A VAVEL Brasil conversou com os gremistas do movimento Tribuna 77, com o apoio da página Grêmio Antifascista, acerca do polêmico episódio ocorrido no dia 18 de março, na Arena do Grêmio, durante o Gre-Nal. Na ocasião, torcedores tricolores foram censurados pela segurança do estádio por levarem faixas em apoio à ex-vereadora do PSOL Marielle Franco, assassinada no dia 14 último. Os guardas alegaram que no local não era permitido fazer tal manifestação.

Além do caso, os integrantes também falaram sobre seu movimento, destacando a importância de torcidas de cunho sociopolítico e da luta social e conscientização dentro do universo futebolístico. "O futebol, desde suas origens, é uma potente ferramenta de inclusão social e conscientização, além de moldar a identidade e contar a história de diversos povos ao longo dos tempos", afirmou o Tribuna 77.

Confira a entrevista na íntegra:

Memória, Identidade e Cultura de Grêmio

A Tribuna 77 é um coletivo multicultural #DIY (Do It Yourself, em inglês. Faça você mesmo, em tradução livre) de torcedores do Grêmio FBPA que se reúne na Arquibancada Superior Norte da Arena. Entre as principais pautas do movimento, estão a redemocratização dos espaços de futebol, o resgate e manutenção do patrimônio histórico e cultural do clube, além do combate ao racismoLGBTfobia, machismomisoginia e todos os tipos de preconceito.

Foto: Divulgação/Tribuna 77
Integrantes do Tribuna 77 na Arquibancada Superior Norte da Arena (Foto: Divulgação/Tribuna 77)

Entrevista:

VAVEL Brasil: Em primeiro lugar, gostaríamos de saber exatamente o que ocorreu na ocasião de domingo, onde vocês foram censurados pela segurança da Arena Grêmio por levarem faixas em homenagem à vereadora do PSOL Marielle Franco.

"Eram 22 minutos do segundo tempo quando os guardas da Arena do Grêmio subiram em nossa direção com uma mensagem clara vindo 'de cima', era da polícia. Pediram para que tirássemos as faixas, em especial a que dizia 'Marielle, Presente', pois era uma manifestação não permitida. Dialogamos alguns minutos e concordamos em baixar as faixas, entregá-las e fazer a retirada no final da partida."

VAVEL Brasil: Algum dos membros da Tribuna 77 foi agredido e/ou ofendido durante o ocorrido?

"Não, em nenhum momento fomos ofendidos e ou agredidos pelos seguranças. A ação foi realizada através do diálogo. Após o término da partida, nos devolveram as faixas prontamente. Porém, a mensagem foi bastante clara: 'a ordem vem de cima, se não resolvermos assim, o BOE subirá'."

VAVEL Brasil: Um episódio similar aconteceu com a torcida Comando Rasta do Cruzeiro, no Mineirão, onde também foram censurados pela segurança local por conta de homenagens a vereadora. O caso serviu como inspiração para vocês realizarem a ação?

"Nós pensamos na necessidade da ação tão logo soubemos do assassinato e o que aquilo representava. Estivemos no ato de POA e já estávamos realizando ações em virtude do #8M e do Dia Mundial Contra a Discriminação Racial. A faixa do 'Comando Rasta', e a retirada por parte da Minas Arena, só reforçou e impulsionou a necessidade de levarmos a homenagem, pois a mensagem estava se multiplicando e precisávamos levantar esta bandeira também em nome de todas as torcidas e coletivos que lutam pela redemocratização dos espaços de futebol no Brasil, e pelo nosso direito de se manifestar, garantido na constituição. Felizmente, com a repercussão do episódio com as nossas faixas [Comando Rasta e Tribuna 77], tivemos uma sucessão de manifestações em estádios por todo o país, sem que houvesse, na maioria dos casos, qualquer tentativa de censura."

Divulgação/Tribuna 77
Foto: Divulgação/Tribuna 77

VAVEL Brasil: Na ocasião, o os seguranças supostamente alegaram que "Ali [no estádio] não era local para protestos políticos". O que vocês têm a dizer sobre tal afirmação, na qual muitas pessoas costumam reproduzir?

"A Tribuna 77 acredita que o futebol é um fenômeno sociocultural e não esta apartado da sociedade. Torcer e ir ao estádio são atos políticos. Amar, então, nestes tempos de ódio, mais. O futebol desde suas origens é uma potente ferramenta de inclusão social e conscientização, além de moldar a identidade e contar a história de diversos povos ao longo dos tempos. O nome Grêmio, por exemplo, em uma rápida reflexão sobre a origem do termo, não é político?
O futebol é imenso, e não é só um jogo. A voz do futebol pertence ao povo."

Curiosamente, no mesmo final de semana onde retiravam as faixas da Comando Rasta e Tribuna 77, na Alemanha era lançada uma campanha de política social com apoio dos clubes, Bundesliga e imprensa contra o racismo e todos os tipos de preconceito, causas que Marielle Franco era ferrenha defensora e doou a vida. Ora, se as Arenas na Alemanha servem de inspiração para a gestão da grande maioria das novas praças esportivas do nosso país, nós, que estamos lutando pela inclusão e pelo fim dos diversos tipos de preconceito, estamos errados e devemos baixar as nossas bandeiras? A resposta é não. E a unidade demonstrada nas ações em homenagem à Marielle são a prova de que juntos podemos começar a mover estas engrenagens através da força do conhecimento, da ação direta e da partilha de informações e vivências."

Foto: Reprodução
Foto: Divulgação/Tribuna 77

VAVEL Brasil: Falando sobre a morte da vereadora, de que forma o lamentável caso ocorrido repercutiu sobre vocês? E qual a sua opinião sobre o "debate ideológico" que ocorre acerca do caso nas redes sociais?

"Repercutiu sobre a Tribuna 77 da mesma forma que refletiu sobre os movimentos humanitários e de diversidade cultural, e de cada ativista que sonha e promove pelas próprias mãos as mudanças necessárias no sistema da sociedade onde vive. Nosso sentimento era o mesmo da grande maioria que entendeu prontamente o que aconteceu com a Marielle. Mulher, negra, lésbica e favelada, ela atuava dia a dia para diminuir as desigualdades sociais, mas acima de tudo, lutava pela segurança daqueles que estavam na mira de uma política de destruição do Brasil e de suas conquistas. Algumas versões até associam a morte de Marielle ao golpe em curso, o que não está totalmente equivocado, já que usam a intervenção militar no Rio para auxiliar na estratégia de derrubada da democracia. Mas não podemos deixar de levar em consideração que negros e negras morrem todos os dias vítimas de racismo, ou melhor, de ódio de raça, pra sermos mais exatos. E nada mais próprio para "dar um recado" do que executar uma mulher que representa todo um povo sofrido e marcado pela história de discriminação racial que existe desde sempre no nosso país. Além é claro, do enfrentamento dela às políticas da cultura patriarcal e misógina onde mulheres são objetos, esposas, mulheres do lar ou simplesmente mulheres. Antes de morrer, Marielle particiou de uma reunião em um projeto que tinha como nome: Jovens Negras Movendo as Estruturas. Ora, como assim? Como pode uma mulher como Marielle querer mover as estruturas de uma sociedade dominada pelos homens, pelo capital e seus aliados e ainda por cima com jovens negras? Foi obviamente um recado: não desçam do morro. Não se manifestem, porque vocês vão morrer.

Quanto ao 'debate ideológico' criado nas redes, só podemos dizer que isso não é um debate ideológico. O que houve, foi uma grande mídia a serviço desse capital que tratou de carregar a mensagem com elementos que só aumentam mais o ódio de classe, de raça e de gênero. Dizer que Marielle morreu pelas mãos daqueles que ela defendia foi a demonstração mais covarde de seus executores. Marielle morreu defendendo seu povo e sua crença. E estará pra sempre viva entre nós."

Foto: Reprodução
Foto: Divulgação/Tribuna 77

VAVEL Brasil: Recentemente, o movimento Botafogo Antifascista foi responsável por organizar um evento nas redes sociais de um grande protesto em homenagem a vereadora, que levou milhares de pessoas às ruas no Centro do Rio de Janeiro. Em sua análise, qual o papel das torcidas antifascistas e de cunho político-social na conscientização, mobilização e formação da opinião popular?

"O projeto de higienização proposto através da construção das novas Arenas, com ingressos caros, criminalização dos movimentos urbanos de torcida, e uma série de fatores que acabam atuando como agentes excludentes, como a biometria, tem um recado claro mas até agora pouco captado pelo público em geral: enquanto torcidas, agrupamentos, dirigentes, personalidades, representantes e etc, seguirem 'resolvendo as coisas' no 'velho estilo', seguirão sendo a própria mão de ferro do futebol moderno. E aí vem o grande mérito das torcidas, coletivos e movimentos com ideologia antifascista que estão em plena ascensão em nosso país: a politização e o uso da linguagem como aliados fundamentais neste processo lento de mudança cultural e desabrochar de consciência mais do que necessário para que estejamos aptos a dar inicio a redemocratização destes espaços.

O recado que Marielle deixou aos amantes do futebol e em especial aos novos agrupamentos de torcedores é imenso como as causas que defendia: no sobe e desce da arquibancada, no entra e sai da catraca, qualquer movimento deve ser pautado pela democracia. Cantem, se expressem, sejam pessoas melhores e transformem as pessoas, façam com que um outro futebol seja possível. E este novo futebol só será possível quando a força deste canto ganhar novamente as ruas em conjunto com outros tantos movimentos, de mãos dadas por novos dias. Nowtopias.

As torcidas estão nas ruas e arquibancadas de todo o Brasil uníssonas por uma causa em comum, honrar a memória de uma mulher negra, cria da favela, mulher de luta e muita representatividade, e isso por si só, já esta movendo as estruturas. #MariellePresente"

Foto: Ducker.com.br
Foto: Divulgação/Tribuna 77

VAVEL Brasil: Algum caso de censura, dentro ou fora dos estádios, já aconteceu com vocês antes do de domingo?

"Não, a torcida do Grêmio é receptiva para com as nossas ações e a Tribuna 77 vem sendo cada vez mais compreendida, respeitada e admirada, tanto na arquibancada como internamente, na esfera política do clube. Grande prova disso foi o pronto respaldo do presidente Romildo Bolzan e o seu total empenho na apuração dos fatos. E é bom que se frise, o clube Grêmio FBPA, através da sua direção, em nada teve a ver com a ordem de retirada da faixa. Temos recebido diversas manifestações involuntárias de torcedores, dirigentes, grupos políticos e colaboradores, todos honrados e solidários ao caso. Eventuais discursos vazios e cheios de ódio, assim como ações isoladas, não representam em nada a torcida e a grandeza da instituição Grêmio FBPA."

VAVEL Brasil: Tendo em vista que esse é um assunto que se continuará pertinente durante muito tempo, e mesmo com a "proibição", vocês pretendem repetir o gesto nos próximos jogos?

"A Tribuna 77 sempre se manifestou na arquibancada e fora dela sem nenhum tipo de problema e ou censura, queremos acreditar que o episódio do último clássico Gre-Nal 414 não se repetirá, e sendo assim, é natural que sigamos nos manifestando sobre os temas que nos tocam pertinentes, incluso sobre a Marielle. Uma das principais inspirações do nosso movimento, o eterno patrono Hélio Dourado, era um grande humanista. O combate ao preconceito e o respeito as diferenças, são predicados vivos na história e na escola do Grêmio FBPA, e nós saberemos honrar."