Há pouco mais de seis anos, a Islândia era conhecida por conta de suas lindas paisagens, seus habitantes, sua diversificada cultura e seus elevados índices de PIB e IDH. De fato, são características a serem elogiadas do país nórdico, que sempre foi alvo de muitos viajantes. Mas, e sobre futebol? Eidur Gudjonshen possuía uma enorme representatividade e importância, já que ele era “o único homem da seleção”, visto que era o único jogador conhecido pelo público-geral, já que jogava no Barcelona.

Por anos, a Islândia carregou os tabus de ser uma Seleção que apenas “cumpria a tabela nas Eliminatórias” e o de “três pontos certos ao adversário”. Por muito tempo, ficou como uma desconhecida dos amantes do futebol e apenas conseguia chamar a atenção quando enfrentava alguma seleção de renome e de certa importância no cenário do esporte.

Efetivação de Lagerbäck foi o começo de tudo (Foto: Matthew Ashton - AMA/Getty Images)

Enquanto muitos julgavam e continuavam tachando, a Islândia começou a trabalhar para mudar essa situação e quebrar esses tabus. A situação começaria a virar em 2011, quando Lars Lagerbäck assumiu o comando da equipe. O sueco, que levou a Seleção do seu país a cinco torneios seguidos – entre a Eurocopa de 2000 à Eurocopa de 2008 – era o nome perfeito para essa reestruturação islandesa.

Com uma pessoa experiente à frente da Seleção, criou-se um padrão tático e os resultados, aos poucos, começaram a aparecer – mesmo que ainda não fosse nada muito destacável. Atrelado à isso, muitos jogadores passaram a jogar em país com um nível de futebol maior por conta da visibilidade que o seu novo treinador possuía. Dentre 2010 e 2012, Gylfi Sigurdsson foi para o Hoffenheim, Alfred Finnborgason para o Lokeren, da Bélgica, Birkir Bjarnasson para o Standard Liège, Bjorn Sigurdsson para o Wolverhampton e Hordur Magnússon para a Juventus, sendo emprestado para Spezia e, posteriormente, Cesena.

Planejamento correto: resultados começam a aparecer

Com a internacionalização de alguns jogadores, um técnico com experiência no esporte, infraestrutura e o abraço dos fãs, todo o planejamento da Federação Islandesa passou a mostrar os primeiros passos do sucesso. Não é um fato recente que os Vikings estão numa crescente exponencial e que ameaçam as principais seleções do mundo com um futebol organizado e com jogadores tendo certo destaque em ligas da Europa.

Nas Eliminatórias de 2010, um último colapso de campanha ruim dos islandeses, que venceram apenas uma partida, contra a Macedônia, no Grupo 9 da competição, ficando em último lugar com apenas 5 pontos – empatando as duas partidas contra a Noruega. Para o Mundial no Brasil, em 2014, a primeira grande campanha: desbancou a Eslovênia na última rodada e se garantiu na segunda posição, atrás da Suíça, que teve uma campanha invicta.

A repescagem, porém, traria um fim à essa “primeira temporada” de fortes emoções ao torcedor da Islândia, já que a equipe não conseguiu eliminar a Croácia que, após um empate em 0 a 0 em Reykjavík, fez valer o mando de campo e derrotou, sem sustos, os Vikings por 2 a 0, dando assim, um fim à grande aventura do país nórdico. Apesar disso, ficou claro o recado de que o planejamento islandês passou a dar resultados e que a expectativa pela seleção no futuro era grande.

A Eurocopa: os primeiros tabus derrubados

Com aquele gostinho do “quase” por conta da eliminação na repescagem, a Islândia começou a sua campanha para chegar à Eurocopa da França com uma novidade no setor técnico da equipe: Heimir Hallgrímsson, atual treinador, se juntaria à Lagerbäck como seu auxiliar e “dividiria” o cargo de comandante da seleção com o sueco.

Contando com um começo espetacular, os islandeses conquistaram seis vitórias nas sete primeiras partidas – perdendo, nesse período, por 2 a 1 para a República Tcheca. Apesar de alguns resultados ruins no restante da chave, como empates com as fragilizadas seleções do Cazaquistão e da Letônia, conseguiu ficar na segunda posição, desbancando as tradicionais seleções de Holanda e Turquia, se garantiu na sua primeira Eurocopa e quebrou o tabu do “apenas cumpria tabela nas Eliminatórias.”

Apesar de ter batido de frente com seleções já consolidadas do cenário do futebol da Europa e em uma crescente evolução, a Islândia era visto como um azarão do grupo, ao lado de Portugal, Hungria e Áustria, as outras seleções que estavam presentes na chave. A Islândia faria, até então, o maior feito de sua história.

Lamentação: a Inglaterra viu, de perto, o talento dos islandeses (Foto: Anadolu Agency)

Mesmo tendo empatado seus dois primeiros jogos, contra Portugal e Hungria, a Seleção Islandesa mostrou um bom futebol e foi recompensada no terceiro jogo, quando conseguiu a vitória e, consequentemente, a classificação contra a Áustria, com um gol de Arnór Traustason aos 49 minutos do segundo tempo. Caía o rótulo de “se classificou para dar três pontos à todos os adversários”.

Nas oitavas, a mágica que todos já sabemos de cor: contra a tradicional Seleção Inglesa, uma atuação de gala, uma virada, uma classificação heroica e a marca da comemoração viking, em que os jogadores bateram palma com os torcedores presentes em Nice. Na fase seguinte, o episódio final da “segunda temporada”, uma goleada para os anfitriões franceses por 5 a 2, mas nada que pudesse tirar o mérito dos jogadores.

O inverno está chegando...

Com duas boas campanhas em Eliminatórias anteriores, a expectativa de finalmente chegar a uma Copa do Mundo era grande. Ao lado de Ucrânia, Turquia e Croácia, a Islândia proporcionou um dos grupos mais equilibrados dessa edição da competição, que dá uma vaga direta para a Copa do Mundo da Rússia.

Com apenas duas derrotas – para a Croácia, em Zagreb, e Finlândia, em Tampere – a Islândia foi sólida durante toda a campanha e nunca deixou de postular entre as duas primeiras posições. Com um futebol regular e se provando nas partidas decisivas, como na vitória sobre a Turquia por 3 a 0 em Eskisehir, os islandeses mereceram a vaga e, sim, podem esperar mais uma boa campanha na Copa do Mundo, a primeira de sua história. Era o fim do, até então, maior tabu: “uma Seleção Europeia sem expressão nunca jogará um Mundial.”

Vitória contra a Turquia, fora de casa, foi o grande marco dessa campanha (Foto: STR/AFP)

O frio russo? Isso não será problema aos islandeses, que estão acostumados com esse tipo de temperatura. Com um futebol bem apresentado, modelo tático definido e jogadores se destacando em países de maior expressão, o inverno islandês, definitivamente, está chegando aos gramados russos, o que é uma ameaça para qualquer um que estiver em seu caminho.

O grande destaque

Muitos podem falar que as principais estrelas dessa seleção são Gylfi Sigurdsson, jogador que se destaca há algumas temporadas na Premier League, ou Aron Gunnarsson, capitão da equipe. Apesar dos dois serem as principais forças técnicas do 11 titular e muito idolatrados pelos fãs, eles não são, necessariamente, a principal força da Seleção Islandesa.

Torcedores felizes: reflexo do bom futebol e da boa estrutura do país (Foto: Haraldur Gudjonsson/AFP)

A equipe de futebol da Islândia é o reflexo perfeito de tudo que o país vive. Com um planejamento definido, paciência, jogadores tendo experiências em ligas mais fortes e uma federação aliada à comissão técnica, o resultado não poderia ser diferente. Os Vikings são o exemplo de que algo, quando bem elaborado e executado, é muito difícil de dar errado.

Além disso, a organização do país é digna de muitos elogios: com pouco mais de 300 mil habitantes, o país tem um dos melhores índices de qualidade de vida do mundo. Com um PIB alto, as taxas de desemprego são mínimas e poucos jovens não têm acesso à um estudo de qualidade. O que está acontecendo no futebol é apenas um reflexo da situação vivida no país e do grande planejamento que fora traçado há anos atrás. A grande questão é: qual será o próximo tabu derrubado por eles?

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