Maior campeão da Copa do Mundo e conhecido pelo senso comum como "País do futebol", o Brasil conta com 662 times profissionais de futebol registrados nas 27 federações futebolísticas (26 Estados + Distrito Federal) espalhadas pelo seu território. Divulgado pelo portal Terra no início deste ano, o número abrange os participantes dos mais variados escalões dos Campeonatos Estaduais. Levando em consideração que apenas 128 clubes disputam as quatro divisões do Campeonato Brasileiro (20 na Série A, 20 na Série B, 20 na Série C e 68 na Série D), chegamos à assustadora conclusão de que 534 plantéis não têm calendário garantido para o ano todo.

De acordo com o Terra, os Estados com mais equipes filiadas são Rio de Janeiro e São Paulo, com 87 e 86, respectivamente. Em terceiro vem o Rio Grande do Sul, já com um número bem menor: 39. Atràs vêm Minas Gerais (38), Ceará (37), Paraná (36), Santa Catarina (26), Goiás (24), Tocantins (24), Bahia (22), Sergipe (22), Pernambuco (21), Distrito Federal (21), Paraíba (20), Pará (19), Espírito Santo (18), Mato Grosso do Sul (16), Alagoas (15), Mato Grosso (14), Acre (14), Rio Grande do Norte (13), Amazonas (12), Piauí (11) e Maranhão (10). As três unidades federativas com menos clubes ativos são Rondônia, Amapá e Roraima: oito, cinco e quatro times, nesta ordem. Pois é, os Campeonatos Rondoniense, Amapaense e Roraimense têm apenas uma divisão.

É inevitável, nestas horas, citar o exemplo da Inglaterra. De acordo com a Federação Inglesa, o futebol da Terra da Rainha é organizado em mais de 20 divisões e tem aproximadamente 7 mil times federados, entre profissionais, semiprofissionais e amadores. E o mais importante: as agremiações ficam ativas durante toda a temporada.

Tamanha comparação entre o Brasil, país de dimensões continentais, e a Inglaterra, de território minúsculo, deixa-nos com uma pulga atrás da orelha, não é?!

Enquanto apenas 96 clubes estão ativos no cenário nacional, a CBF bate recorde de faturamento com a Seleção Brasileira

O presidente da CBF, Marco Polo Del Nero (Foto: Buda Mendes/Getty Images)

No final de semana passado, entre os dias 24 e 25 de junho, foi realizada a última rodada da fase de grupos da Série D. Dos 68 participantes, 32 ficaram pelo caminho; e agora sobraram 36. Isto significa que apenas 96 equipes estão ativas no calendário do futebol nacional antes do final do primeiro semestre!

Já passou da hora da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) repensar a pirâmide do futebol nacional, bem como o calendário, e utilizar sua saúde financeira em prol de seus filiados. Em suma, para atender aos interesses dos clubes. Também é importante tratar todos de maneira isonômica, profissional e justa.

Em assembleia geral realizada em abril, o carro-chefe do futebol brasileiro anunciou que fechou o ano de 2016 com faturamento de R$ 647 milhões, o maior de toda a sua história, e superávit de R$ 44 milhões. Em 2015, o faturamento foi de R$ 519 milhões; o superávit, de R$ 72 milhões.

De acordo com o Globoesporte.com, a Confederação Brasileira de Futebol explicou que a queda de superávit se deve à variação cambial. Os contratos de patrocínio e os lucros da Seleção Brasileira são em dólar, detalhou a organização.

Ainda segundo o GE, a maior parte da grana dos cofres da CBF vem dos patrocinadores da Canarinho. Mesmo tendo perdido parceiros em 2016, a Confederação fechou contratos com valores maiores no ano. Nesse quesito, o ganho foi de R$ 411 milhões, contra os R$ 339 milhões de 2015.

E não para por aí. Mais recentemente, no final de junho, a ESPN Brasil revelou que a CBF distribuiu Camaros amarelos aos 20 clubes da Série A 2017. Conforme apurou a emissora, os veículos tiveram destinos diferentes, como passeios de cartolas, adaptação para uso em eventos com sócios e até devolução e abandono. Procurada, a Confederação disse que os presentes foram uma ação da Chevrolet, patrocinadora master do Brasileirão até o início deste ano. Em uma rápida consulta ao site da montadora, podemos perceber que um Camaro custa mais de R$ 300 mil. Enquanto há clubes cuja glória é se manter ativo, existem outros que "tiram onda" de Camaro amarelo.

Com tanto dinheiro, há condições, sim, de fazer um Campeonato Brasileiro mais amplo (ou seja, com mais divisões, mais times; até seria viável ampliar as Séries C e D, por que não?); de deixar os clubes ativos o ano todo; de empregar muita gente; de readequar o calendário do futebol nacional e a pirâmide do Brasileirão; de bancar as viagens das equipes.

Até existiu um grupo com essa finalidade: o Bom Senso FC, movimento que reunia jogadores do Brasil todo e durou de 2013 a 2016. Entre as pautas estava a criação de uma Série E, a qual reuniria os demais clubes excluídos das divisões nacionais e seria regionalizada em suas fases iniciais. Mas a CBF sequer discutiu essa possibilidade. Nem o BSFC foi capaz de seguir adiante na luta. "Falta de recursos, tanto financeiro quanto humano" encerraram o grupo, admitiu o diretor do extinto Bom Senso, Enrico Ambrogini, ao diário Lance! em julho de 2016.

"Quando fomos conversar sobre calendário com a CBF, foi surreal. Não havia diálogo possível", revelou o gerente-executivo da Universidade do Futebol, Eduardo Tega, ao jornal Zero Hora em janeiro deste ano. A Universidade do Futebol, conforme a VAVEL Brasil contou no último mês de dezembro, em reportagem especial sobre a evolução tática no futebol, pesquisa o esporte e propõe, através de cursos de especialização, mudanças no ato de pensar, planejar e executar o futebol,

A difícil realidade de quem é esquecido pelas federações estaduais e pela CBF

Localizado em Santa Bárbara do Oeste, interior de São Paulo, o Estádio Antônio Lins Ribeiro Guimarães é a casa do União Barbarense, clube que já foi campeão da Série C, jogou Série B e hoje está sem divisão no Campeonato Brasileiro (Foto: Natália Furlan/VAVEL Brasil)

Enquanto a CBF nada em seus milhões de reais, muitos clubes vivem à mercê das federações estaduais e de competições com pouca visibilidade e de curta duração - e vários outros se licenciam ou fecham as partes. Mergulhadas em prejuízos, os quais se transformam numa bola de neve maior a cada ano, e imersas numa estrutura sucateada, sem as condições adequadas para um bom trabalho de categorias de base e para a prática do futebol profissional, essas agremiações, através de seus empregados e seus adeptos, pedem socorro. E as federações, por sua vez, não se mostram capazes de recuperar o prestígio de seus campeonatos.

Torcedora do União Agrícola Barbarense, equipe que neste ano foi a lanterna da Série A-2 do Campeonato Paulista e acabou rebaixada à Série A-3, e repórter da Rádio Luzes da Ribalta, de Santa Bárbara do Oeste/SP, e da VAVEL Brasil, Natália Furlan relata que o Leão da 13 encerrou suas atividades em maio porque não teve condições de disputar a Copa Paulista neste segundo semestre. "O União Barbarense depende financeiramente da cota da Federação Paulista de Futebol, sendo que 60% dela está bloqueada por conta de processos trabalhistas que acarretaram na penhora do estádio. Depende, também, da renda dos jogos, porém o público nas partidas tem sido muito baixo. A média na última Série A-2 não chegou a mil pessoas", conta a unionista. "Ter, no máximo, cinco meses de atividade no calendário acarreta na formação de um elenco diferente para cada temporada. A FPF só ajuda financeiramente na época do Paulistão. O clube não tem condições de bancar salários de jogadores por um ano e tende a acumular mais dívidas com tantos desmanches e montagens de elencos", completa.

Para Natália, ter um calendário a nível nacional garantido para os dois semestres do ano seria importante para atrair público aos jogos e investimento de empresários para o clube. "A última vez que o União participou do Campeonato Brasileiro foi em 2006, quando jogou a Série C como rebaixado da Série B 2005. O time não disputa a Copa Paulista há dois anos. Em 2015, na última participação, jogou com salários atrasados", relembra.

As entidades controladoras do futebol deveriam dar mais atenção aos clubes, especialmente os de menor apelo, atesta a comunicadora. "Falta incentivo das entidades maiores na questão de dar o mínimo de condições financeiras para os clubes saldarem as dívidas ocasionadas por más gestões, se reestruturarem e se estabilizarem. Falta um maior respaldo por parte das federações. A disparidade entre os clubes grandes e os clubes menores perante a CBF é gigantesca", comenta.

Assim como o União Barbarense, campeão da Série C em 2004, muitos outros times tradicionais e relevantes no cenário regional e/ou nacional estão inativos no Brasileirão. Central de Caruaru, América-PEItabaiana, Sergipe, Coruripe, MuriciGuarani de Juazeiro, São Raimundo-PAPortuguesa de Desportos, Ituano, XV de PiracicabaCaldense, AnápolisNovo Hamburgo e Bangu foram eliminados precocemente na Série D. Caxias, Treze, America-RJ, Ferroviário-CE, Porto-PE, Ypiranga-PE, Centro Limoeirense, PetrolinaImperatriz-MA, IcasaBrasiliense, Gama, Anapolina, Operário-MS, Mixto, Operário-MTNacional-AMSão Raimundo-AM, Rio Branco-ES, Serra-ESPaulista de Jundiaí, Comercial de Ribeirão PretoMarília, Santo AndréSão Caetano, entre tantos outros, estão sem divisão.

Centro Limoeirense 0 x 0 Flamengo de Arcoverde, partida da Série A-2 do Campeonato Pernambucano 2016 (Foto: Luís Francisco Prates/VAVEL Brasil)

Hoje integrantes da Série C, CSA, Moto Club, Botafogo de Ribeirão Preto e Remo ficaram sem divisão recentemente. Noutra época não muito distante, o Santa Cruz, hoje na segunda divisão brasileira, teve seu segundo semestre resumido à extinta Copa Pernambuco por ter caído logo na primeira fase da Série D.

Na quarta divisão, América-RNCampinense, Guarany de SobralFluminense de Feira de Santana, MaranhãoRio Branco-AC, Aparecidense, Comercial-MSVilla Nova-MG, Portuguesa-RJDesportiva-ES, Operário-PR e Metropolitano-SC estão entre os clubes os quais seguem vivos na luta para ter calendário garantido até o segundo semestre de 2018.

Em coluna no portal Futebol Interior, o educador físico André Chita, que tem experiência em comissão técnica e categorias de base, desabafou e trouxe à tona a urgente necessidade de debater o calendário e a pirâmide do futebol brasileiro. "Não é digno trabalhar dois, três ou até seis meses no ano. As contas a pagar chegam todo mês e a dignidade humana é irrenunciável", afirma.

"O desemprego é geral para muitos pais de família. Técnicos, auxiliares, preparadores físicos e milhares de jogadores. Até bilheteiros, pipoqueiros, lavadeiras, sorveteiros, gandulas,,,", prossegue André. "Vou continuar lutando para mudar esta realidade. É preciso de apoio, sim", completa.

Em reportagem veiculada em março de 2016, a ESPN Brasil divulgou que 82,4% dos jogadores profissionais de futebol do Brasil (em números absolutos, 28.203 atletas) ganham até R$ 1.000,00 de salário, enquanto 13,68% (3.859) recebem entre R$ 1.000,01 e R$ 5 mil. Os 3,62% restantes são uma elite minoritária: 381 jogadores ganham de R$ 5.000,01 a R$ 10 mil. 499 recebem entre R$ 10.000,01  e R$ 50 mil mensalmente; 112 são remunerados de R$ 50.000,01 a R$ 100 mil78 têm salário entre R$ 100.000,01 e R$ 200 mil; a remuneração de 35 jogadores está entre R$ 200.000,01 e R$ 500 mil; e apenas um recebe mais de R$ 500 mil. Os dados, os quais levam em conta apenas o salário em carteira assinada (ou seja, sem os direitos de imagens), são da Diretoria de Registros da CBF.

Ainda segundo a publicação, 776 clubes profissionais estavam registrados no Brasil em 2015. Ou seja, de lá para cá, o número de agremiações federadas diminuiu aproximadamente 15%. Dado preocupante, mas ignorado pela entidade máxima do futebol pentacampeão mundial.