A morte de George Floyd nos Estados Unidos desencadeou novos protestos nos espaços dos pretos na sociedade. No contexto futebolístico, são os diversos jogadores pretos que se destacam pelo mundo, mas em longas décadas passadas, Walter Tull foi o homem responsável por abrir caminhos bloqueados pelo racismo na Inglaterra, jogando pelo Tottenham.

Neto de escravos e filho de mãe ganesa, Walter Tull nasceu em Falkerstone, na Inglaterra, em 28 de abril de 1888, seis anos depois da fundação dos Spurs, clube que seria responsável por um marco fundamental na história do futebol britânico inicialmente, e depois, no futebol mundial.

Infância e começo no futebol

Tull teve uma infância difícil. Aos sete anos, sua mãe, Elizabeth Palmer, morreu de câncer e pouco depois seu pai, Daniel Tull, casou-se com a prima de sua mãe, Clarice. Um ano depois, o pai de Walter morreria de ataque cardíaco e com isso, prestes a completar 9 anos de idade, foi designado para um orfanato em Londres.

Próximo de completar 20 anos, Tull viveu seus primeiros anos do século XX jogando futebol amador. Atuando como o moderno ponta, destacou-se pelo Clapton FC, um modesto time de ligas semiprofissionais, onde ganharia a FA Cup amadora e a London Senior Cup. Elogiado por companheiros e adversários, Walter foi eleito o melhor jogador de ambos campeonatos, em 1908.

Pioneirismo e legado

Com a crescente onda profissional do futebol inglês e as primeiras décadas de torneios oficiais da FA ocorrendo com frequência e a expansão de outras ligas, com o surgimento de novos clubes e a adoção do treinador como peça-chave da tática no jogo, as equipes passaram a buscar jovens jogadores para se fortalecer nacionalmente.

Elenco dos Spurs em 1911/12 (Foto: The Independent)
Elenco dos Spurs em 1911/12 (Foto: The Independent)

Já popular em Londres, o Tottenham Hotspur viu o talento de Walter Tull dentro da sua cidade, e em 1909 firmou a contratação do atacante, que tinha apenas 21 anos de idade. Considerado o primeiro jogador preto a ter um contrato profissional - Andrew Watson havia jogado internacionalmente pela Escócia em 1882, mas era um atleta amador - e pela primeira vez jogou a Premier League, estreando contra o Sunderland.

Walter Tull ainda elevaria seu pioneirismo para patamares internacionais, quando foi jogar uma competição amistosa na Argentina e Uruguai no ano de sua estreia, tornando-se o primeiro preto a jogar futebol profissionalmente na América Latina.

Vítima do preconceito dentro dos gramados, Tull sofreu com a resistência de torcedores que já ocupavam a grande parte dos estádios na época. Após 20 jogos oficiais pelos Spurs e quatro gols, Walter Tull saiu do Tottenham em 1911, quando foi negociado com o Northampton Town, por uma quantia em libras e a chegada de Charlie Brittain, destaque do outro time na época.

A pedido de Herbert Chapman, seu ex-técnico de Tottenham, Tull chegou a jogar por 105 vezes no N'hampton. Três anos mais tarde, sua promissora carreira foi encerrada, pois Tull foi convidado pelo exército britânico para defender seu país na Primeira Guerra Mundial.

Militarismo e a morte

Em ascensão no quartel, já em 1916 foi promovido à oficial, o primeiro de seu batalhão a ser preto e ocupar o cargo, segundo a BBC. 

Com apenas 29 anos, em 25 de março de 1918, foi responsável por liderar sua tropa na batalha contra os alemães, na França. Ação esta que culminaria em seu óbito. Destacado pelo trabalho bem sucedido na Itália, Tull foi morto em Pas-de-Cais, e seu corpo nunca foi achado. Seu companheiro de esporte, o ex-goleiro do Leicester Fosse (atual Leicester City) Tom Billingham, foi um dos soldados que tentaram buscar seus restos mortais para devolvê-lo ao país, mas sem sucesso.

Após sua morte, a Inglaterra abriu espaço para diversos jogadores pretos, e essa expansão ganharia proporções relevantes a partir dos anos 70. Benjamin Odeje foi o primeiro grande destaque, pós Tull. Em 1978, a Inglaterra teve seu primeiro preto  no English Team, com a convocação de Anderson. 

Nos dias atuais, a Premier League concentra um alto número de estrangeiros (61,7%) e grandes destes destaques são africanos ou pretos. Sadio Mane, atual campeão nacional pelo Liverpool e camisa 10 do time é o principal exemplo.

Em homenagem à Tull, seu nome aparece no memorial em Folkestone desde 1921. Próximo do Tottenham Hotspur Stadium (antigo White Hart Lane), sua casa em Nothumberland Park recebeu em 2014 uma placa azul, sinal de referência da importância do antigo residente do local. Em 2005, um livro chamado "Respeito!", foi escrito por Barrington Stoke e relatava a história de vida de Walter Tull.