O Fluminense realizou nesta quarta-feira (24) a primeira coletiva desde o retorno aos treinamentos, na última sexta-feira (19). O escolhido foi o volante Hudson. Inclusive, a entrevista ocorreu através de uma videoconferência, com o jogador usando máscara e seguindo todos os protocolos de higiene.

Hudson criticou a volta dos jogos, já que os números de contaminados pelo novo coronavírus segue aumentando. E ainda definiu como “sem humanidade” uma partida ocorrer no Maracanã, no momento em que há um hospital de campanha ao lado. Vale lembrar que, após decisão do STJD, o Tricolor volta a campo no próximo domingo (28), contra o Volta Redonda. A princípio, a partida será no Maracanã.

É lógico que é muito difícil jogarmos futebol, que é o esporte do país, que comove o país inteiro, que é a paixão de milhares de torcedores que vivem por isso e parecer que não está acontecendo nada lá fora. O maior exemplo disso é o Maracanã, que tem um hospital de campanha dentro do complexo e a gente fazer um gol e ter uma pessoa morrendo do lado. Isso é, no mínimo, estranho, sem humanidade. É não pensar no próximo” disse Hudson.

E completou falando sobre possíveis interesses internos e externos neste retorno.

A gente tem noção das coisas quando acontece perto da gente, com um familiar, com um parente próximo, e talvez as pessoas responsáveis por toda a programação, pelo calendário, não estejam agindo com a maior humanidade possível, estejam agindo por interesses externos e internos. Infelizmente, como jogadores de futebol, teremos que superar tudo isso para poder estar em campo e performar em alto rendimento”.

Os jogadores do Fluminense publicaram em suas redes sociais um manifesto contra o retorno dos jogos. Além das questões de saúde, segundo eles, a volta com pouco tempo de preparação, aumenta o risco de lesões. Hudson afirmou que a atitude partiu dos próprios atletas.

Partiu da gente esse manifesto. Claro que nossa maior preocupação possível é com as pessoas que estão morrendo, nos hospitais, mas também com nossa capacidade física, com a probabilidade muito maior de se lesionar em uma partida. Em um jogo não tem como se poupar, tem que dar o máximo sempre e isso exige muito fisicamente, principalmente no futebol de hoje em dia, que é muito mais físico que antigamente”.

Hudson ressaltou que estão há mais de três meses parados e com o corpo ainda se adaptando à bola, ao gramado e às outras situações de um treino presencial. Segundo o volante, é um desgaste necessário, mas que irão superar.

Na nossa pré-temporada, que ficamos 30 dias de férias, na primeira semana tivemos várias lesões musculares. Então imagina ficar mais de 90 dias e ter que voltar em dez? Isso agora, porque ainda queriam que voltássemos antes. É um desgaste completamente desnecessário, para que o bom senso prevaleça em tudo que é o melhor para todo mundo. Dez dias ainda é pouco, não há como negar, mas teremos que superar, mais uma vez”.

Ainda sobre o retorno ou não dos jogos, Hudson afirmou que Flamengo e Vasco deveriam dar o exemplo. E voltou a falar em fatores externos para a volta do futebol. No entanto, não quis se alongar para não causar polêmicas. Além disso, citou a necessidade financeira dos clubes pequenos.

Não tem só Flamengo e Vasco. Tem clubes pequenos que precisam do futebol mais ainda do que os grandes para se manterem. É a oportunidade dos jogadores para se mostrar, conseguir contratos para o segundo semestre. Flamengo e Vasco são grandes equipes do futebol brasileiro, deveriam dar o exemplo de um posicionamento em que vemos alguns favorecimentos já acontecendo na parte externa, que não vou me alongar muito aqui, não cabe a mim. Eu me preocupo muito com o futebol em si e as partes externas elas têm que ser resolvidas externamente e eu tenho que me preocupar em performar. Mas tenho uma opinião muito bem formada que, confesso às vezes, não detalhar, explicar muito, para que não venha a polemizar mais do que já está sendo polêmico o futebol brasileiro neste momento”.

Sobre a volta aos jogos, o volante definiu a volta como “completamente inusitada”. E citou a importância do fator psicológico, já que o país vive uma situação de calamidade pública e os jogadores ainda precisam entrar em campo e ter um bom rendimento.

Tempo de preparação curtíssimo após mais de três meses parado. Temos que superar tudo isso e procurar fazer o melhor jogo possível e honrar a camisa do Fluminense, o trabalho que nosso presidente tem feito, que está nos dando orgulho. É uma situação inusitada, que temos que superar”.

Mesmo em segundo lugar no número de casos de coronavírus no Brasil, o Rio de Janeiro é o primeiro estado a retornar os jogos. Segundo Hudson, isso pode atrapalhar as equipes no Campeonato Brasileiro. Afinal, o Campeonato Carioca deve terminar muito antes e isso poderá prejudicar o ritmo de jogo da equipe.

Podemos ficar esse mesmo período sem jogos, o que traz dificuldade em ritmo de jogo, sequência, padrão tático/técnico da equipe. O time com ritmo de jogo e sequência tem tendência em desempenhar melhor. Ficamos meio sem entender essa pressa com essa volta tão precoce, no momento em que se atinge o segundo maior número de mortes no Brasil. Mas estamos aqui para cumprir nossas obrigações. Estou louco para voltar a jogar, mas é um momento que poderíamos esperar um pouco mais”.

Em relação a uma possível influência do presidente do Fluminense, Mário Bittencourt, no manifesto publicado pelos jogadores, o volante ressaltou que a decisão foi dos atletas, que acharam importante ter um posicionamento. E que o manifesto foi pensando na condição física e preparação dos mesmos.

Porque quando tivermos dentro de campo, seremos cobrados de igual forma, não vai ter “ah, é momento de adaptação”. O jogador tem que render em alto nível, então nossa preocupação é essa, de em um momento como esse sequer termos a possibilidade de termos uma preparação devida, como todo profissional deve ter em todo ramo de trabalho”.

Hudson aproveitou para elogiar o mandatário do Tricolor:

Eu tenho 32 anos e, na minha carreira, já joguei por vários clubes. Não tinha conhecido um presidente tão transparente e tão preocupado com o que os atletas pensam, com a instituição, com os torcedores… Ele é um cara que trabalha exclusivamente para o Fluminense, não pensa em fatores externos, em qualquer tipo de favorecimento a terceiros. Ele pensa o que é melhor para o Fluminense e para o futebol brasileiro. Nós, jogadores, com nosso entendimento, conseguimos perceber isso muito bem”.

Apesar da indignação, Hudson contou que os jogadores ainda não programaram nenhum tipo de protesto antes do jogo. Além disso, reforçou, mais vez, que é cedo para voltar a jogar e que o manifesto expôs o pensamento de todos os jogadores da equipe.

Foi a decisão mais importante dos jogadores, de se posicionar, de saber o que um atleta pensa. Importante também lembrar que é um momento em que estamos muito preocupados em nos preparar fisicamente, ter contato com a bola, tático, técnico… O Odair tem muita coisa para passar para relembrarmos. Estamos focados nisso esses dias nesse tempo tão curto, para estarmos o melhor possível no dia do jogo”.

Quando questionado sobre a porcentagem que o Fluminense entrará em campo no domingo, o jogador não soube definir. Já que, apesar do período de treinos em casa, cada jogador tinha uma condição de treino. Logo, cada um está em uma forma física diferente.

É uma incógnita como o Fluminense performará em questões físicas, quem aguentará mais, quem aguentará menos. Em dez dias não dá para ter uma base física que iguale todos os jogadores de maneira homogênea. É uma boa pergunta, mas que só terá resposta após o jogo”.

Diante do atual cenário, Hudson contou que, quando entram em campo para treinar, os jogadores procuram esquecer os fatores externos. Assim como acontece nos jogos. Entretanto, afirmou que essa indecisão em relação ao retorno, prejudica o trabalho da comissão técnica.

Por exemplo, se há um jogo daqui a dois dias, deve-se baixar a carga de treino, para que o atleta esteja 100%, mas se for daqui a cinco dias, pode pegar mais pesado. São coisas que variam e que, claro, prejudicam a preparação. Sabemos que é uma readaptação. Não tem como ser tudo perfeito, tudo normal como poderia ser”.

Hudson voltou a elogiar Mário Bittencourt, que, segundo ele, é um cara consciente e se posiciona muito bem como responsável pela instituição. E também revelou que conversa com jogadores de outros clubes e o posicionamento dos estados, diretores, jogadores, é que tem que ser uma volta gradual, sem pressa.

Na minha visão, o futebol está voltando com tanta pressa por causa de diversos interesses internos e externos. Só não enxerga quem não quer, mas temos que conviver com isso. Tenho um contrato com o Fluminense que tenho que cumprir, tenho que jogar bola, em alto rendimento. Mas como jogador, de uma instituição do tamanho do Fluminense, tenho que expor minha opinião e deixar claro o que penso o que é melhor para mim, para o clube e para o futebol. E essa precocidade na volta, para mim, não é o melhor, não é o momento oportuno para isso. Teria que ser uma volta com mais calma”.

Durante a segunda testagem de jogadores e funcionários, um atleta testou positivo para o novo coronavírus. No entanto, ele não teve seu nome divulgado. Hudson falou sobre o estado de saúde do jogador.

Em relação ao atleta que está com Covid-19, se recuperando, por uma forma ética achamos melhor não falarmos sobre quem seja. Ele já está se recuperando e logo, logo estará entre nós”.

Mesmo com a volta dos jogos, ainda será sem torcida. Hudson ressaltou o contraste entre o esporte, que é tão alegre, e o momento do país, com mortes e hospitais cheios. E afirmou que o futebol de hoje já é uma luta psicológica. E que no momento atual a preparação é ainda maior.

Hoje em dia nos preparamos muito para dar uma entrevista, porque tudo que falamos pode gerar dois sentidos ou até mais. Agora imagine um jogo de futebol em um momento tão difícil, em que o país está tentando se reerguer, abaixar a curva de contaminação e mortes e voltarmos a fazer uma coisa normal no dia a dia, sendo que nada está normal lá fora”.

Hudson finalizou elogiando a torcida e a união com o clube e os jogadores. Segundo ele, o Fluminense, em um todo, está sendo exemplo e que será lembrado pelo seu posicionamento. Contou também que recebe mensagens de apoio dos torcedores nas redes sociais.

Eles têm dado exemplo de abraçar o clube em um momento difícil não só para o clube, mas para todos. Estão se esforçando ao máximo para ajudarem o clube a honrar os compromissos. É exemplar a atuação da torcida. Isso nos motiva ainda mais, nos dá alegria de poder voltar a jogar futebol. É uma torcida que merece o melhor do Fluminense e é por isso que estamos brigando, a diretoria está brigando e brigaremos dentro do campo” encerrou.