Mineirão lotado, torcida alvinegra pulsando na arquibancada, gramado tomado por crianças e profissionais da imprensa. De um lado, o Atlético-MG de Toninho Cerezo, que entra em campo pela última vez como jogador profissional. Do outro, o poderoso Milan de Paolo Maldini e George Weah. O árbitro Lincoln Afonso Bicalho soa o apito, e a bola rola no Gigante da Pampulha.

Há 20 anos, Atlético-MG e Milan protagonizaram um inesquecível empate por 2 a 2 em BH. O torneio responsável por colocar o Galo diante do Diavolo foi a Copa Centenário de Belo Horizonte, elaborado pela FMF (Federação Mineira de Futebol), com respaldo da PBH (Prefeitura de Belo Horizonte) e de meios de comunicação, para celebrar o 100º aniversário da capital mineira.

Além de Atlético-MG e Milan, a competição reuniu outros seis times: América-MG, Benfica (POR), Corinthians, Cruzeiro, Flamengo e Olimpia (PAR). As equipes foram divididas em dois grupos, de modo que América, Atlético, Corinthians e Milan ficaram na chave A, enquanto Benfica, Cruzeiro, Flamengo e Olimpia ocuparam a chave B.

Donos das melhores campanhas na primeira fase, Atlético-MG (dois empates e uma vitória) e Cruzeiro (três triunfos) se classificaram à final, e o Galo levou a melhor, vencendo o arquirrival por 2 a 1. Mas, título à parte, um dos jogos mais memoráveis daquela Copa Centenário de BH foi Galo e Milan. Sobretudo para o torcedor atleticano, que pôde ver o ídolo Toninho Cerezo entrar em campo pela última vez como jogador e ainda vibrou com o gol de empate, marcado pelo ex-meio-campista Hernani, aos 47 minutos do segundo tempo.

Milan domina primeiro tempo, mas sucumbe no segundo e vê Galo empatar

Weah volta ao campo defensivo após marcar seu segundo gol (Foto: Osmar Ladeia/Especial à VAVEL Brasil)
Weah volta ao campo defensivo após marcar seu segundo gol (Foto: Osmar Ladeia/Especial à VAVEL Brasil)

Na etapa inicial, o implacável George Weah, melhor jogador do mundo pela Fifa dois anos antes, foi às redes duas vezes. No primeiro gol, o liberiano passou por três marcadores e, com o bico da chuteira, colocou no canto esquerdo de Taffarel. Um golaço. Já o segundo tento não teve a categoria do anterior, mas o camisa 14 precisou ganhar do zagueiro Sandro em jogada aérea para completar o cruzamento de André Cruz.

Um parêntese: logo depois de Weah anotar seu primeiro gol no Gigante da Pampulha, Toninho Cerezo deixara o campo ovacionado pela torcida. Recebera os cumprimentos de Paolo Maldini, Dejan Savicevic e Ibrahim Ba, dera lugar a Almir e fora sufocado por uma multidão de repórteres e cinegrafistas.

Cerezo deixa o campo pela última vez (Foto: Osmar Ladeia/Especial à VAVEL Brasil)
Toninho Cerezo deixa o campo pela última vez (Foto: Osmar Ladeia/Especial à VAVEL Brasil)

Sabe o que não conseguia sair da memória? Estava imaginando ex-jogadores que eu joguei, amigos em campo... Por incrível que pareça, eu queria concentrar na partida. É uma coisa incrível”, disse Cerezo logo após sair de campo e antes de dar uma volta olímpica no estádio.

O gigante de Milão, entretanto, diminuiu o ritmo no segundo tempo, já que era época de pré-temporada para os times europeus, e o Galo buscou o empate. Aos 37 minutos do segundo tempo, o meia Jorginho pegou sobra de bola e, da intermediária, soltou um petardo, sem chances para o arqueiro Massimo Taibi. No último minuto de partida, Dedimar alçou bola para a área, Hernani surgiu como um raio e testou para o fundo das redes. Os torcedores ficaram extasiados com o tento e começaram a entoar gritos de “ah, eu tô maluco!” em sequência.

Um jogo reservado na história do futebol

Este jogo entre Atlético e Milan tem um lugar especial na história”. A declaração é do jornalista Leonardo Bertozzi, da ESPN Brasil. Atleticano e acompanhante assíduo do futebol italiano, o mineiro contou à reportagem que se arrepende por não ter ido ao Mineirão naquela tarde de 2 de agosto de 1997.

Tinha acabado de voltar de uma viagem longa para a Itália e preferi passar o fim de semana com uma namorada da época, que não durou nem até o fim do torneio”, disse. “Mas assisti pela televisão e temi pelo pior quando saíram os dois gols do Weah no primeiro tempo. Como era pré-temporada, o Milan não apertou tanto o ritmo, e o Galo, empurrado por 30 mil torcedores, conseguiu buscar o empate no final, com o veterano Jorginho e Hernani. Outra coisa que me marcou foi o fato de Leão ter substituído Taffarel, um dos ídolos, durante o jogo”, recordou.

Weah terminou o torneio como um dos artilheiros (Foto: Osmar Ladeia/VAVEL Brasil)
Weah foi um dos artilheiros da Copa Centenário de BH (Foto: Osmar Ladeia/VAVEL Brasil)

Um dos atacantes mais mortais da história do Milan, Weah foi o grande destaque do torneio pelo lado do time rossonero. Terminou com um dos artilheiros, com três gols, ao lado de Jorginho (Atlético-MG) e Geovanni (Cruzeiro). Na análise de Bertozzi, o liberiano “era um superatleta. Tinha força física, explosão e habilidade. Aliava fantasia e poder de definição. Além do carisma que carregava. Para muitos, um protótipo de Ronaldo”.

De acordo com o falecido Elmer Guilherme Ferreira, presidente da FMF (Federação Mineira de Futebol) em 1997, Milan e Benfica receberam para participar da Copa Centenário de Belo Horizonte. Ao time italiano foi pago US$ 1,5 milhão, ao passo que a equipe portuguesa ganhou US$ 700 mil (valores da época).

"Este jogo entre Atlético e Milan tem um lugar especial na história. Até hoje me arrependo por não ter ido" - Leonardo Bertozzi

Porém, o retorno financeiro que federação almejava com a competição não aconteceu como planejado. O baixo público nos jogos do torneio – no Grupo B, todos os seis duelos tiveram menos que cinco mil torcedores nos estádios – levou a FMF a uma forte crise financeira. A situação ficou tão crítica que os dirigentes da organização precisaram pedir empréstimos para empresas e encerrar contas bancárias da federação.

Bertozzi não acredita ser possível reunir novamente grandes times do Brasil e da Europa em solo tupiniquim. Mas o motivo, desta vez, não é financeiro. “O calendário brasileiro não dá respiros para este tipo de evento. Estes grandes jogos internacionais que acontecem na Ásia, nos Estados Unidos, poderiam ser disputados aqui se tivéssemos um calendário mais racional. Infelizmente, não temos essa perspectiva”, lamentou.

Testemunha ocular

Massa atleticana marcou presença no Mineirão para assistir à partida entre Galo e Milan (Foto: Osmar Ladeia/Especial à VAVEL Brasil)
Massa atleticana marcou presença no Mineirão (Foto: Osmar Ladeia/Especial à VAVEL Brasil)

Mais de 30 mil torcedores foram ao Mineirão prestigiar aquele Atlético-MG e Milan. Vítor Dias, 32 anos, Assistente Administrativo na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), estava lá. Na época, ele tinha apenas 12 anos, por isso fora ao estádio acompanhado de sua mãe, Márcia Dias. O pré-adolescente, no entanto, já era sabido do sucesso do Milan na Europa.

Eu já conhecia a fama do Milan, pois era assinante da revista Placar. Então, sempre tinha reportagens falando sobre os times europeus, e até por isso eu conhecia o [Ibrahim] Ba e seu cabelo descolorido – e também os outros ídolos do Milan, claro”, afirmou.

As maiores recordações de Vítor acerca daquele duelo de alvinegros e rubro-negros são o uniforme comemorativo do centenário de Belo Horizonte e o peculiar corte de cabelo do francês Ibrahim Ba. “Lembro de falar para a minha mãe, que me acompanhou ao jogo, sobre ele e seus cabelos descoloridos”.

Paixão de família

Emerson Romano é setorista do América-MG pela Rádio Itatiaia. Embora seja reservado quanto à questão de revelar o clube de coração, o experiente jornalista não esconde sua paixão pelo Milan. Um amor que vem desde a infância. Hoje, com a expansão das redes sociais, ele se abastece de informações do Diavolo no Twitter. Não é difícil encontrá-lo interagindo com um perfil dedicado ao Milan no Brasil, o @ACMilan_Brasil.

Além do Atlético-MG, o Milan também jogou contra América-MG (1 a 1) e Corinthians (0 a 0) na Copa Centenário de BH

Apesar da forte ligação com o Milan, Romano acompanhou de casa os jogos da equipe rossonera em Belo Horizonte. “Torcer pelo Milan é meio coisa de família. Meu bisavô, apesar de não tê-lo conhecido, era italiano e ‘tifoso rossonero’”, contou.

O repórter se serviu de uma taça de nostalgia para recordar as atuações de George Weah no Mineirão. “Jogador de muita força, muita explosão. Apesar de ter jogador num período de pré-temporada na Europa, ele não quis saber de amistoso. Um gol dele que eu guardo na memória? Tem um de ‘sem pulo’, me esqueci o adversário, que é um dos mais bonitos. Para mim, [Weah era] mais técnico que Filippo Inzaghi”, refletiu.

Romano não se importa de falar que é torcedor declarado do Milan, mas não tem foto usando a camisa rubro-negra. Por quê? “Por trabalhar com rádio, nunca tirei foto com a camisa do Milan. Torcedor mineiro é muito estranho. Se aparecer com a camisa do Milan, fala que, no fundo, sou flamenguista. Prefiro evitar”, justificou.

Ficha técnica de Atlético 2x2 Milan

Foto: Reprodução/Museu do Mineirão
Foto: Reprodução/Estádio Mineirão