Foi aos 27 minutos do segundo tempo que Emerson Sheik sacramentou a existência do "dia de São Nunca", como gostavam de anunciar os rivais há anos. Havia quem descrevesse a possibilidade da chegada deste dia também como o fim do mundo. E que momento melhor para conquistar a primeira Libertadores do que no dia 4 de julho de 2012, ano previsto pelo calendário asteca como o verdadeiro fim da humanidade?

A situação não poderia ser mais propícia a conquista do time que jamais chegara a final do campeonato continental em 102 anos de história. Me atrevo a dizer que tudo foi milimetricamente arquitetado pelo destino; não poderia ser, em nada, diferente de como foi.

Me recordo da noite do dia 4 de junho de cinco anos atrás com uma riqueza de detalhes da qual minha memória não costuma me permitir usufruir com frequência. Lembro da camisa que vestia, do lugar em que estava, de quem me fazia companhia ao longo dos 90 minutos mais emocionantes que já tive a oportunidade de vivenciar como torcedora. E, naquela noite, lembro de sentir com intensidade completamente fora do comum a plenitude que a paixão por esse esporte me traz.

A atmosfera que envolvia aquela final, no entanto, começara a instalar-se uma semana antes. O empate corinthiano conquistado pelos pés de Romarinho no fim da partida em La Bombonera trouxera um clima de êxtase a São Paulo. Ainda assim, o bom resultado conquistado fora de casa não aliviava a chata ansiedade que consumia cada torcedor dia após dia até a última partida da final. E era mais do que compreensível reagir assim, ainda mais para um torcedor corinthiano.

O grande dia no entanto, que parecia tão distante, chegou. Uma queima de fogos especialmente preparada para aquele momento no Pacaembu, acompanhada do mosaico com os dizeres "Vai Corinthians" preparava o terreno para o confronto e fazia palpitar com ainda mais força o coração. O apito inicial então partiu do árbitro colombiano Wilmar Roldan, dando início ao fim de forma literal, mas a que fim não estava claro. Seria ao fim das piadas e gozações que atormentavam a história do Corinthians? Seria apenas o fim de mais uma Libertadores para o Boca Juniors, que chegaria ao seu sétimo título?

A resposta ao questionamento mais aflitivo de todos parecia não querer dar as caras. Durante os primeiros minutos de jogo, os argentinos pareciam exercer uma tímida superioridade. Cada toque de bola vindo dos pés de um jogador do Boca me fazia cobrir o rosto completamente tensa, como se aquilo pudesse fazer o lance deixar de existir. A cada erro nosso, no entanto, a reação e a vontade eram as mesmas.

Mas o passar do tempo começava a apresentar uma mudança no equilíbrio do jogo antes mesmo de metade da etapa inicial. Os chutes de fora da área vindos dos pés de Alex e os avanços irreverentes de Sheik me levavam a perder completamente o ar dos pulmões quando seguidos por defesas, e a sensação de que o tempo passava rápido mas também devagar começava a trazer de volta a tensão e o nervosismo iniciais.

Chegamos ao intervalo do jogo ainda com incômodo 0 a 0 que, na verdade, era positivo para nós. O reinício da partida veio a todo gás. Cada ataque equivalia a um berro em protesto a defesas do Boca ou xingamentos, já que manter meu silêncio junto as mãos suadas de nervoso parecia uma tarefa impossível. Mas foi então veio um dos momentos de maior alívio que já conheci na vida.

De uma cobrança de falta que quase deu errado, Emerson Sheik encontrou o gol que abriu o placar daquela noite. A explosão que sentia dentro do peito se exteriorizou em gritos altos e um salto do sofá. Era o momento de maior êxtase e alegria que já sentira; era como tirar o peso do mundo das costas e sentir apenas uma leveza sem fim; era inexplicável.

Já não havia mais como permanecer quieta. O jogo seguiu com uma grande defesa de Cássio, que sagrava-se como um dos heróis da campanha histórica do Corinthians na Libertadores e, em seguida, parecia um pouco mais controlado, sem grandes lances de ataque. As equipes apenas trocavam passes na tentativa de infiltrar-se na defesa uma da outra e, de um erro no meio de campo da equipe argentina, Emerson partiu em uma nova roubada de bola mandada direto para o fundo do gol.

Uma nova explosão. Os gritos e cantos entoados no Pacaembu pareciam reverberar por toda a cidade. Era o fim do sofrimento que parecia nunca acabar.

Não foi necessário esperar o apito final para permitir que as lágrimas de felicidade caíssem e os abraços começassem a ser distribuídos em massa. A magia que envolveu a noite de 4 de julho de 2012 foi - e ainda é - algo que palavras jamais expressarão com exatidão, mas que pode mesmo com o passar dos anos ser relembrada e sentida com a mesma intensidade.

Ao Corinthians de Tite; ao Corinthians de cada jogador que carregou o manto alvinegro; ao Corinthians do povo: muito obrigada por me fazer sentir. Obrigada pela paixão que enraizou em mim desde pequena, pelo sofrimento e por cada dura e merecida conquista. Obrigada por um dos maiores presentes que já ganhei na vida!