A torcida do Flamengo é conhecida por acreditar muito em superstições e ‘mística’. 13 de dezembro, por exemplo, é uma data comemorada pelos rubro-negros pelo histórico Mundial de 1981 e também pelo tetra do Campeonato Brasileiro em 1987. No entanto, para mim, foi o dia que menos me senti flamenguista em 20 anos de vida.

13 de dezembro de 2017. Maracanã. Flamengo x Independiente pela final da Copa Sul-Americana. Agora, quase duas semanas depois, foi o dia que tive, enfim, cabeça para escrever sobre uma das piores experiências da minha vida. 

Era para ser um dia de alegria e muita festa. Maracanã lotado, viagem com amigos e a expectativa em participar, pela primeira vez, de um possível título do seu clube do coração de dentro do estádio. Era. Não foi. Muito pelo contrário. 

As barbáries cometidas pela torcida rubro-negra que muitos acompanharam pela TV, celular ou computador, eu, infelizmente, acompanhei e fui vítima daquilo, assim como inúmeras famílias, crianças, mães, avós e filhos. Não tínhamos nada a ver com tudo o que aconteceu, só queríamos ver nosso time ser campeão internacional pela primeira vez desde 1999. Não foi o que ocorreu

Antes da entrada no Maracanã, eu e meus amigos nos reunimos com outros flamenguistas no tradicional pré-jogo que sempre acontece nos arredores do estádio. Clima de festa, alegria e uma certeza: naquela mesma noite, o Flamengo sairia do Maracanã com o título da Copa Sul-Americana. Não foi o que aconteceu.  

Já na fila do Setor Norte para entrar, por volta das 20h, teve início a confusão. Muitos flamenguistas sem ingresso começaram a causar tumulto, sendo necessária a intervenção da Polícia Militar com bombas egás de pimenta. Novamente, crianças e famílias no meio, sofrendo pela falta de noção e de responsabilidade dos inúmeros torcedores que lá foram, sem ingresso, prejudicando quem estava no Maracanã com entrada comprada. 

Perto de entrar, a confusão agravou ainda mais. Me lembro das grades sendo arrancadas, das catracas sendo quebradas, tudo feito por quem não tinha ingresso. Depois disso, veio o pior: já tendo minha carteira furtada em meio ao tumulto, teve início a invasão dos torcedores no Maracanã. Acabei não conseguindo acompanhar o empurra-empurra. E caí. Caí sem previsão de levantar, visto o volume de pessoas passando ali, me pisoteando até o trajeto para as arquibancadas. 

Por sorte - ou intervenção divina, três torcedores, que eu não me lembro dos rostos por nada, me puxaram para o lado e, comigo já em prantos, me levaram à sala de emergência. Cheguei lá com as costas, joelhos e pés machucados, ainda em processo de cicatrização até hoje, sem me lembrar do trajeto do chão até a sala onde fui atendido, só querendo que aquilo ali acabasse logo. Ainda deu tempo de ter meu celular furtado no caminho para a arquibancada. Perdi grande parte do jogo, mas assim como o resultado, isso ficou em segundo plano. 

Desolado, encontrei um amigo já nas arquibancadas, ainda no primeiro tempo. Consegui ver o gol do Paquetá e o gol do Independiente, mas não sentia nada. Não sentia felicidade, não sentia tristeza, só um sentimento de impotência e de saber que esse trauma permaneceria comigo por um longo período de tempo. Nem mesmo a vibração dos torcedores com o gol rubro-negro eu consegui sentir, parecia estar em outro mundo, com o único desejo de aquilo acabar logo. E acabou

Assim como Paquetá, mais de 60 mil flamenguistas comemoraram no Maracanã; eu não consegui | Foto: Gilvan de Souza/Flamengo
Assim como Paquetá, mais de 60 mil flamenguistas comemoraram no Maracanã; eu não consegui | Foto: Gilvan de Souza/Flamengo

Na saída, mais confusão. Mais Polícia jogando bomba. Mais torcida cometendo atos de vandalismo que achamos que só acontecem na TV, mas que, pela primeira vez, testemunhamos com nossos próprios olhos. Infelizmente. Voltei a encontrar todos os amigos que fui ao jogo, antes de partirmos para a van e irmos para casa. Mais uma vez, retornava o sentimento de impotência

Eu não tinha noção da proporção que ocorreu no Maracanã. No dia seguinte, já em casa e com dores em partes do corpo que eu nem sabia que existiam, não tive coragem nem de ver os gols e lances, muito menos da confusão. Mas na semana seguinte, vi tudo que vivi e pude ter a certeza que tive um grande livramento. Experiência de vida que, espero eu, nunca ter que passar novamente

Data bastante celebrada pelos rubro-negros – o Mundial de 81 e o tetra do Brasileirão de 87, o dia 13 de dezembro, para mim, ficou marcado como o dia que menos me senti flamenguista em meus 20 anos de vida. Este sentimento ainda permanece, mesmo semanas depois do ocorrido, e só Deus sabe se ele irá embora. Sinceramente, não sei se vai. A única memória física que sobrou deste dia foi logo o cartão-ingresso do Sócio Torcedor que tenho, que não será renovado.

Agora, provavelmente, o retorno a estádios será apenas a trabalho. Fica impossível compactuar o amor que ainda tenho por esse time com vândalos e bandidos que me proporcionaram, provavelmente, o pior dia da minha vida no que deveria ter sido um dos melhores.