O que você faria para convencer o jogador mais famoso do mundo a deixar o futebol europeu e se aventurar numa liga absolutamente alternativa e sem muito brilho dentro do próprio país? Um salário gigantesco? Todas as regalias possíveis dentro do clube? Ter a faixa de capitão que pertence ao maior ídolo do futebol nacional? Viver em Hollywood? E que tal ter futuramente um time neste campeonato e lucrar com ele?

Após quatro anos de espera, a franquia de David Beckham finalmente está confirmada. O evento aconteceu nessa segunda-feira (29), em Miami, com a presença dos demais sócios da equipe e do comissário da MLS, Don Garber. A partir desta data, o grupo proprietário de Miami faz parte efetivamente da liga.

Muita expectativa foi criada para o evento, mas através de nota oficial, tanto a liga quanto o futuro clube informaram que o escudo, as cores, as novidades sobre o estádio e os demais detalhes serão revelados em breve. Mais uma vez, as apresentações de pontos fundamentais para a franquia foram adiadas. Don Garber, posteriormente, confirmou aos jornalistas que Miami estreia na MLS em 2020.

O processo de expansão

Tudo começou no final de 2006, quando o Los Angeles Galaxy teve a audácia de fazer uma oferta ao inglês, que fazia parte dos galácticos do Real Madrid e tinha mais alguns poucos meses de contrato na Espanha. Beckham aceitou a proposta, foi apresentado em janeiro de 2007 e começou a jogar pelo clube californiano após a temporada europeia.

Dentre todas as cláusulas, uma em especial citava que Beckham poderia comprar uma franquia de expansão na liga, em qualquer mercado, exceto New York, por um preço fixado em US$ 25 milhões quando ele encerrasse sua carreira.

Bicampeão com o Galaxy, o camisa 23 se transferiu para o Paris Saint-Germain e terminou sua carreira na temporada 2012/13. Logo depois, as conversas sobre a compra da expansão foram iniciadas. Antes da MLS Cup de 2013, Don Garber revelou que Beckham e Simon Fuller estavam trabalhando para desenvolverem a franquia em Miami. Mais tarde, naquele mesmo mês de dezembro, os comissários do condado de Miami-Dade votaram por unanimidade e aprovaram o pedido do grupo de negociar a construção de um estádio.

Naquele período tudo aconteceu muito rápido. Em 5 de fevereiro de 2014, Beckham e a MLS anunciaram de forma conjunta que tal cláusula foi ativada e que o inglês lideraria o time da Flórida. Junto com ele estavam Marcelo Claure e Fuller. Vale ressaltar que este último foi um dos personagens principais durante a jornada de David em Hollywood.

Sócios da equipe em Miami:
 

David Beckham
Simon Fuller
Marcelo Claure
Jorge Mas
José Mas
Masayoshi Son

Mas como todo processo de expansão, existem vários requisitos exigidos pela liga. O ex-meia exerceu o que lhe permitia em contrato, mas só estaria dentro se o projeto do estádio fosse garantido. Miami entrava em stand-by e a aprovação dependia deste fator. Entre fevereiro de 2014 e até dias atrás, tivemos poucas certezas e muitas dúvidas, o que é péssimo no mundo do business. A Major League Soccer é uma entidade única de propriedade. Cada investidor é um acionista na liga e opera uma filial, sua equipe.

Beckham agora é um investidor-operador da MLS. Ele é um dos 24 donos da liga e tem poder sobre seu clube. Os outros proprietários, das demais franquias, precisavam de garantias: o bolo tem que continuar a crescer mesmo tendo que cortar mais uma fatia. Esta é a premissa básica para quem deseja entrar na elite do futebol estadunidense. Se é certo, errado, antiético ou anti-futebol, vai da reflexão de cada um.

Foto: Divulgação/MLS

Quando a proposta foi feita, a MLS tinha 13 clubes disputando o campeonato. A intenção era seguir expandindo, aproveitando a reforma interna feita na liga. Antes, a maioria dos clubes estava centrada nas mãos de dois homens, Lamar Hunt e Philip Anschutz, e aos poucos esse cenário estava sendo mudado.

Dar a chance para Beckham ter uma franquia era também dar uma oportunidade à MLS de assegurar mais um time. Lembre-se: estamos falando de 11 anos atrás, cenário completamente diferente do que vemos hoje. Não existia a estabilidade que conhecemos hoje. Tudo era incerto. Entre 2008 e 2017, outras nove equipes entraram no campeonato. O LAFC fará sua estreia nesta temporada e Nashville já está assegurada para os próximos anos.

Os quatro anos gastos pelos proprietários do Miami foram além do normal, ultrapassando os limites do esperado. Durante este período, por exemplo, o Chivas USA foi comprado pela MLS, encerrou suas atividades e foi extinto. Logo na sequência, um grupo de empresários comprou essa vaga e criou o LAFC. A franquia se desenvolveu, está finalizando seu estádio específico, possui naming rights, conta com um elenco bem montado por Bob Bradley e vai estrar em março com uma expectativa muito boa. Isso mostra o quão atrasado está o novo clube da Flórida.

>> Beckham pagou US$ 25 milhões por um acordo feito em 2007 para uma equipe que vai estrear em 2020. O grupo de Nashville, cidade aprovada recentemente como nova expansão da liga, pagará  US$150 milhões. Ambas vão estrear no mesmo período.

Depois de muitas idas e vindas, o maior problema foi solucionado

A arena ficará situada em Overtown, núcleo urbano da cidade, com 25 mil lugares e bancado de forma privada. Os sócios planejam construir um centro de treinamentos e instalações para a futura categoria de base, visando o desenvolvimento dos atletas locais. É provável que o estádio só esteja pronto em 2021, fazendo com que Miami atue em um local provisório em sua primeira temporada. A MLS já deu o aval, tendo em vista que Atlanta e Orlando se deram bem neste formato de negócio.

Desde que a MLS concedeu a Miami uma franquia de expansão na liga, ficou claro que o grande problema era a construção do estádio. Eis o motivo dos quatro anos de espera pela aprovação final. O grupo proprietário sofreu com algumas divergências envolvendo o poder público e certa oposição dos moradores e empresas locais.

O plano inicial era construir a arena em PortMiami, como anunciado em 25 de março de 2014. Entretanto, os comissários do condado se negaram a relocar uma instalação de derramamento de combustível. Além disso, empresas fizeram forte oposição. Meses depois, em maio, o grupo apresentou a ideia de ter o estádio à beira-mar, em Museum Park. Os moradores rechaçaram completamente, as negociações sobre os termos do aluguel – por ser terreno público – também não andaram, e o segundo plano foi por água abaixo. Naquele momento, os sócios sabiam que teriam uma longa jornada pela frente e que o time estava longe de ser oficializado.

Também especularam a construção de um estádio ao lado do Marlins Park, mas o projeto não entrou na agenda de votação e foi abandonado. No dia 4 de dezembro de 2015, o grupo confirmou que possuía um acordo para comprar uma área privada em Overtown. Dos nove hectares, três pertenciam ao poder público. A compra dos outros seis hectares aconteceu em 24 de março de 2016.

Obviamente, as negociações com o condado de Miami-Dade para a aquisição das outras três peças do terreno não ocorreram da forma esperada. Finalmente, em 6 de junho de 2017, tudo foi solucionado. A aprovação veio através de uma votação por 9 a 4. Foram pagos US$ 9 milhões nos três hectares. Restava, ainda, a aprovação para o início da construção.

Próximos desafios para a cidade que está fora da MLS desde 2002

Algumas perguntas ainda permanecem após o anúncio. Foram quatro anos entre a ativação da cláusula e a oficialização concreta. Será que neste período eles não pensaram no escudo, nome, cores, mascote? O evento dessa segunda-feira mais pareceu um trailer do que um filme pronto. Com a confirmação e as garantias de que o projeto vai mesmo para frente, provavelmente todas essas questões “futebolísticas” serão solucionadas.

Informações de bastidores podem esclarecer o motivo desse lançamento no “escuro”. Marcelo Claure deu a entender recentemente que o projeto estava ‘à beira do colapso’ há dois meses. Miami voltou ao foco das atenções quando os irmãos Más entraram na jogada, trazendo também o influente Tim Leiweke (não está mais envolvido com o grupo) e agora Masayoshi Son. Sem o acréscimo destes investidores e todo o trabalho de bastidor feito por eles, provavelmente o clube teria morrido sem ver a luz do dia, transformando-se no fiasco que todos esperavam. 

Valderrama atuou pelo Fusion entre 1998 e 1999 (Foto: Scott Halleran/Getty Images)

O Miami Fusion foi a primeira equipe da cidade na MLS, disputou o campeonato entre 1998 e 2001, inclusive tendo a melhor campanha da temporada regular em seu último ano. Fechou as portas juntamente com o Tampa Bay Mutiny em janeiro de 2002.

Hoje o contexto é totalmente diferente: o esporte está mais difundido, tem uma base enorme de torcedores na Flórida, um rival em potencial que segue evoluindo e a liga cresce dentro e fora de campo a cada ano, tornando-se cada vez mais sólida.

O caminho está favorável para Beckham e Cia. Resta, agora, cumprir com as metas, ser transparente com os problemas que surgirem e ter maior engajamento com a causa. O que mais trouxe antipatia para a Miami foi a forma como estava transparecendo o curso das decisões, dando a entender que eram feitas com desleixo ou tentando empurrar com a barriga. Pegou mal, um clube quase garantido não ligando muito para a situação, enquanto que vários outros grupos corriam desesperados para suprir necessidades e obter requisitos para concorrer a uma vaga na MLS.

As entrevistas concedidas pelos protagonistas do evento foram otimistas. A turbulência vivida nos últimos quatro anos serviu de aprendizado. O foco agora está no futebol, planejamentos, montagem de estafe, procura por patrocinadores, analise mercadológica e previsões para a montagem do elenco. Os próximos dois anos devem passar voando, e Miami precisa estar pronta para encarar o desafio de prosperar num campeonato cada vez mais competitivo.