Dia 15 de outubro de 2013, a seleção dos Estados Unidos virava para cima do Panamá, eliminava o adversário e permitia a classificação do seu rival para a Copa de 2014. Quatro anos depois, 10 de outubro, estadunidenses eliminados após passar pela mesma situação do México na edição anterior. Desta vez, os panamenhos vão para o Mundial.

As Eliminatórias da Concacaf possuem algumas características peculiares. Por motivos óbvios, EUA e México são os grandes favoritos. Após superarem uma fase de grupos bem favorável e geralmente tranquila, as duas seleções chegam ao hexagonal que classifica três de seis e ainda dá uma vaga na repescagem para o quarto. A verdade – sob a ótica de ambos – é que tem de ser muito incompetente para ficar de fora da Copa do Mundo.

"A noite mais surreal e vergonhosa na história do futebol dos EUA" - Grant Wahl, Sports Illustrated

Os Estados Unidos foram incompetentes. Bastante, aliás. A eliminação é simbólica, representa uma soma de fatores que prejudicaram o selecionado nacional e iludiram o alto escalão da Federação. Os resultados ruins e os indícios de um “apocalipse” apareceram ao longo dos últimos anos. O péssimo jogo contra a possante Trinidad e Tobago não foi nenhuma novidade. Pelo contrário, o empate dentro do Azteca e a goleada contra o Panamá é que foram fora da curva.

Resultados superestimados

Escalação titular nas oitavas de final da Copa de 2014 (Foto: Francisco Leong/Getty Images)

A ilusão gerada por alguns resultados impediram uma visão melhor do real nível da Seleção. Sabe aquela vitória que esconde os erros? Então, foram várias.

A campanha na Copa de 2014 não foi a maravilha que muita gente fala. Na primeira fase, uma vitória no sufoco, um empate bobo com gol tomado no fim, depois uma derrota para a Alemanha onde os EUA até demonstraram pontos positivos. Nas oitavas, encararam a Bélgica, que venceu na prorrogação. Aumentaram demais os feitos de Tim Howard naquele jogo como se fosse algo de outro mundo, mas na verdade tal façanha se deu também por deméritos dos atacantes belgas.

Após o Mundial do Brasil, esperava-se uma renovação – pelo menos – parcial da Seleção dos EUA. Donovan havia se aposentado, ainda restavam alguns medalhões, que eram necessários, mas a presença de novos jogadores era fundamental.

Mas onde estão essas promessas? Muitos dos jovens que ganharam chances na USMNT não corresponderam ou não tiveram um desempenho aceitável, perdendo espaço e abrindo brechas para os veteranos seguirem. Beasley estava no banco neste fatídico jogo contra T&T, por exemplo.

Em 2015, os EUA – sob o comando de Klinsmann – venceram Holanda (4 x 3) e Alemanha (2 x 1). Tais placares geraram uma euforia interna na Federação, animaram a imprensa e apagaram as atuações pavorosas diante da Irlanda, Chile e Dinamarca (tomaram hat-trick do Bendtner).

Os triunfos diante de holandeses e alemães tornaram o ambiente mais otimista e os erros não foram corrigidos. A primeira bomba estourou meses depois na Copa Ouro, que resultou em um playoff decisivo com o México.

Os sinais apareceram, mas foram ignorados e resolvidos de forma paliativa

Do ponto de vista estadunidense, a competição da Concacaf deveria servir como uma base avaliativa para o nível das seleções caribenhas e da zona central (possíveis futuros adversários em um hexagonal) e de encarar o México numa provável final pela soberania da – até então – polarizada região.

Mas não é assim que funciona, a US Soccer usa a Gold Cup da forma como lhe convém. Venceu? Ótimo, superestima. Perdeu? Passa um pano e já traça a próxima meta como sendo a principal. Igual a time brasileiro quando é eliminado em algum torneio.

Mais de 70 mil pessoas acompanharam a semifinal da Copa Ouro 2015, onde a Jamaica bateu os EUA por 2 a 1, com gols de Mattocks e Barnes, ambos da MLS. Para piorar, perderam o terceiro lugar na marca da cal para o Panamá.

Os mexicanos venceram aquela edição e a vaga na Copa das Confederações teve que ser decidida em um playoff no Rose Bowl. A Concacaf ganhou muito dinheiro nesse jogo e o México foi para a Rússia ao vencer por 3 a 2. O fato de não estar no evento teste da Fifa já serviu como alerta, mas foi novamente ignorado.

Página virada, entretanto resultados alarmantes se repetiram. Ficaram de fora dos Jogos Olímpicos mais uma vez e não houve nenhuma mudança drástica para saber o real motivo dessas desclassificações no sub-23. Não havia tempo para avaliar isso, Copa América Centenário era um ótimo local para mostrar o potencial norte-americano. Das últimas quatro Olimpíadas, foram apenas para uma.

Tenho que admitir que foi uma participação até legal dos EUA na competição caça-níquel. Esteve em um grupo complicado, passou em primeiro, chegou à semifinal, tomou uma paulada da Argentina, e ficou em quarto.

Um resultado interessante, certo? Some isto ao conforto da fase de grupos das Eliminatórias e tenha um time calçando o salto alto e olhando para os outros com um olhar tranquilo. Preocupação com a bola jogada foi recolocada de lado e os cartolas já estavam de olho em como atrair a Copa de 2026 para suas terras.

O choque de realidade e a mudança rápida que se mostrou errada

Abertura do hexagonal, novembro de 2016, Columbus, casa sacrossanta do futebol norte-americano. Criou-se um hype absurdo em cima desse jogo, entrevistaram tudo e todos, lembraram-se dos vários placares de 2 a 0, dos gols históricos, das lendas, mas esqueceram de treinar para o jogo. Atuação fraca e vitória do México por 2 a 1 dentro daquela cidade mágica, até então. A fantasia começava a ruir.

Rodada seguinte, derrota por 4 a 0 para a Costa Rica. Grande atuação de Campbell, autor de dois tentos. Venegas (na época do Montreal) e Bolaños (Vancouver) fecharam a conta. Nenhum ponto em seis disputados fizeram os chefões da US Soccer tomar a decisão de demitir o técnico alemão.

Klinsmann acumulou funções na US Soccer e não foi efetivo após a Copa de 2014 (Icon Sportswire/Getty Images)

Dois detalhes escancararam a falta de preparo da Federação naquela decisão: uma multa gigante pela rescisão de Klinsmann, e a não existência de um plano B para a saída dele. Possivelmente os diretores olharam um para a cara o outro e descobriram que não tinha ninguém para encarar esse projeto. Era final da temporada na MLS e tempos depois contrataram Bruce Arena.

Bruce é vencedor? Sim. Respeitado? Sim. Ícone? É. Arena foi dominante em uma era diferente. Quem acompanha a MLS a fundo entende os termos “MLS 1.0” (o tipo de jogo praticado nos anos 90 até 2002 dentro da liga) e “MLS 2.0” (iniciada pós-Beckham). O técnico realmente doutrinava, inclusive na Seleção, onde levou o país as quartas de final do Mundial da Coréia e do Japão.

Mas o futebol praticado hoje na MLS é diferente daquele de 20 anos atrás. A distância dos EUA para as seleções médias da Concacaf de 2002 para cá diminuiu bastante, muito por conta da Major.

O hexagonal pós-Klinsmann

Bruce Arena foi campeão da Copa Ouro 2017 (Foto: Icon Sportswire/Getty Images)

Por incrível que pareça, a Federação usou do famoso “fato novo” para salvar sua seleção do fiasco. Eles também utilizam destas artimanhas do folclore futebolístico quando necessário. Alguns resultados positivos aconteceram, mas sempre dependendo do individualismo, sem coletividade e produção coesa de um estilo de jogo. Esse é um dos problemas históricos dos EUA, não existe uma identidade. Apenas a repetição (mal executada) de clichês europeus dentro das quatro linhas.

A Copa Ouro 2017 serviu para elevar ainda mais a soberba norte-americana. Foram seis jogos, com cinco vitórias e um empate. Alguns triunfos vieram com certa dificuldade. Na fase final, trouxeram o esquadrão para garantir o título: Howard, Bradley, Altidore, Nagbe e Dempsey. Sofreram na semi contra a Costa Rica e na final diante da Jamaica. O México não jogou com o time principal, que estava na Rússia.

De destaque no hexagonal, a vitória diante do Honduras, pela terceira rodada, em San Jose, 6 a 0 com hat-trick de Dempsey e um gol do lesionado Lletget (fez muita falta). Em dez jogos, apenas três vitórias em um campeonato onde apenas eles, México e Costa Rica possuem certo nível. Os mexicanos mais consolidados, os costarriquenhos ainda em crescimento, mas já há identidade e estilo de jogo estabelecido.

Mesmo com todas as dificuldades, chegaram até a rodada final dependendo apenas de si, donos do seu destino, mas falharam. Grandes nomes da seleção foram nulos contra Trinidad. A vitória por 4 a 0 sobre o Panamá se deu muito mais pela atuação individual de Pulisic, e que pelo visto deverá ser o cenário nos próximos anos, caso nenhuma mudança geral seja feita.

Todos os erros ignorados desde o pós-Copa de 2014 foram escancarados nesta reta final de hexagonal. Bradley sem combatividade não é surpresa, a defesa absolutamente frágil e sem segurança já tinha mostrado suas caras anteriormente, a falta de um esquema para o setor de meio-campo já era um problema crônico.

Testaram o posicionamento em linha, losango, dois homens de marcação, três homens dando apoio a um central, até Bradley na função de camisa 10 já vi, mas nenhuma conclusão foi tirada e chegaram ao último jogo sem consciência de como montar um meio. O que vimos foi uma bagunça total, sem padrão e definição tática. Qualquer time minimamente organizado consegue bater de frente com os EUA.

Teremos mudanças? Como deverão ser feitas?

A mudança estrutural se faz necessária nos EUA. Sunil Gulati é presidente da Federação desde 2006. Acertou em muitas coisas, errou em outras tantas. Mais do que nunca é hora de investir na chegada de especialistas em futebol, seja ex-jogadores norte-americanos ou até mesmo gerenciadores e diretores de outros países, pessoas que entendam de bola jogada.

A entidade foi omissa em muitas questões e não soube ter meios para sair de situações, como no caso da enorme diferença de bonificações entre a Seleção Feminina e a Masculina. A mudança no comando técnico também é necessária. Bruce Arena não deve permanecer para o ciclo visando 2022.

Ainda tenho dois pontos sobre a MLS nesta história. A primeira delas é que a liga foi muito importante para a Concacaf. Nas últimas eliminatórias, jogadores do Caribe e América Central estavam em seus campeonatos nacionais.

Hoje, muitos deles, atuam na Major League Soccer, treinam com Pirlo e Villa, enfrentam Kaká, estão sempre disputando jogos com os principais nomes da Seleção dos EUA. Isso faz com que individualmente essas Seleções cresçam.

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Os gols na última rodada provam isso: a bola que não entrou de Gabriel Torres (ex-Colorado Rapids) e Román Torres (Seattle Sounders) pelo Panamá. Venegas (Minnesota United) fez o tento da Costa Rica. Elis e Quioto (ambos do Houston) formam a dupla de ataque de Honduras. Além dos outros vários convocados que atuam na MLS.

Sobre a estrutura do futebol, não irá mudar. Isso é algo muito mais complexo, sendo necessárias mais algumas milhares de palavras para explicar. Temos 12 cidades disputando quatro vagas na MLS. Há uma corrente relativamente forte que busca o sistema de acesso e rebaixamento nas ligas de soccer, mas é utopia. Resumindo, a MLS é uma entidade única de propriedade.

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Cada equipe possui um investidor-operador que é um acionista da MLS. Para mudar o cenário, todos que pagaram para jogar teriam que aceitar as mudanças e entrar em acordo com os outros demais donos de times de NASL e USL, que também pagaram para entrar nestes campeonatos. Não vejo a Federação entrando nessa briga, muito menos agora.

"Tem que mudar tudo de cima a baixo. Se você não mudar depois disso, então qual é o ponto?" - Taylor Twellman, ESPN

O desenvolvimento das categorias de base será um dos pilares para a renovação. Vários tópicos estão sendo debatidos nos EUA. O ponto inicial da mudança será o engajamento maior dos clubes da MLS com suas academias, investindo mais, caçando novos talentos e dando chances a esses jovens. Todos os mecanismos que a liga criou, como o contrato Homegrown, a Geração Adidas, livrar tais atletas de constar na folha salarial, são interessantes, mas precisam de uma execução melhor.

Para o futuro, independente do novo treinador, teremos uma Seleção dos EUA mais atenciosa, tentando achar uma identidade. Espero que sem soberba, arrogância e encarando os países médios com respeito, sabendo que eles podem vencer e estarão motivados para isso. Muitos jogadores irão se aposentar internacionalmente e será preciso ter novos líderes. Miazga, Morris, Pulisic, Josh Sargent e outros terão que chamar a responsabilidade.

Certamente teremos uma reflexão profunda no meio futebolístico estadunidense. O jornalista Grant Wahl informou que nessa quarta-feira (11), um dia após o vexame, o comitê de produto e estratégia da MLS – composta por vários proprietários influentes – se reuniu as pressas em Los Angeles. Imprensa, Federação, ex-jogadores, dirigentes, todos os envolvidos, analisarão o atual momento. Os erros serão identificados, resta saber se serão corrigidos.

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Sobre o autor
Junior Ribeiro
Cearense, 22 anos.