Não há quem não lembre de Dejan Petković quando falamos sobre golaços de falta ou do título do Campeonato Brasileiro de 2009 conquistado pelo Flamengo. O sérvio, que chegou ao Brasil em 1997, no Vitória, encantou o país com sua habilidade e dedicação, se tornando um dos melhores jogadores estrangeiros que já atuaram por aqui.

Em um restaurante na Zona Oeste do Rio de Janeiro, Pet falou com exclusividade à VAVEL Brasil sobre sua vitoriosa e marcante passagem pelo Flamengo, os novos desafios como treinador de futebol, sua carreira no Vitória, Vasco, Fluminense e os poucos anos na Espanha.

Ícone do título do Fla em 2009, Petkovic lembrou de sua chegada conturbada, contrariando a vaidade do departamento de futebol para vestir a camisa rubro-negra mais uma vez. "Tinha ganhado na justiça para receber um dinheiro que o clube me devia e o Flamengo veio me procurar para fazer um acordo. Por que aceitei isso se o departamento de futebol não me queria? Porque era maluco, estava muito convencido de que cairia bem nesse time, que ia fazer bem, jogar bem, ajudar o Flamengo a ir à Libertadores. Meu irmão uma vez 'porque vai abrir mão de oito milhões para ir para o Flamengo sendo humilhado, se não estão te querendo?'. E eu disse que não, vestir o Manto Sagrado novamente não era humilhação, tinha história lá, não tinha problema com a torcida e eles nunca iam apagar o ídolo que sou. Então eu fui", afirmou Pet.

"Eu disse que estava preparado para o pior, que não era não jogar nem um minuto, mas sim me colocarem em campo e eu passar vexame, mas isso não ia acontecer. Se eu pisasse no gramado ia arrebentar, ser o melhor e ajudar o Flamengo. Então fui lá e fiz um esforço, foi contra a vontade do departamento de futebol e relutar para me receber era vaidade. Tem um cara que já é ídolo, está colocando fluxo de caixa em dia, ganhando dinheiro, pode ajudar, ensinar. Não queriam, mas as circunstâncias definiram que as coisas mudassem e eu tive a oportunidade de jogar", completou o ex-jogador.

(Foto: Renan Vallim)
Pet em entrevista à VAVEL (Foto: Renan Vallim/VAVEL Brasil)

VAVEL Brasil: Você passou por alguns clubes na Espanha e pelo grande Real Madrid. Como foi essa experiência e o que você aprendeu jogando por lá?

Petkovic: A experiência foi boa apesar de curta. Tem males que vem para bem, tive uma lesão séria, uma fratura no pé. Isso me afastou da possibilidade de mostrar meu futebol lá. Não tive oportunidades nos jogos oficiais, mas amistosos e pré-temporadas foram fantásticas no Real Madrid. Acho que sou um dos melhores jogadores do Real na história em jogos amistosos e pré-temporada pela quantidade de jogos que fiz e os gols que marquei. Não tive oportunidades e surgiu a chance de vir para o Brasil. Me aventurei e, como disse, tem males que vem para bem. Tive o mal de uma lesão que me impediu de ter sequência em Madrid, mas ela me trouxe para o Brasil e me dei bem.

VAVEL Brasil: Poucos gringos tiveram tanto sucesso no futebol brasileiro como você teve.

Tiveram estrangeiros que tiveram sucesso, mas normalmente sul-americanos. Mas europeus não sei se teve um cara que teve sucesso. Alguns passaram por clubes brasileiros, mas não se destacaram para mencionarmos. Poucos europeus brilharam aqui até hoje, o último foi o Sedoorf que jogou pouco tempo no Botafogo, não são muitos que vem para cá. Sul-Americanos é diferente, tem muitos que estão jogando bem atualmente. Hoje tem Lucas Pratto, no Flamengo tem alguns jogadores que estão ajudando, como o Guerrero.

VAVEL Brasil: Sua chegada ao Brasil foi no Vitória e lá você virou ídolo e foi então que os brasileiros conheceram realmente seu futebol. Quais foram os pontos positivos dessa passagem e como foi a experiência de chegar em um lugar totalmente diferente? 

No primeiro convite deles eu nem liguei, pensei "quem vai da Europa para o Brasil, os brasileiros que vem para cá". Mas eles foram persistentes, fizeram uma oferta e eu disse que iria pensar. Na época falaram que o Bebeto estava no Vitória e que o clube era o campeão, mas não comentaram que não era Brasileiro e sim Baiano. Não conhecia quase nada dos campeonatos brasileiros e muito menos dos estaduais, não tinha transmissões de jogos para a Europa em 1997. Cheguei na Bahia, uma terra abençoada, e me dei bem. Acho que você tem mais chance de se dar bem quando se sente particularmente e profissionalmente bem. Casaram as duas coisas e fui aceito muito bem lá. Comecei a desenvolver meu futebol, claro, com muitas dificuldades, tive que me adaptar a infraestrurura, clima, clube, vestiário, CT, cidade. Mas o lado humano me fez esquecer essas coisas e me adaptar.

VAVEL Brasil: Como foi para aprender português, demorou ou você conseguiu se adaptar com facilidade?

Já sabia bastante o espanhol, então não foi difícil. Nunca tive vergonha de errar, quando alguém me corrigia eu já não errava mais. Sempre tive vida social muito boa, não tinha vergonha de falar e estava tentando aprender, estava fazendo um esforço. Aprendi espanhol muito rápido e em dois meses já estava falando, aconteceu o mesmo com o português.

VAVEL Brasil: Não há um flamenguista que não se arrepie quando vê aquele gol de falta contra o Vasco, em 2001. Até hoje ainda existe a esperança entre os torcedores que alguém bata tão bem na bola quanto você em suas passagens pelo Flamengo. O que você sentiu quando conquistou esse título com aquele golaço? Esse foi o gol mais marcante da sua carreira? Porque?

Foi o gol mais marcante da minha carreira sem dúvidas, não só para mim, mas para tantas pessoas. Foi um tampolim, um carimbo na minha trajetória toda. Já era considerado craque, mas tinha que fazer alguma coisa no Flamengo que marcasse. Costumo dizer que tenho uma estrela, pois tenho um monte de momentos maravilhosos na carreira que jogadores melhores do que eu não tinham. Tinham mais gols, mais títulos, mas não tiveram momentos tão marcantes e maravilhosos quanto eu tenho. Então tenho uma estrela que está me guiando e me deu esses momentos na minha vida e na minha carreira profissional. Claro que esse gol foi marcante demais, tinha facilidade para bater falta. Não fiz tantos gols e foi um bom número para um meio-campista, mas os que fiz foram bonitos.

VAVEL Brasil: Qual foi a sensação quando você encerrou sua carreira em um Engenhão cheio só por você?

Naquele dia eu não tinha noção da importância daquele momento, do que tinha acontecido. Foi um jogo contra o Corinthians, valendo pelo campeonato e estava tudo normal. Eu não tive a noção realmente daquele momento maravilhoso que aconteceu. Mas tive essa sensação dois dias depois, quando aconteceu a despedida do Ronaldo Fenômeno. Quando vi a despedida dele, fiquei arrepiado pela minha despedida, porque ela foi bem melhor e bem mais emocionante do que a do Fenômeno. Então comecei a valorizar e pensei "meu Deus, que despedida que eu tive". Não foi normal porque isso raramente aconteceu com um jogador, principalmente pelo jeito que tinha ocorrido. Então foi fantástica, uma pena que não foi no Maracanã. 

A torcida fez um mosaico com as cores da Sérvia para homenagear Pet (Foto: Cezar Loureiro)
A torcida fez um mosaico com as cores da Sérvia para homenagear Pet (Foto: Cezar Loureiro)

VAVEL Brasil: Nesse elenco atual do Flamengo em 2016, você vê alguém com potencial para ser ídolo?

É cedo para dizer, são jogadores que estão a pouco tempo no Flamengo. Você vê o elenco e tem só o Everton como jogador antigo. No time "titular", não tem atletas com tanto tempo de clube. Se futuramente houverem conquistas, campanhas marcantes, existes bons jogadores. O Flamengo tem um elenco muito bom, talvez o melhor no Campeonato Brasileiro.

VAVEL Brasil: Como você avalia a chegada do Diego ao Flamengo? Era um estilo de jogador que faltava ao clube?

Diego é um jogador muito bom, um craque que pode ajudar o Flamengo. Era um jogador que faltava nesse time e ainda precisa de um período de adaptação. Ele está tendo sorte que o time está jogando bem e tendo resultados mesmo sem ele jogar nem perto do que pode.

VAVEL Brasil: Quais são as diferenças do time do Flamengo de 2009 para o de 2016?

Os times são totalmente diferentes. Nós estávamos em uma situação totalmente diferente dessa, conturbada. Esse ano o Flamengo se reforçou muito, nós não, inclusive perdemos o Sheik na época. Quando começamos a jogar bem no segundo turno, estávamos muito embaixo, hoje o Flamengo está no G4 quase o tempo todo, sendo sério candidato a ganhar o título e é cobrado por isso. Nós tínhamos que chegar ao G4 e só então surgiu a oportunidade do título. Flamengo tem agora um elenco bem mais completo do que nós tínhamos, na época eram os jogadores titulares e poucos reservas com essa competitividade de time titular. É diferente que o Flamengo tem agora, praticamente todas as posições tem dois bons jogadores. Tinhamos um bom time, mas o elenco não era tão bom. O clube não era bem organizado, tinha bagunça, problema financeiro. Hoje estão em dia, não tem nenhum problema. Esse time tem boas chances de ganhar o campeonato.

Tem que tomar cuidado e estar atento nessa reta final. Agora o Flamengo tem elenco, pode jogar um ou outro e não perde tanto, não depende de um jogador. Se depende muito de um jogador, o resultado não aparece no final. Por isso tem que criar um time, um elenco. Ter craque no time é bom, mas jogar por ele não. Flamengo hoje não tem um jogador que está fazendo gol e resolvendo, está fazendo gol com vários, zagueiro, volante, meio-campista.

VAVEL Brasil: Em 2002 você se transferiu para o Vasco e conseguiu manter o ótimo desempenho no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro. Mesmo sendo ídolo do grande rival, sua passagem te deixou marcado também na história vascaína. Por que você optou pelo Vasco?

O Vasco é um grande clube e o destino quis que eu fosse jogar lá. Fiquei cinco meses parado e antes tinha recebido propostas, mas quando meu contrato acabou com o Flamengo os clubes mudaram o discurso. Se não mantém a palavra, eu já descarto a possibilidade. Então optei pelo Vasco porque apareceu uma oportunidade, eles fizeram uma oferta e eu aceitei com receio de como seria recebido pela torcida, mas foi tudo maravilhosamente bem. Fiz uma boa passagem por lá, ganhei um título, sai e voltei, a segunda passagem também foi excelente.

VAVEL Brasil: Depois você ainda fez uma ótima passagem pelo Fluminense e marcou o milésimo gol do clube tricolor.

Teve uma oportunidade quando sai do Vasco em 2004 e cheguei a falar com o Fluminense, mas resolvi ir para a Arábia. Depois voltei e fui para lá. Foi uma passagem fantástica, fiz um golaço (o milésimo do clube). Não resultou em título em 2006, éramos líderes do campeonato e perdemos os últimos cinco jogos, ainda me machuquei na Sul-Americana e não podia jogar.

(Foto: Renan Vallim/VAVEL Brasil)
Em pouco mais de 30 minutos de conversa, Pet abordou diversos assuntos, como sua carreira de treinador (Foto: Renan Vallim/VAVEL Brasil)

VAVEL Brasil: Sua história como treinador de futebol é recente e você passou por dois bons clubes. Qual é o plano agora? Quando o Flamengo ainda não tinha Zé Ricardo efetivado, muitos pediram que você fosse escolhido para assumir. É um sonho treinar o rubro-negro?

Treinar o Flamengo não é um sonho, é uma realidade. Mais cedo ou mais tarde vai aparecer a oportunidade e vai acontecer. Sonho seria treinar a Seleção Brasileira, porque é difícil. Porém, Flamengo, Vasco, Vitória, times que fui ídolo e gosto demais vai ser comum e virá com a profissão.

VAVEL Brasil: Vimos recentemente o caso do Zidane, ídolo do Real Madrid e acabou sendo chamado para treinar o time, conquistando inclusive uma Champions League. Você se inspira no caso dele em sua carreira como treinador?

Na Europa é comum que os ídolos tenham oportunidades, aqui não. Aqui fazem de tudo para você não entender o mercado. Você vê Zidane, Guardiola, Luis Enrique, vários ex-jogadores, como começaram? Mas aqui é totalmente diferente e é difícil, mas optei pelo Brasil, o país me deu tudo e escolhi trabalhar aqui. Vou ter que esperar uma oportunidade.

Agradecimentos especiais para Renan Vallim, repórter da VAVEL Brasil que tirou as fotos da matéria, e a Petkovic, que disponibilizou seu tempo para responder, com muita simpatia, a entrevista do site.