Eni Aluko, atacante do Chelsea e da seleção da Inglaterra, acusou o treinador Mark Sampson de tecer comentários racistas envolvendo sua família e o vírus Ebola. A atacante recebeu 80 mil libras esterlinas da Football Association (FA) para assinar um termo de confidencialidade sobre o caso, mas obteve consentimento para se manifestar sobre o assunto recentemente.
Em entrevista ao jornal The Guardian, a atacante falou sobre o momento em que o treinador da seleção inglesa feminina teceu os comentários sobre sua família, às vésperas de um confronto contra a Alemanha, em 2014.
“Nós estávamos no hotel. Todos estavam animados, era um grande jogo. Na parede, havia uma lista com familiares e amigos que viriam para nos assistir e, por um acaso, eu estava ao lado do Mark. Ele me perguntou se alguém que eu conhecia estaria lá, e eu disse que minha família estava vindo da Nigéria. Ele disse ‘Nigéria? Se certifique de que eles não vão trazer Ebola com eles’”, afirmou.
Vale lembrar que Sampson já foi alvo de uma investigação da FA no passado – o treinador teria insinuado que uma jogadora, que não teve sua identidade revelada, possui antecedentes criminais -, mas não chegou a ser penalizado.
Aluko ainda afirmou que a associação está ciente do episódio de racismo desde novembro de 2016. A Professional Footballers’ Association (PFA) enviou uma carta à confederação inglesa alegando que o silêncio da instituição era uma farsa para “proteger Mark Sampson” – a entidade aceitou a carta, mas respondeu afirmando que a falta de uma acusação formal impossibilitaria a investigação do caso.
“Eu me lembro de ter dado risada, mas de uma maneira nervosa. Voltei ao meu quarto e fiquei muito triste. Talvez fosse mais fácil aguentar isso se fosse só sobre mim. Várias coisas já foram ditas sobre mim ao longo desses dois anos, mas isso era sobre minha família. Liguei para minha mãe e ela ficou absolutamente enojada”, completou Aluko em entrevista.
A atacante nigeriana também afirmou que um funcionário do staff inglês se dirigiu a ela usando um sotaque caribenho de maneira pejorativa. Aluko ainda falou sobre a negligência da FA ao tratar do caso envolvendo sua companheira de seleção, que foi acusada de ter antecedentes criminais.
“Se eles realmente quisessem descobrir a verdade, a investigação mais básica possível já teria exposto isso (identidade da jogadora). Ela já confirmou por escrito que aconteceu, mas a FA já fez duas investigações e ninguém entrou em contato com ela. Eles estavam conduzindo uma investigação, mas não se importaram em falar com a pessoa que ouviu comentários – na minha opinião – de cunho racial. Acho que isso é bastante . Você imagina a FA concluir um inquérito inocentando o Roy Hodgson (ex-treinador da seleção inglesa, que teceu comentários sobre “macaco espacial”) sem sequer falar com o Andros Townsend, que ouviu os comentários? Bem, foi isso que aconteceu nesse caso”, disse Aluko.
No decorrer do inquérito, a FA chegou às suas primeiras conclusões sobre as denúncias de Aluko antes de entrar em contato com Lianne Anderson, testemunha do episódio. Segundo a Football Association, tais medidas foram tomadas para acelerar o processo, por pressão da PFA, e por “questões de logística”.
A jogadora de 30 anos também afirmou que sua carreira na seleção da Inglaterra – que inclui 102 jogos – terminou menos de uma semana após ela fornecer maiores detalhes sobre o caso; na ocasião, a jogadora participou de um relatório teoricamente confidencial da FA.
Mark Sampson teria visitado a atleta no CT do Chelsea e também a teria dispensado por mau comportamento. A nigeriana naturalizada inglesa, que foi artilheira da temporada na Inglaterra em 2016/2017, acredita em retaliação por parte da FA; a associação, por sua vez, declarou que os dois episódios não possuem relação.
“Acho que todas essas coisas estão acontecendo porque existe um debate sobre raça e esse é um grande problema no mundo. Herman Ouseley (presidente da Kick It Out, organização que visa diminuir a discriminação no esporte) já disse isso. Dentro de campo, existem punições claras em assuntos que tratam de raça. De portas fechadas, nós não sabemos como a FA atua", disse a atacante.
Ao final da entrevista, Aluko analisou suas passagens pelo Chelsea e chamou atenção às questões sociais por trás da escolha ou não de determinados jogadores.
"Estou no Chelsea há cinco anos e já fui alvo de várias piadas, e às vezes eu retruco – essa é a beleza do espírito esportivo em um ambiente saudável. Não sou uma pessoa sensível. Estive na seleção inglesa por 11 anos, passei por altos e baixos. Já joguei em equipes masculinas. Já joguei pelo Chelsea e já fui dispensada por eles anteriormente, mas eu reconheço algo tóxico quando vejo. Essa é uma cultura que sistematicamente ignora certos jogadores. Existe muita discussão sobre sermos a equipe mais unida do mundo, mas nunca me senti tão isolada quanto me senti entre 2014 e 2016”, concluiu.