Peguei-me tentando dormir após mais um sofrido empate. A parte difícil de encostar a cabeça no travesseiro depois de um resultado tão frustrante é imaginar, sem parar, o que poderia ter sido, como deveria ter acontecido. O fim dos sonhos para uma batalha tão sofrida durante 90 minutos acabou ficando para outro momento. Imagino se não seria a hora de sofrer menos, afinal, a voz já havia ido embora e o desgaste físico só crescia.

Sem notar, me afundei em pensamentos e terminei em um profundo sono. Então, acordei no Maracanã. Olhei em volta e sabia que já tinha estado ali. Era aquele 6 de dezembro de 2009. Me peguei tão apreensiva quanto antes, mesmo sabendo exatamente como aquela saga terminaria. No lance, Petkovic arrumava a bola no canto esquerdo do escanteio. Era agora. Em volta, um palpável nervosismo e tantas pessoas agarradas em fé e religiosidade - ou simplesmente em um interminável desejo por um sonho. Pet bateu e a trajetória da bola, assim como naquele dia, parecia em câmera lenta. Direto na cabeça de Ronaldo Angelim, o gol da explosão de 40 milhões de apaixonados.

Quando Angelim correu, o cenário mudou. Eu seguia nas arquibancadas lotadas, mas em um dia diferente. Era 2013, dia 28 de agosto. Olhei para o relógio, que marcava 42 minutos do segundo tempo e 0 a 0. A mesma palpável tensão, o mesmo sagrado desejo por um simples gol. O novo Maracanã, ainda buscando uma identidade, mostrava ao mundo que não perderia sua essência. Paulinho passou para Elias. O pai do Davi mandava um chute para a história. 43 minutos. O gol da classificação para a grande decisão da Copa do Brasil. Com a mesma explosão nas arquibancadas e as lágrimas de tantos, voltei aos 43 minutos de outro dia.

De Paulinho para Elias e um gol para a história (Foto: Fim de Jogo)

27 de maio de 2001. Petkovic preparava a batida na bola enquanto vascaínos cantavam "É campeão" para um mar de rubro-negros aclamando uma inspiração. São Judas Tadeu era o nome mais ouvido naquele momento. A corrida. O toque. A pintura que ficou eternizada. Queria correr naquele vasto gramado e me jogar ao lado de Pet, como muitos fizeram pelas arquibancadas do Maracanã. O Campeonato Carioca também era nosso.

Segui na mesma arquibancada, passando por 1980, 1982, 1983, 1987, 1992. Vi Leônidas, Fio Maravilha, Kanela, Leandro, Júnior, Uri Geller, até Obina. Assisti a dura derrota para o América do México, vi a queda da arquibancada em 1992. Passei por cada segundo dessa maravilhosa - e as vezes difícil - história e pude, mais uma vez, sentir tudo que um dia achei que não conseguiria mais saber como era.

Acordei quando, em ida ao Japão, vi Nunes marcar o 3 a 0 no Liverpool aos 41 minutos do primeiro tempo. A angústia anteriormente sentida havia sido substituída por uma aconchegante sensação. Era um amor arrebatador que novamente preenchia meu peito e dava sentido a cada noite em claro, dinheiro gastado, voz perdida, compromisso adiado. Olhei para o lado e o calendário marcava um sinalizado 15 de novembro. Era novamente seu dia - assim como todos os outros.

Lembrei que amar um time de futebol não é estar em todos os jogos, ter todas as camisas ou saber de cabeça cada escalação desde 1912. Amar um clube é mais do que isso. É sentir algo tão intenso que não é possível explicar. É viver a eterna expectativa pela demora do apito inicial e pela espera maior ainda pelo fim quando se está vencendo. É se apaixonar novamente diariamente pelas cores que representam a felicidade mais pura e verdadeira.

Em 121 anos, o Flamengo maltratou e fez milagres a muitos corações. Foram bolas na trave aos 45 minutos, bolas na rede, campanhas improváveis, taças impossíveis e um mundo de possibilidades tão maravilhoso que nem o mais romântico e lunático escritor poderia ter pensado em um devaneio. São 40 milhões de loucos apaixonados que em 44165 dias desejam ter cada vez mais tempo para amar. Nem os sonhos mais loucos poderiam retratar uma história de amor mais bonita do que a nossa.

Parabéns, Flamengo. Que venham mais 121 anos de raça, amor e paixão.