Subúrbio do Rio de Janeiro, dia 29 de novembro. Noite cansativa e chuvosa. Entro em casa após o expediente, tomo um banho, faço minha janta, resolvo as últimas pendências e vou deitar. Já era madrugada quando o telefone toca com uma mensagem do seu chefe: "Marcello, o avião da Chapecoense caiu, cobre esse plantão". Ok, sem problemas. Levanto, ligo o computador e então a ficha desaba. Como assim o avião da Chapecoense caiu?

Estado de pânico. Procuro por Daniela Areiza, repórter da VAVEL Colômbia a quem já me ajudou em coberturas internacionais, na esparança de todos os boatos serem desmentidos. Era verdade e o pesadelo começava. Também na TeleMedellín, foi minha informante durante todo o processo - das 2h até 20h. Entre boatos e sensacionalismo, preveleceram as versões oficiais de entidades e repórteres enviados para o local.

Os especiais de Natal da VAVEL Brasil normalmente são carregados de bons momentos que aconteceram no ano. No entanto, o maior acidente aéreo do futebol brasileiro marcou 2016 da forma mais triste possível. Neste especial, conto um pouco do que vivi naquele dia e converso com pessoas ligadas ao fato: Juan Calvarez, editor da VAVEL Colômbia, Natália Viega, jornalista-torcedora e setorista da Chapecoense e Angie Smith, jornalista-torcedora e setorista do Atlético Nacional.

Uma aspa rápida sobre as críticas ao trabalho da imprensa brasileira. Ninguém faz plantão esperando um avião cair e ninguém poderia dar essa notícia sem ter 100% de certeza sobre ocorrido, por isso a demora para os veículos nacionais divulgarem a notícia. Eram vidas em jogo, famílias e amigos desesperados. A corrida por um furo de reportagem não poderia se sobrepôr a dignidade humana. 

Aproveito este último parágrafo para prestar condolências à todas as famílias atingidas por essa tragédia. Em especial, a dos amigos Guilherme Marques, ao qual sempre esteve presente no dia a dia da imprensa carioca, e Victorino Chermont, com quem tive a honra de disputar uma partida de tênis no Rio Open. Deixarão saudades, todos vocês.

Juan Calvarez, o coordenador da VAVEL Colômbia

Há um lado positivo de trabalhar em uma empresa internacional: a facilidade de encontrar contatos em outros países. Neste caso, foi Juan Calvarez, coordenador da editoria do Atlético Nacional na VAVEL Colômbia, quem ficou responsável pelo acidente. O jornalista relembra os momento que antecederam o acidente - desde a espera pela delegação da Chapecoense no aeroporto internacional de Medellín até o choque com a confirmação do acidente.

"Ficamos esperando, mas o avião não chegava, não chegava. E não chegava..."

"Nós estavamos esperando o plantel da Chapecoense no desembarque do aeroporto. A última notícia que tivemos era que o voo estava há 40 km de distância, cerca de 1h de Medellín. Ficamos esperando, mas o avião não chegava. E não chegava, e não chegava. Foi então que ligamos o alerta e começamos a procurar informações. As rádios começaram a noticiar o acidente e entramos em plantão. Foram 24h publicando notícias, fazendo reportagens, indo atrás de informações. Foi uma tarefa árdua que mobilizou toda nossa redação", comentou.

E foram mesmo. Juan esteve junto da VAVEL Brasil na atualização dos noticiários da tragédia. Ele comenta que conhecia alguns dos jornalistas falecidos que estavam no avião. Claro, não era o primeiro contato. A imprensa brasileira já esteve na Colômbia anteriormente, para cobertura da Libertadores. Independente do país, a dor abraça todos os companheiros de profissão.

"Companheiros dizem que foi a cobertura mais difícil da vida deles"

"Nós também ficamos particularmente tristes pelos jornalistas porque tivemos contato com alguns deles durante a Libertadores, quando o São Paulo veio jogar contra o Atlético Nacional. É difícil tocar no tema, é difícil nos recuperarmos disso. Nós temos muito carinho pelo povo brasileiro e também sentimos pelo que ocorreu. Meus companheiros dizem que foi a cobertura mais difícil da vida deles, pois é um esporte, são duas equipes, são companheiros de trabalho. Isso tudo nos afetou bastante", declarou, já emocionado durante os áudios.

Juan encerra a conversa fazendo uma crítica quanto a imprensa local, seguindo o tema abordadado pelo autor desta matéria nos primeiros parágrafos: são vidas humanas em jogo, não uma corrida por uma reportagem. O jornalista lamenta o papel das TV's fechadas colombianas que vangloriavam-se por terem chegado ao local do acidente, esquecendo do cuidado com vidas envolvidas na situação.

"Nós lamentamos pelo comportamento de alguns veículos de imprensa da Colômbia, principalmente os canais privados de TV. Em meio ao acidente, se vangloriavam por serem os primeiros a chegar ao local. "Os primeiros, os pioneiros", esquecendo a dor que representavam. Nós somos veículos, não protagonistas. Estamos aqui para informar, não inflar egos. Minha reflexão para o jornalismo é que vale mais uma notícia bem apurada, melhor contada, do que querer sair na frente a todo custo, principalmente em uma tragédia", finalizou.

(Foto: Arquivo Pessoal)
(Foto: Arquivo Pessoal)

Natália Viega, a jornalista-torcedora da Chapecoense

A tragédia impactou os torcedores da Chapecoense. Impactou também os jornalistas que viram seus colegas naquele avião. Mas, e quem se enquadra nos dois? É o caso de Natália Viega, setorista da Chapecoense na VAVEL Brasil. Torcedora declarada do clube, vive a perda sentimental e o compromisso do trabalho jornalístico. Ela conta como recebeu a notícia e os reflexos em Chapecó, onde mora.

"Chorei a morte de pessoas que conhecia, que conversava por horas a fio"

"Não acompanhei as notícias desde a madrugada. Acordei de manhã com a minha mãe me chamando. A primeira reação foi procurar informação, entender. Foi uma espécie de estado de choque, sem qualquer sensação. No momento derradeiro, em que assimilei que aquilo era real, não pude conter a tristeza. Transbordei. Chorei a morte de pessoas que eu acompanhei durante anos, que eu conhecia e conversava, por horas a fio. Não consegui assistir nenhum jogo pelo resto da semana. Mexeu profundamente e de uma forma inexplicável. Essa tragédia uniu as torcida de Chapecoense e Atlético Nacional. Hoje, são uma família"

Natália prefere não entrar em muitos detalhes - quando se aproxima de algum, debulha em lágrimas. A situação é difícil para todos, principalmente para quem tinha a rotina do clube como tarefa do dia a dia. Fica a expectativa por dias melhores e a esperança para a cicatrização total da ferida. Como bem diz a jornalista, "eles são a prova que milagres existem".

"A cidade inteira se abateu. E foi um abatimento que durou dias. O cortejo fúnebre é algo que não esquecerei, principalmente pela tristeza que cada um sentia, mesmo sem conhecer aquelas pessoas que ali estavam, passando lentamente na rua. Hoje, a ferida está costurada, mas não se cicatrizará tão cedo. Tenho esperança na reconstrução do clube e naqueles que sobreviveram. Eles são a prova que milagres existem e tudo é possível", finaliza.

(Foto: Arquivo Pessoal)
(Foto: Arquivo Pessoal)

Angie Smith, a jornalista-torcedora do Atl. Nacional

E como é a visão do outro lado? Natália carrega a visão da torcida da Chapecoense e Angie Smith pode falar sobre como a torcida do Atlético Nacional reagiu a tragédia. Setorista do clube colombiano na VAVEL, também viveu a dor do acontecimento. O caso é incontrolável e ela destaca: foi a Chape, mas poderia ser outro clube".

"Foi a Chapecoense, mas poderia ser o Atlético Nacional"

"A tragédia é reflexiva porque assim como foi a Chapecoense, poderia ser o Atlético Nacional ou qualquer outro clube. Como amante de futebol, isso causou muita dor em todos. Como profissional, foi uma mescla de sentimentos. Escrevemos sobre atletas, como cresceram, como chegaram até aqui. É preciso ética para falar sobre tais notícias. Tivemos que olhar a situação como profissionais de imprensa e não como amantes de futebol", revelou.

Assim como Natália, Angie também se preparava para a final da Copa Sul-Americana. Ela lembra da expectativa de cercava o duelo: o atual campeão da Libertadores contra a abusada equipe brasileira em sua primeira final internacional. A partida que nunca aconteceu. A notícia da tragédia chegou na Colômbia no fim da noite, mas atingiu o mundo inteiro.

"O Atlético Nacional ia para sua terceira final, sendo que ficou sem o título nas outras duas vezes. E a Chapecoense era a equipe surpresa dessa Copa Sul-Americana enfrentando o grande favorito. Havia muita expectativa. Então, a notícia veio no fim da noite. Fiquei acordada até às quatro da manhã, quando fui trabalhar. Chorei o dia todo, assim como todos. Foi uma notícia que chocou o mundo inteiro"

(Foto: Arquivo Pessoal)
(Foto: Arquivo Pessoal)