Há pouco mais de sete meses, o então desconhecido Fábio Carille era promovido a treinador do Corinthians. Em sua primeira entrevista muita desconfiança por trás dos microfones que lhe faziam perguntas naquela tarde e principalmente atrás das telas de televisão por onde os torcedores conheceriam o novo comandante. Naquele 22 de dezembro de 2016, Carille, deixou claro algo que vemos com nitidez hoje: "o torcedor pode esperar uma equipe muito organizada com bastante entrega dentro de campo".

Fábio Luiz Carille de Araújo (43), nasceu em Sertãozinho, interior de São Paulo e iniciou sua polivalente carreira de jogador de futebol como zagueiro e lateral-esquerdo no próprio Sertãozinho, Fábio Luiz - como era chamado - passou por diversos clubes, inclusive no Corinthians em 1995, mas acabou não jogando. Já no fim de carreira foi ao Guangzhou Evergrande da China. Em 2007 pendurou as chuteiras e já deu inicio a sua trajétoria como auxiliar técnico no mesmo clube onde atuou pela ultima vez, o Grêmio Barueri. Foi técnico das categorias de base do clube e em 2009, a pedidos de Mano Menezes, chegou ao Corinthians.

O então auxiliar teve a oportunidade de trabalhar com dois técnicos que deixaram o Corinthians rumo a seleção brasileira: Mano Menezes e Tite. Além de trabalhar com Adilson Batista, Cristóvão Borges e Oswaldo de Oliveira. Nesse período Carille trabalhou como técnico interino em dez oportunidades, quatro vitórias, quatro derrotas e dois empates. No fim de 2016, após algumas negativas, a direção do Corinthians resolveu efetivar Fábio Carille como treinador da equipe profissional. Uma aposta improvável que deu muito certo para o Timão.

O inicio de Fábio Carille não foi muito animador. A equipe corintiana tinha muita dificuldade na criação e pouco chegava ao ataque. Jogos truncados, de muita marcação e o número baixo de gols anotados deixava a torcida alvinegra impaciente. Na segunda rodada do Paulistão, derrota para o Santo André, dentro da Arena Corinthians por 2 a 0. Mas a vitória diante o maior rival, Palmeiras, deu moral ao time e a partir daquele momento uma ideia passou a ser compreendida pelo elenco: todos os jogadores são importantes, todos precisam estar preparados para quando necessário. Apenas mais uma derrota naquele campeonato - e até aqui - Carille teve o desgosto de sentir, 1 a 0 para Ferroviária em Ribeirão Preto com gol irregular.

Sem derrotas em clássicos no Paulistão (2 vitórias e 1 empate contra o São Paulo e vitórias contra Santos e Palmeiras), o Corinthians chegou ao título. Vencendo a Ponte Preta, 3 a 0 em Campinas e garantindo a taça com um empate por 1 a 1 em Itaquera. O Campeonato Paulista não é referência, diziam, mas para um recém promovido a técnico do Corinthians é mais que simbólico. Em 18 jogos foram 10 vitórias, 6 empates e 2 derrotas.

"Eu sabia que precisava de resultados e joguei fechado mesmo. Eu sabia que com o tempo e a qualidade a questão ofensiva ia crescer. E cresceu", admitiu o treinador

Foto: (Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians)
Foto: (Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians)

O Corinthians de Carille deixaria a Copa do Brasil para o Internacional nas penalidades dentro de Itaquera, mas a queda no torneio nacional não abalaria os ânimos da equipe. Pela Sulamericana duas classificações, contra La U-CHI com duas vitórias e Patriotas-COL com um empate e uma vitória. O Timão aguarda a partida diante o Racing-ARG. 

Fábio Carille admite se espelhar em Tite na gestão com o grupo - o comandante do Timão trabalhou como auxiliar por quase cinco anos com o técnico da seleção. Jogadores contestados pela torcida tiveram total apoio do treinador, casos de Giovanni Augusto, Marquinhos Gabriel e Guilherme, o ultimo, entretanto, foi emprestado ao Atlético Paranaense. Todos os atletas exaltam o treinador corintiano por saber ouvir e ser sincero com cada um no elenco. Um dos méritos de Carille é fazer com que todos os jogadores se sintam importantes e úteis quando solicitados. Rejeitado no rival, o volante Gabriel é um dos pilares da melhor defesa do Campeonato Brasileiro, o jogador dedicou a Carille sua evolução tática e na forma de enxergar o jogo. 

"Ele, para mim é o fator principal de tudo isso que está acontecendo, sou privilegiado de poder trabalhar com uma pessoa dessa, cara transparente, muito inteligente. Cheguei aqui de uma maneira, vendo futebol de outro jeito, e agora eu vejo de outra totalmente diferente. Cresci muito com as dicas que ele vem dando. Ele conversa, chama na sala dele para mostrar um erro, acerto. Estou muito feliz e me sinto privilegiado de trabalhar com ele", falou o volante.

"É um cara que observa muito, tenta extrair o máximo dos treinadores. Ele é parecido com o Tite, ele escuta os auxiliares. Não é um cara que faz do jeito dele e acabou. É um treinador que sabe escutar. Tem a cabeça aberta, da nova geração, a gente tem muito a crescer ainda trabalhando com ele", analisou Cássio um dos lideres do elenco.

Após 227 dias como treinador do Corinthians é eminente a evolução do time nesse período. O sétimo colocado, ao fim Brasileirão de 2016, que teve a sua frente Tite - hoje na seleção - o interino Fábio Carille, Cristóvão Borges e Oswaldo de Oliveira não conseguiu vingar. A falta de consciência tática, defesa inconsistente e as principais peças muito abaixo tecnicamente foram um dos motivos pelo mau desempenho. Fábio Carille, de fato, cumpriu sua palavra e hoje o Corinthians tem tudo isso; e mais um pouco.

Apesar do título estadual, a mudança de patamar de Fábio Carille se iniciaria no Campeonato Brasileiro. Com direito a melhor primeiro turno da história dos pontos corridos - disputado em vinte clubes - o Timão ainda não sabe o que é derrota. Dos 57 pontos disputados nesse primeiro turno o Corinthians fez 47  são 19 jogos com 14 vitórias, 5 empates e nenhuma derrota, fato inédito no Brasileirão. Além da liderança isolada - são 8 pontos à frente do Grêmio - o time do Parque São Jorge é dono da melhor defesa da competição com 9 gols sofridos e do segundo melhor ataque com 32 tentos anotados. Outro fato importante desta equipe do Corinthians foram as vitórias conquistadas fora de casa contra concorrentes diretos pelo título, casos de Grêmio e Palmeiras.

"Na minha apresentação, em 22 de dezembro [de 2016], eu deixei claro que iria ajustar o sistema defensivo, mas ajustou demais (risos). Que alegria. O Corinthians costuma tomar poucos gols, embora ano passado tenha destoado. Quis dar consistência e confiança ao grupo e eles entenderam muito bem", relembra Carille, após vitória contra o Palmeiras no Allianz por 2 a 0.

A grande arma do time paulista nesta temporada é sem dúvida a atuação dos atletas sem a bola e a eficiencia com a posse. Com uma defesa muito sólida e com a linha defensiva aproximada o time do Corinthians não deixa espaços para os adversários criarem. Fora os defensores, o time de Carille tem o atacante Romero como uma das principais peças de seu sistema de jogo. O paraguaio é um dos que mais roubam bola do time alvinegro - fazendo o bloqueio das pontas do campo. A maioria das vitórias do Corinthians no Brasileirão foram em jogos que o time teve menos posse de bola. A transição ofensiva ocorre de maneira muito rápida e com poucos toques na bola, o Corinthians normalmente precisa de duas oportunidades para anotar um gol.

O mantra do treinador do Corinthians e seus comandados foi, e deve ser até o fim da temporada, o "jogo a jogo". Carille deixou bem claro em todas suas entrevistas que analisa a equipe à cada partida realizada e que essa maneira de avaliar o desempenho foi em comum acordo com os atletas, definido ainda na pré temporada realizada na Florida nos Estados Unidos. 

"O campeonato vai ser decidido nas últimas rodadas. A gente disparou no início e isso é bom, mas sabemos que não vamos conseguir manter 87, 88, 89%. Seguiremos pensando jogo a jogo", afirmou Carille após empate contra o Avaí na Ressacada.

Fábio Carille comanda o time na segunda maior sequência invicta da história do Corinthians (são 33) jogos. Ficando atrás somente da equipe de 1957 quando o Timão ficou 37 jogos sem derrotas. A torcida corintiana comprou a ideia da equipe e jogo a jogo segue enchendo a Arena Corinthians, com média de público superior a 37 mil torcedores, o Timão fez suas ultimas seis partidas para mais de 40 mil pessoas. 

Vindo de uma nova safra de treinadores, Fábio Carille foge dos perfis tradicionais do futebol brasileiro, não fecha treinamentos, não esconde escalação e visa o desenvolvimento do futebol nacional. Em junho deste ano, o professor - Carille é formado em Educação Física - lecionou na CBF Academy para treinadores que buscam a Licença A - que da direito a treinar times profissionais, no Brasil - da Confederação Brasileira de Futebol. Apesar do próprio treinador do Corinthians admitir se espelhar em Tite, o comandante da seleção brasileiro não vê desta forma.

"Ele é merecedor de todos os elogios que vem recebendo, ficam falando de discípulo, discípulo... não tem nada a ver. Isso é fruto de um trabalho grande, próprio. Nós trocamos informações, ele me ajudou muito a crescer, nós nos ajudamos, o Corinthians nos ajudou", afirma Tite. 

Se o treinador continuar cumprindo suas promessas o torcedor corintiano não deve se preocupar com saída de Carille para outro clube. Em uma de suas entrevistas deixou claro a gratidão e o desejo de continuar na gestão do time.

"Sem chance de sair do Corinthians. De coração e por gratidão: eu só saio do Corinthians quando for mandado embora. Pode vir um caminhão de dinheiro, eu não saio. É um sonho trabalhar em uma equipe deste tamanho, e vou desfrutar dessa sonho até o fim", afirmou.

Fábio Carille foi um acaso no Corinthians e abre uma porta aos novos profissionais que se dedicam em suas funções e sabem da importancia de se estudar futebol. Aos demais clubes brasileiros serve uma atenção maior ao que se tem "em casa".