Longe da beira dos gramados há mais de seis meses, o treinador Ney Barreto vem acompanhando com atenção as manifestações antirracistas de esportistas de várias modalidades que acontecem pelo mundo. Aos 43 anos, Ney é um dos poucos treinadores pretos em atividade no país e não se omite quando o debate envolve questões raciais no esporte. 

Em entrevista à VAVEL Brasil, Ney destacou o protesto antirracista acontecido na Nascar, em junho, em torno do piloto Bubba Wallace, e classificou o britânico Lewis Hamilton como um dos grandes expoentes da luta contra o racismo no esporte na atualidade. O treinador falou também sobre repercussão do movimento “Vidas Negras Importam”, iniciado após o assassinato do americano George Floyd, em uma ação policia. 

“Quando colocam que ‘vidas negras importam’, sempre vem alguém falando que todas as vidas importam. Isso é óbvio, todas as vidas importam. Mas a vida negra nunca importou de uma maneira geral. Foi de escravo à favelado, o maior número de jovens assassinados é de negros. Então, não dá pra gente fechar os olhos”, explicou Ney. 

Questionado sobre o posicionamento dos clubes e de atletas do futebol no Brasil, Ney enfatizou também os obstáculos enfrentados pelos profissionais envolvidos no esporte para se manifestar pela causa antirracista. 

“Os clubes precisam realmente se manifestar, se mostrar contra (o racismo). Não concordo quando dizem que o atleta é um alienado. Não é. O atleta tem suas posições políticas. Mas, muitas vezes, evitam se posicionar porque as pessoas entendem da maneira errada. Falam que é mimimi. Mas, a gente sabe que não é bem assim.", ressaltou. 

Ney Barreto pode ser considerado um ponto fora da curva nas estatísticas e no quesito representatividade negra, considerando o universo de treinadores do futebol brasileiro. Atualmente, entre os times da Série A do Campeonato Brasileiro, apenas um entre 20 treinadores é preto: Roger Machado, no Bahia. Pelo Campeonato Carioca 2020, apenas Edson de Souza, pelo Resende, entre os 12 profissionais que iniciaram a competição, era negro. 

“Os números falam por si só. Se você pega o número de atletas que existem no futebol brasileiro, em porcentagem, você vai ver que tem pelo menos 50% de negros. E aí quando você traz isso pra uma realidade de treinadores e gestores de clube, é um número pequeno. E aí, cabe à sociedade futebolística pensar: “será que o negro não é competente o suficiente pra isso?”, questionou Ney.  

O treinador iniciou a trajetória em escolinhas de futebol pelo Rio de Janeiro. Em 2017, chegou ao América-RJ como auxiliar-técnico de Lucho Nizzo. Passou, posteriormente, a treinar a equipe sub-20 do clube, obtendo bons resultados. Em 2019, chegou à equipe principal e se destacou, levando o clube ao vice campeonato da série B1 do estadual. Após a eliminação na seletiva, Ney foi desligado do América e aguarda uma nova oportunidade no futebol. 

Além dos resultados em 2019, ele lembra que também ajudou a lapidar atletas que ganharam destaque nesta temporada: Pedrinho, titular na equipe campeã da Taça Independência, pelo Volta Redonda, e Matheus Babi, um dos goleadores do campeonato pelo Macaé, transferido para o Botafogo em 2020. “São jogadores que procuramos posicionar e direcionar. Têm muita qualidade”, comentou. 

Adepto do estilo de jogo de Pep Guardiola e Jürgen Klopp, ele destacou as variações táticas do atual time do Bayern de Munique e o futebol jogado pelo clube inglês Wolverthempton, do português Nuno Espírito Santo. Frequentador assíduo das ‘lives’ durante a pandemia, Ney vem buscando atualizações e trocas de experiências com outros treinadores 

“Estudando e esperando alguns convites. Não quero esperar para o ano que vem. Estou aqui pronto, esperando o telefone tocar. Procuramos sempre botar um time pra frente, um time artilheiro. Me sinto preparado, feliz e com toda energia para poder ajudar o próximo clube nos objetivos”, concluiu Ney Barreto.