É impossível lembrar, ao assistir o Botafogo de 2017, que há pouco tempo a combinação Botafogo e Copa do Brasil não costumava correr bem. A inimizade entre o clube e a competição era tanta que os torcedores brincavam com a existência de uma possível "maldição da Copa do Brasil". Hoje, é um time apelidado de "exterminador de campeões", com um DNA que há anos não se via em General Severiano e com uma cara nova moldada por outra cara nova no cenário brasileiro: Jair Ventura.

É comum no futebol ouvir que quando um treinador escala um time reserva, estes jogadores irão atrás da bola como quem vai atrás de um prato de comida. Eles querem mostrar serviço, mostrar ao técnico que sabem o que estão fazendo a ponto de merecerem entrar mais vezes ou conquistar a titularidade de vez. Foi, em partes, o que aconteceu no casamento de Jair com o Botafogo. Um time sem grandes nomes tomado pela raça e pela vontade de mostrar que eram tão capazes quanto time milionários somado a um técnico que ganhava a oportunidade de comandar o clube em que outrora fora apenas o auxiliar técnico.

Ao ser anunciado no perfil oficial do clube em uma rede social, o primeiro contato entre a torcida alvinegra e Jair não foram amigáveis. Passionais e com a recente memória do trabalho ruim de Eduardo Húngaro, que vinha de um cenário parecido – comandou o sub-20 do alvinegro e assumiu a equipe principal com a saída de Oswaldo de Olveira, em 2014 –, os alvinegros não pouparam críticas à diretoria em escolher um desconhecido para comandar a equipe que havia acabado de voltar para a Série A. Foi diante dessa desconfiança que o treinador de 38 anos escreveu o seu nome e se tornou o guia do fantástico caminho trilhado em 2017.

Jogar três competições simultâneas com um elenco sem grandes peças era o principal desafio para a temporada atual. Diante disso, o técnico precisou estabelecer as suas prioridades: o mata-mata. “Se a gente tiver que poupar, que seja para entrar mais forte na Libertadores e a na Copa do Brasil”, revelou durante uma entrevista coletiva. Estabeleceu um sistema sólido de jogo: a equipe mantém um padrão de jogo independente das peças utilizadas. Construiu um Botafogo com forte marcação e um contra-ataque muito bem formado. Quem entra em campo sabe o que precisa fazer, sabe que faz parte de um time taticamente forte e competitivo. E sabe porque confia e acredita em quem o instruiu.

Competições de mata-mata, em suas basicidades, podem vir a assistir os mais impensáveis resultados. A Copa do Brasil compreende um cenário onde tudo pode acontecer. É o caminho mais fácil para a Libertadores e uma das poucas oportunidades que clubes pequenos têm para aparecer na mídia. Todos estes fatores elevam o nível de dramaticidade das partidas e dão ao técnico a consciência que cada jogo é uma final, cada gol perdido importa - principalmente fora de casa - e cada peça do grupo é essencial para o sucesso da equipe. Para isso, Jair Ventura tem o grupo nas mãos e consegue, mesmo com as improvisações, manter o nível exigido pela competição.

A reciprocidade entre o professor e os alunos

Para chegar a esse patamar de confiança entre os seus comandados, o técnico Jair investiu na meritocracia como um sistema que leva à eficiência. Para ele, o segredo é ser transparente e fazer o jogador entender o que é melhor para o grupo. “Se você perguntar, todo vão vão dizer que merecem a titularidade. Mas você precisa mostrar o motivo do outro estar jogando. Isso é fácil desde que você trate todos com transparência”, explicou durante uma de suas coletivas.

Mais que isso, o treinador não é apenas bom tecnicamente. Se tornou amigo dos jogadores. Após uma derrota em casa, Jair respondeu que não poderia reclamar dos seus atletas mesmo com o resultado negativo. “São 29 finalizações do Botafogo, 67% de posse de bola. Como é que eu posso reclamar dos meus atletas, que foram valentes e lutaram até o final?”. Com esse apoio, o grupo vai com ele.

Além da reciprocidade com os profissionais, o antigo auxiliar técnico se mostrou um treinador que dá espaço para quase todos os atletas das categorias de base. Como trabalha no clube há muito tempo, conhece e viu a evolução dos garotos de General. Marcelo, Igor Rabello, Matheus Fernandes, Leandrinho, Marcelo e Sassá (atualmente no Cruzeiro) são alguns dos jogadores revelados na base do Botafogo e que tiveram oportunidade na Copa do Brasil, sendo Igor Rabello e Matheus Fernandes peças fundamentais para a equipe.

(Foto: Vitor Silva/SS Press/Botafogo FR)
(Foto: Vitor Silva/SS Press/Botafogo FR)

Atuações de gala 

O primeiro jogo das oitavas de final da Copa do Brasil, contra o Sport, no Estádio Nilton Santos, foi memorável. Com um jogador a menos e de virada, o Botafogo garantiu a vitória. O autor dos dois gols alvinegros foi Guilherme, surpresa de Jair Ventura na escalação e motivo de reclamação dos torcedores. O atleta era um dos jogadores que a torcida mais pegava no pé e costumava entrar apenas no segundo tempo para propor velocidade a equipe.

Passando do Sport, o Botafogo foi até Minas Gerais enfrentar um dos times mais ricos do país, o Atlético-MG. No primeiro jogo, o alvinegro perdeu por 1 a 0 e fez um dos 45 minutos mais apáticos da temporada. Durante o primeiro tempo, o goleiro Victor só viu o perigo chegar uma vez: Victor Luís cruzou por baixo, mas Bruno Silva não conseguiu mandar para a rede. Não se sabe como foi a conversa no vestiário, mas Jair tratou de arrumar a casa para o segundo tempo que foi totalmente diferente. Fred foi expulso aos nove minutos e o Botafogo passou a pressionar o Galo e só não guardou porque Fábio Santos salvou.

Na partida de volta, o Botafogo chegava ao Nilton Santos com desvantagem. Precisava fazer dois gols. Fez três em um jogo praticamente perfeito. Após os gols de Roger e Carli, Gilson, que entrou aos 34 minutos do segundo tempo, fez o terceiro para coroar a classificação. Foi nessa partida que o centroavante Roger mostrou que é uma das construções do time com as digitais do Jair. O jogador deixou de ser um nove clássico, encostado em campo, para se transformar em um jogador pronto para ajudar os companheiros. Na partida de volta contra o Atlético-MG fez uma das suas melhores atuações em campo cumprindo esse esquema: ajudou na marcação e recomposição e foi figura importante nos contra-ataques, mesmo sem ter a velocidade como característica principal.  

No jogo dessa quarta (16), contra o Flamengo, Jair Ventura deve ir a campo com Gatito, Luís Ricardo, Joel Carli, Victor Luís, Igor Rabello; Rodrigo Lindoso, Matheus Fernandes, Bruno Silva e João Paulo; Pimpão e Roger. São os prováveis jogadores que entrarão para transmitir os ensinamentos do “professor”. Como dito por Bruno Silva após a vitória contra o Grêmio: "Jair sabe que pode contar com todos" e, desde a diretoria até o mais novo torcedor, todos sabem que podem contar com ele.