição.

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