Nos últimos anos, o Brasil, conhecido como 'país do futebol', tem visto o crescimento de diversos esportes, seja em audiência na televisão, ou número de praticantes, tais como o futebol americano e o rugby, por exemplo, impulsionados por transmissões dos principais campeonatos de cada modalidade. E um dos que mais vêm crescendo é justamente algo que não requer movimento ou tanto preparo físico. O poker, chamado de “esporte da mente”, vem ganhando seu espaço a cada ano, crescendo cada vez mais.

A alcunha é largamente utilizada por jogadores profissionais, dirigentes da Confederação Brasileira de Texas Hold'em (CBTH) e também por jornalistas envolvidos no meio. Criado nos Estados Unidos, o jogo conta com diversas modalidades, tais como o tradicional 5-Card Draw, muito popular entre família estadunidenses, Omaha Hold'em, Razz, Stud, e o Texas Hold'em, atualmente a modalidade mais jogada no mundo inteiro, e uma das mais fáceis de se aprender.

Regras básicas da modalidade Texas Hold'em

No Texas Hold'em, cada jogador recebe duas cartas pessoais e, com a ajuda de outras cinco cartas comunitárias dispostas na mesa, deve tentar conseguir a melhor mão possível. A modalidade domina a maior parte dos torneios pelo mundo e cada jogador, ao pagar uma taxa de entrada, recebe um determinado número de fichas para utilizar nas rodadas de aposta.

Apesar de ser considerada uma das mais simples modalidades do poker, é importante destacar que, assim como em todas as outras, o Texas Hold'em exige extrema capacidade matemática e de raciocínio, quando elevado a nível profissional, já que as probabilidades de vitória podem mudar a cada carta que é virada na mesa, e os jogadores precisam calcular riscos em relação aos valores que vão sendo apostados. Existem quatro 'streets', ou rodadas de aposta, no Texas Hold'em: Pré-flop, quando as cartas da mesa ainda não foram reveladas e cada jogador conta apenas com as suas próprias; Flop, quando três cartas da mesa são postas em jogo; Turn, quando mais uma carta comunitária entra em cena; River, quando a derradeira carta passa a contar.

Desenvolvimento do poker nos Estados Unidos

É impossível falar de poker sem reconhecer seu surgimento e desenvolvimento nos Estados Unidos, um dos países que mais produz jogadores de poker até os dias de hoje. Nessa reportagem, abordaremos o estabelecimento e crescimento da World Series of Poker (WSOP), considerada o campeonato mundial do esporte. A WSOP é organizada anualmente em Las Vegas, desde 1970 e conta com eventos gigantescos. Seu evento principal, realizado desde 1971, tem um recorde de 8,773 participantes. Mas nem sempre foi assim.

Primeiro dia do evento principal da WSOP 2016 (Foto: Divulgação/WSOP)
Primeiro dia do evento principal da WSOP 2016 (Foto: Divulgação/WSOP)

Contando com uma taxa de entrada de 10 mil dólares desde seu início, a primeira edição do 'Main Event' da WSOP teve apenas 6 participantes. Os números foram aumentando a cada ano, mas nunca haviam chegado à casa de 1000 entradas até o ano de 2004, quando mais de 2,500 pessoas participaram do evento daquele ano. O motivo era justamente o que havia acontecido um ano antes, em 2003.

A popularização do poker nos EUA, com o 'efeito Moneymaker'

Em 2003, uma das histórias mais espetaculares da história do poker foi cunhada. Christopher Bryan Moneymaker, nascido no Tennessee, era um jogador amador na época e conseguiu se classificar para o evento principal da WSOP ao vencer um torneio 'satélite' realizado pelo site Pokerstars, gastando apenas 39 dólares. Jogando seu primeiro campeonato presencial, Moneymaker surpreendeu o mundo ao bater o profissional Sam Farha e se sagrar campeão do Main Event, embolsando 2,5 milhões de dólares.

Moneymaker foi campeão do Main Event em 2003 e se tornou profissional logo em seguida (Foto: Divulgação / Pokerstars)
Moneymaker foi campeão do Main Event em 2003 e se tornou profissional logo em seguida (Foto: Divulgação / Pokerstars)

A partir de então, os números da WSOP só aumentam, assim como os números do poker online. Os anos de 'boom' da versão online do esporte começaram em 2003 e só terminaram em 2006, quando diversos sites foram obrigados a deixar de oferecer seus serviços nos EUA por conta de uma lei que proibia o poker. No entanto, durante esse período de crescimento, o número de jogadores na internet praticamente dobrava a cada ano.

Desenvolvimento do poker no Brasil

No Brasil, o baralho sempre marcou presença no cotidiano dos cidadãos, e não foi diferente com o poker. A Brazilian Series of Poker (BSOP), realizada anualmente durante todo o ano, com diversas etapas, começou a ser organizada em 2006, com sete etapas, em apenas quatro diferentes cidades. A média de participantes era de 60 pessoas. Em 2016, foram oito etapas, em seis cidades, incluindo uma edição em Punta Del Este, no Uruguai.

A competição é organizada pela CBTH, confederação que luta pelo reconhecimento do poker como esporte e é reconhecida pelo Ministério dos Esportes, além de ser filiada à Associação Internacional de Esportes da Mente (ISMA, na sigla em inglês), responsável por abrigar, por exemplo, o xadrez.

Luta pela regularização e reconhecimento do poker como “jogo de habilidade”

O jornalista Sérgio Prado, comentarista da ESPN e repórter no blog do site Pokerstars, o maior relacionado a poker nos dias de hoje, contando inclusive com estrelas do naipe de Neymar, Ronaldo 'Fenômeno', Rafael Nadal e Cristiano Ronaldo como garotos-propaganda, comenta que a profissionalização do poker aconteceu em 2005, com os campeonatos e as casas de poker, mas fala sobre as dificuldades enfrentadas: “A maior dificuldade é a associação com jogo de azar e provar que o poker é um jogo de habilidade”, mas ressalta a importância que Aldo Rebelo deu a um evento do BSOP em 2013, quando era Ministro de Esportes: “Tivemos o Ministro dos Esportes abrindo uma etapa de BSOP e isso é muito importante. O poker hoje já é retratado sem essa visão prejudicial”, afirma o jornalista.

Experiente, Sergio Prado já dispensou Sportscenter para continuar trabalhando com poker na ESPN (Foto: Divulgação/Pokerstars)
Experiente, Sergio Prado já dispensou Sportscenter para continuar trabalhando com poker na ESPN (Foto: Divulgação/Pokerstars)

No entanto, o conhecimento e a divulgação são ressaltados como importantíssimos por Bruno Foster, um dos maiores jogadores brasileiros da atualidade: “É normal [o receio]. É a cultura de nosso país. A gente sabe que existe um pré-conceito já formado, mas acredito que isso seja por falta de informação. Quando a pessoa conhece o poker, passa a chamar de esporte, porque nem de perto é um jogo de azar”, declara. O paulista foi responsável pelo melhor desempenho do país num evento principal da WSOP, quando conseguiu chegar à mesa final em 2014, terminando na oitava colocação.

O poker não é criminalizado no Brasil, mas ainda não foi regulamentado, um passo que Sergio Prado considera importantíssimo para que qualquer dúvida deixe de existir. O jornalista elenca a taxação sobre os prêmios recebidos em torneios como um dos principais pontos que devem ser definidos em breve. Já existe um grande esforço para que o poker seja devidamente regulamentado no país e Igor Trafane, presidente da CBTH, já foi ouvido na Câmara dos Deputados, em comissão especial para tratar do fato. O comentarista crê que, até o fim de 2017, a regulamentação deva ser aprovada.

Divulgação dentro do país e visão profissional

O maior trabalho que vem sendo feito dentro do país é o de divulgação do poker como esporte, mostrando todo um aspecto sério e profissional da modalidade, antes muito reconhecida como um hobby. Para Foster, o trabalho vem sendo bem feito: “Com certeza absoluta [vem sendo bem feito]. Vemos isso pelos números e acredito que vá crescer mais e mais daqui pra frente. Todo mundo que conhece um pouco mais o poker sabe que é um esporte mental e requer habilidade, estudo e muita dedicação para ser vitorioso”, garante o jogador.

Foster obteve o melhor resultado brasileiro da história do evento principal da WSOP (Foto: Divulgação/Bruno Foster)
Foster obteve o melhor resultado brasileiro da história do evento principal da WSOP (Foto: Divulgação/Bruno Foster)

No entanto, Sergio crê que a maior parte do trabalho já foi feita e pode haver uma mudança de foco: “Por enquanto, o que temos que fazer é sentar e esperar, fazer o trabalho que já fazemos e regularizar o poker. Temos também que voltar a mostrar o lado divertido do poker, que vemos nos 'home games'”, indica. Os 'home games' são os jogos entre amigos, muitas vezes jogados em casa, sem profissionalismo algum, e comparados com uma 'pelada' de futebol por Bruno Foster: “O 'home game é o começo de tudo, a pelada com os amigos. O home game faz a pessoa ter contato com o esporte e conhecer o jogo. Faz também quem gosta de competir, estudar, se dedicar e ser melhor. Isso te leva a novos patamares. Sem estudo, você não vai a lugar nenhum profissionalmente”, cita o único November Niner brasileiro.

Foster, conhecido pela simpatia, também lança um desafio a todos que veem o poker como jogo de azar, tentando fazer sua parte na busca por provas de que o poker é um jogo de habilidade: “Joguem comigo. Tentem a sorte (risos). Os melhores jogadores do Brasil sempre estão indo bem, não pode ser sorte. Se fosse sorte, eu jogava na mega-sena. Se tiverem dúvidas, vamos fazer uma mesa redonda e jogar poker”, brinca o profissional.