Dois trabalhos, duas demissões. Assim pode ser descrita a passagem de Diego Aguirre como treinador no Brasil, ao menos se analisarmos de maneira superficial. No Internacional, com apenas oito meses no cargo, a marca mais importante foi ter chegado às semifinais da Libertadores de 2015; no Atlético-MG, nem sequer cinco meses de trabalho e acabou pedindo demissão após ser eliminado pelo São Paulo nas quartas de final da mesma competição continental, neste ano.

Apesar das passagens curtas, que não são surpresa de uma maneira geral por aqui, o técnico uruguaio sofreu com o maior dos paradigmas dentro do país em relação ao pensamento sobre futebol. Vale lembrar que outros treinadores estrangeiros, que pensaram em trazer ideias diferentes para o futebol brasileiro, também tiveram vida curta por aqui.

Enquanto na Europa se discute e se colhe muitos frutos já há alguns anos, sobre a revolução técnica e tática imposta por José Mourinho e Pep Guardiola, no Brasil o assunto ainda é menos debatido do que deveria. A impressão deixada é que a evolução tática por aqui caminha a passos de tartaruga, e isso ajuda a entender o porquê de Aguirre não ter durado muito em Belo Horizonte ou em Porto Alegre.

"O grande problema que o brasileiro, de uma maneira bem mais generalizada, precisa superar: os rótulos precisam dar lugar ao entendimento"

O problema começa quando o resultado é priorizado em detrimento do trabalho de uma maneira mais elaborada, com todo o planejamento enfatizado pelo treinador. Quando foi contratado, Aguirre trouxe às suas equipes ideias de jogo mais modernas, preparadas visando o coletivo e condizentes com o que leva as equipes a atuarem melhor no futebol de hoje.Em seus times, defesas mais sólidas e um sistema mais reativo, com mais adequações ao contra-ataque.

Durante seus trabalhos por aqui, houve muita cobrança por peças utilizadas – ou não utilizadas – nas equipes em que passou, críticas pelo seu estilo de jogo, muitas vezes simplesmente caracterizado como "retranca" ou "esquema dos três volantes", dentre outras frases ditas em relação a essa maneira de jogar. Isso é o que de mais grave pode acontecer quando se analisa o trabalho de um técnico, e é o grande problema que o brasileiro, de uma maneira bem mais generalizada, precisa superar: os rótulos precisam dar lugar ao entendimento

No Internacional, Aguirre chegou às semifinais da Libertadores, eliminando o Atlético-MG, seu clube seguinte na carreira, no caminho (Foto: Lucas Uebel/Getty Images)
No Internacional, Aguirre chegou às semifinais da Libertadores, eliminando o Atlético-MG, seu clube seguinte na carreira, no caminho (Foto: Lucas Uebel/Getty Images)

Há pouco mais de um ano, o São Paulo perdia o treinador colombiano Juan Carlos Osorio para a Seleção Mexicana. Antes de chegar ao Morumbi, muitos de seus méritos já eram conhecidos e elogiados no Brasil: vinha de um vice-campeonato da Copa Sul-Americana com o inovador time do Atlético Nacional-COL em 2014, trazia uma boa ideia de variações táticas, posicionais e, além de tudo, tinha a capacidade de adaptar jogadores a funções e posições variadas das que geralmente fazem, dentre outras diferenças para o "grosso" dos treinadores brasileiros.

A promessa deu lugar à cobrança por resultados, e o excelente técnico acabou muito rotulado, classificado até como professor pardal e terminou por ficar menos de meio ano na capital paulista.

Diego Aguirre e Juan Carlos Osorio passam para o brasileiro uma grande lição a se aprender. Não só trouxeram de fora a capacidade de pensar o futebol de uma maneira diferente e mais atualizada que boa parte dos treinadores daqui, mas também mostraram que ainda é necessário mudar não só a mentalidade dos técnicos, como a de todas as outras pessoas que acompanham o futebol, mas ainda não absorveram o produto da revolução que este esporte se tornou nos últimos anos.

No Atlético-MG, Aguirre perdeu o Campeonato Mineiro e foi trucidado pela torcida alvinegra. Resultado, resultado e resultado... (Foto: Bruno Cantini/Atlético-MG)
Aguirre não durou muito tempo no Atlético-MG (Foto: Bruno Cantini/Atlético-MG)

Hoje, Aguirre é treinador do San Lorenzo-ARG, e não deve pensar em sair: trouxe estabilidade coletiva ao time, organizou o seu sistema de jogo por lá, com o habitual "esquema de três volantes"; seu 4-1-4-1 trouxe muita competitividade ao time do Papa; bem ao estilo do técnico, com a equipe alinhada, compacta, explorando contra-ataques e trocas rápidas de passe.

É vice-líder do Campeonato Argentino – a dois pontos do líder Estudiantes –, está nas quartas de final Sul-Americana – venceu o jogo de ida, por 2 a 0, em casa –, e emplaca uma série de 11 partidas consecutivas sem perder. Já o ex-técnico do São Paulo, chegou ao México com uma boa série de resultados – tão cobrados dentro do Brasil, especialmente –,  e também emplacou uma série de 11 jogos sem perder, justamente seus 11 primeiros com a seleção norte-americana. Na sequência, sofreu um sonoro 7 a 0 para o Chile, que será bem mais lembrado que toda a sua competência por lá. 

Em pouco mais de quatro meses no São Paulo, Osorio dividiu opiniões dos torcedores sobre seu trabalho no clube. Hoje, é unanimidade na seleção mexicana (Foto: Miguel Schincariol/Getty Images)
Em pouco mais de quatro meses no São Paulo, Osorio dividiu opiniões dos torcedores sobre seu trabalho no clube. Hoje, é unanimidade na Seleção Mexicana (Foto: Miguel Schincariol/Getty Images)

Sem os estrangeiros por aqui, nem sequer ficou o legado ou o resquício dos bons trabalhos feitos por eles lá fora. Mas quem realmente está errado nessa história? Por que tudo é tão diferente no Brasil e nos outros países? Enquanto não houver essa reflexão, mais e mais treinadores neste estilo, diferentes e de boas ideias, ficarão no quase, serão incompreendidos e/ou execrados no "futebol mais competitivo do mundo". Se não há uma lembrança tão digna desses técnicos, é importante analisar o que veio depois. 

No Internacional pós-Aguirre, uma série de mudanças de técnico que só levaram o clube cada vez mais abaixo; no Atlético, um novo treinador que, mesmo tendo uma equipe muito forte, ainda tem muitas dificuldades para fazer o coletivo se fortalecer em detrimento das qualidades individuais; no São Paulo, outra tentativa de importar um treinador que, mais uma vez, cedeu às muitas dificuldades, e trocou o clube paulista pela Seleção Argentina em menos de um ano.

É sempre mais difícil pensar nos porquês. E, enquanto não for aceito que um bom trabalho muitas vezes não é sinônimo de resultados excelentes, nada vai mudar. Porque, no fim das contas, o que vale mais é o resultado e vencer, não importa como