Terminada a Uefa Euro 2016, as seleções europeias agora miram as Eliminatórias da Copa do Mundo de 2018. Detentor dos últimos três títulos mundiais, o Velho Continente deseja manter a recente hegemonia no Mundial a ser disputado em terras russas. Três das equipes nacionais mais badaladas do planeta tiveram de passar por uma mudança de planejamento. Foram os casos de Itália, Espanha e Inglaterra.

Giampiero Ventura quer lapidar jóias

Com a saída de Antonio Conte definida antes mesmo do início da Euro, a Azzurra não tardou em correr atrás do substituto. A missão de guiar o escrete tetracampeão mundial passou às mãos de Giampiero Ventura. O técnico de 68 anos tem uma carreira extensa. Nunca passou pela Trio de Ferro da Velha Bota ou pela dupla da Cidade Eterna, mas tem experiência de sobra na carreira. Já comandou 17 equipes, dentre elas Lecce, Cagliari, Sampdoria, Udinese, Napoli, Bari e o Torino, sendo este o seu último trabalho antes de alcançar o que certamente é o maior desafio de sua carreira.

Conforme já adiantamos, Ventura é conhecido na Itália por fazer bons trabalhos com elencos limitados e por desenvolver jovens talentos – os zagueiros Leonardo Bonucci e Andrea Ranocchia e o atacante Ciro Immobile são exemplos. E ele não abre mão da sua filosofia."Queremos trabalhar com jogadores jovens, já que eles são essenciais para o nosso futuro", destacou em sua coletiva de apresentação. "Mas nós temos que ser pacientes com eles", ressaltou.

Foto: Divulgação/Federação Italiana de Futebol
Foto: Divulgação/Federação Italiana de Futebol

Entre as opções especuladas para o posto deixado por Conte estavam Marcelo Lippi e Fabio Capello, veteranos que há tempos não emplacam bons trabalhos. Considerando a necessidade de modernizar o estilo de jogo, escolher alguém acostumado a formar bons jogadores faz muito mais sentido.

A atual geração de jogadores italianos deixou muitos fãs de futebol com a pulga atrás da orelha. Afinal, não é tão prestigiada quanto as gerações anteriores. E isso se reflete no campeonato nacional. A Serie A vem perdendo espaço na mídia para ligas como a Premier League e a Bundesliga, que experimentam um "boom" financeiro. Fora das fronteiras, Juventus e Napoli têm apresentado os resultados mais relevantes, mas ainda sem taças. Contudo, Conte justificou um ditado bastante conhecido pelos torcedores de longa data: "A Itália nunca está morta". Os jogadores demonstraram uma dedicação de encher os olhos às orientações do antigo treinador: marcação forte, preenchimento de espaços, ataques rápidos. E o novo técnico não hesitou em falar que tem um bom plantel em mãos. Por outro lado, manteve os pés no chão: disse que ainda há muito a ser feito e traçou a classificação à Copa do Mundo de 2018 como o maior objetivo.

"Eu quero agradecer a Antonio Conte, que deixou um time extremamente trabalhador", afirmou, mencionando seu antecessor. "A Eurocopa nos deixou conscientes de que, por meio de organização, consistência solidez, sacrifício e união podemos atingir objetivos importantes. Qualquer estilo de jogo, se for feito corretamente, dá certo. Se for feito errado, não dá. Quando você quer chegar a um resultado, você não pode confiar na individualidade ou na sorte. Todos devem se esforçar juntos", reforçou. A frase negritada é a essência do futebol nos dias de hoje.

Foto: Divulgação/Federação Italiana de Futebol
Foto: Divulgação/Federação Italiana de Futebol

Sobre quem pode ser aproveitado e quais ideias passam por sua mente, Giampiero Ventura deu algumas pistas: "Nós também temos muitos bons jogadores para jogar pelas pontas, como [Stephan] El Sharaawy[Giacomo] Bonaventura e outros. Usando o 3-5-2 [esquema tático que foi a essência da Era Conte], há uma possibilidade de prejudicarmos isso". Nem mesmo o polêmico atacante Mario Balotelli, que não vive boa fase na carreira por falta de foco e de disciplina, foi descartado: "Ele precisa jogar e ser profissional. Ninguém pode duvidar do seu talento".

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Em relação à escassez de títulos na sua carreira, tecla na qual os mais céticos tanto bateram, Ventura foi categórico: "É muito difícil fazer isso se você não treina um dos cinco melhores times da liga. Eu desafio qualquer um a fazer isso enquanto treinar Udinese, Sampdoria, Cagliari ou Torino. Se ganhar for levar jogadores adolescentes ou nos seus 20 e poucos anos à seleção ou ter um time que perdia 20 a 30 milhões de euros por temporada e em quatro anos você ter 150 milhões de euros de capital, então isso para mim significa alguma coisa".

O primeiro compromisso está agendado para o dia 1º de setembro. Será um amistoso contra a França em Bari. Nas Eliminatórias, a Itália caiu no Grupo G, onde terá uma rival de peso: a Espanha. Albânia, Israel, Macedônia e Liechtenstein completam a chave.

"Evolução, não revolução" é o lema de Julen Lopetegui

A principal concorrente da Itália por uma vaga direta na Copa na Rússia – os líderes dos oito grupos vão direto ao Mundial, e os sete melhores vice-líderes terão de passar pela temida repescagem, vale lembrar – também mudou de técnico. Depois de fazer história à frente da Fúria, com uma Eurocopa e uma Copa do Mundo conquistadas e um monstruoso aproveitamento de 76%, Vicente Del Bosque decidiu se aposentar. Seu lugar foi preenchido por Julen Lopetegui.

Pode-se dizer que o basco voltou à casa. Ele treinou as categorias de base da seleção espanhola entre 2010 e 2014. Nesse período, deixou um legado positivo, com os títulos da Eurocopa Sub-19 de 2012 e da Eurocopa Sub-21 de 2013. Considerando todas as partidas, teve aproveitamentos de 73% na Sub-19 e 100% (!) na Sub-21. Com a Sub-20, outro ótimo desempenho: 70% de aproveitamento.

Foto: Getty Images
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Em 2012, os grandes destaques foram JeséGerard Deulofeu e Paco Alcácer, todos eles de setor ofensivo e bastante conhecidos – mas ainda verdes, e que podem amadurecer com o próprio Lopetegui na seleção principal –, além de Saúl Ñíguez, um dos pilares do Atlético de Madrid do argentino Diego Simeone. Um ano depois, os holofotes ficaram sobre o goleiro David De Gea, os defensores Alberto MorenoMarc Bartra; os meias Asier IllarramendiIscoKoke e Thiago Alcântara; e o atacante Álvaro Morata. Todos os nomes também nos são muito familiares e, além disso, mais consolidados no futebol atual.

Sobretudo, Julen Lopetegui terá à disposição jogadores com os quais já teve a oportunidade de trabalhar. Isso pode facilitar bastante o entrosamento. No entanto, a pressão agora será muito maior. Metaforicamente falando, é como se um pastor guiasse suas ovelhas em um campo desconhecido.

Em sua apresentação à imprensa, o comandante fez um jogo de palavras. Afirmou que não pretende estabelecer uma revolução, mas sim instituir uma evolução: "A base da seleção é clara, há jogadores na sua plenitude", justificou.

Reconduzir a Roja ao caminho das vitórias é o objetivo do profissional de 49 anos. "O futebol espanhol continua com uma maravilhosa geração de jogadores. Vamos fazer de tudo para que o futebol espanhol volte a ser falado em todo o mundo com orgulho. Para isso, vamos levar em conta o que é melhor para a seleção, nomeadamente, rivalidades, estados de forma dos jogadores, mas sem fazer nenhuma revolução", comentou.

Foto: Getty Images
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No mês passado, falamos que a saída de Vicente Del Bosque pode ter sido motivada pela urgência por parte da Espanha de reinventar seu repertório em campo. Para Lopetegui, é possível tirar proveito das qualidades adquiridas na Era Del Bosque. Mas o ex-goleiro de Real Madrid, Logroñés, Barcelona e Rayo Vallecano ressaltou: "Estamos muito orgulhosos do passado, mas com os olhos voltados para o presente e o futuro. O futebol não para".

O treinador recordou sua passagem pelo FC Porto. Promissor, o trabalho até gerou frutos, com a presença nas quartas de final da Uefa Champions League 2014/15, mas terminou de maneira melancólica. Mesmo com o orçamento milionário de sempre, os Dragões não conquistaram títulos e viram o rival Benfica estabelecer uma hegemonia. O espanhol criou uma grande rivalidade com o técnico português Jorge Jesus – ex-Benfica e atualmente no Sporting –, deixou o elenco portista rachado e foi demitido na reta final da temporada 2015/16. O basco garante que essas situações contribuíram para o seu amadurecimento.

"Creio que a minha experiência no Porto, pela sua exigência, me trouxe muitas coisas. O Lopetegui de agora é diferente do que foi para Portugal. Sou dois anos mais velho, tenho mais experiência, e tudo isso vai me ajudar a tomar melhores decisões", atestou.

A estreia de Julen Lopetegui na área técnica da seleção principal da Espanha será diante da Bélgica, em Bruxelas, num jogo amistoso.

"Big Sam" e o emprego dos sonhos

Após o vexame contra a Islândia na Euro 2016, Roy Hodgson pediu para sair. Criou-se um mistério em torno do substituto. Quando a espera acabou, a reação foi a mais surpreendente possível. O novo coach da Inglaterra era ninguém mais ninguém menos que o icônico Samuel "Sam" Allardyce. Big Sam, como é carinhosamente chamado, livrara o Sunderland do rebaixamento na Premier League em 2015/16.

Foto: Reprodução/Twitter
Foto: Reprodução/Twitter

Sua carreira não tem títulos relevantes. Entretanto, o inglês já subiu de divisão com Notts County – da quarta à terceira –, Bolton e West Ham – estes últimos, da segunda à primeira – e manteve Blackburn e Sunderland na elite.

Em sua autobiografia, Allardyce conta que quase assumiu os Three Lions em 2006, logo após a Copa do Mundo. O motivo pela reviravolta na história é completamente aleatório: segundo o agora técnico da seleção campeã mundial de 1966, não havia computadores com Power Point na federação inglesa. Ele tinha preparado uma apresentação de slides com seu currículo e suas ideias para um eventual trabalho na equipe nacional.

E o cargo acabou ficando com Steve McClaren. Com ele, a Inglaterra não foi capaz de se classificar à Eurocopa de 2008.

Hoje, certamente com Power Point instalado nos computadores do prédio do carro-chefe do futebol inglês, Sam Allardyce vê um sonho sendo realizado. Ele tem noção das dificuldades as quais enfrentará, mas encara a situação com bom humor. Nada mais Allardyce do que isso. "Estar aqui é uma imensa emoção para mim. Eu acho que fico bem nesta cadeira", brincou, em sua apresentação como técnico da seleção, cargo o qual considera como "o melhor emprego do futebol inglês". "Este será o maior desafio da minha longa carreira e espero poder ser tão bem sucedido quanto fui no restante da carreira", avaliou.

Foto: Getty Images
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Sobre os constantes fracassos do English Team, o folclórico comandante disse não acreditar que a seleção esteja no fundo do poço, mesmo não tendo vencido nenhum time de prestígio em mata-matas desde o título de 66. O motivo do ponto de vista do treinador é justamente a boa equipe que a Inglaterra tem no papel. "Nós todos tivemos grande esperança na Eurocopa pela forma como nós nos classificamos [com incríveis 100% de aproveitamento, a melhor campanha das Eliminatórias]. Eu espero que os rapazes continuem de onde pararam deste ponto de vista", comentou.

Big Sam tem fama de "paizão" em terras inglesas. Em outras palavras, é conhecido por gerir bem os vestiários. Uma tremenda qualidade em tempos nos quais elencos se racham com tremenda facilidade por questões de ego. O carisma do veterano de 61 anos pode ajudar o plantel inglês a recuperar sua identidade, tão devastada pelos vexames dentro de campo. "Eu irei explorar todas as áreas, particularmente a psicológica", garantiu. O futebol vai além de estratégias táticas. É, acima de tudo, lidar com seres humanos, os animais mais complexos da natureza.

A caminhada inglesa rumo à Copa do Mundo de 2018 começa no dia 4 de setembro, contra a Eslováquia, em Trnava. Os Três Leões ainda terão Eslovênia, Lituânia, Malta e a vizinha Escócia como rivais no Grupo F. Sam Allardyce quer levar a Inglaterra à Rússia. Mais do que isso, ele quer se divertir: "O jogo de futebol é para ser apreciado. Como o ápice da minha carreira, eu quero aproveitar o máximo". Seria Big Sam um Papai Joel britânico?