Quando se fala em denúncias de abuso sexual, é comum ouvir o termo “reação em cadeia” - vítimas de violência que tem a coragem de expor seus traumas frequentemente dão forças a outras sobreviventes para que façam o mesmo. Nesta segunda-feira (15), a americana Simone Biles foi mais uma a participar da série de denúncias ao trazer à tona um abuso sexual sofrido no passado.

Em carta divulgada em uma de suas redes sociais, Biles disse ser mais “uma das sobreviventes” que foram molestadas por Larry Nassar, ex-médico da seleção de ginástica dos Estados Unidos. A ginasta também usou a hashtag #MeToo em sua postagem, trazendo visibilidade à campanha que escancarou assédios em Hollywood e hoje incentiva denúncias de crimes sexuais na internet.

Em um dos trechos mais marcantes da carta, Simone indaga: “Por muito tempo, perguntei a mim mesma: ‘Fui ingênua? Foi culpa minha?’ Hoje sei a resposta. Não.”  Ao final de seu depoimento, a atleta estadunidense também pediu privacidade para que possa “assimilar sua dor”.

Uma das grandes sensações da última Olímpiada, Simone Biles é também o maior nome da ginástica mundial atualmente. Dona de cinco medalhas na Rio2016 - sendo quatro delas de ouro e uma de bronze -, a ginasta americana também acumula 14 medalhas em torneios mundiais.

Além de confessar ter violado sete meninas, Larry Nassar foi condenado em dezembro de 2017 a 60 anos de prisão por posse de pornografia infantil. No passado, o ex-médico dos Estados Unidos foi acusado por mais de 100 ginastas de abuso sexual - incluindo McKayla Maroney, Aly Raisman e Gabby Douglas, todas campeãs olímpicas.

Nesta terça (16), vítimas de Nassar irão comparecer a uma corte em Michigan, nos Estados Unidos. A Promotoria espera que, até sexta-feira (19), 88 sobreviventes deem seus depoimentos sobre o maior escândalo de violência sexual do esporte.

Confira a carta de Simone Biles abaixo, na íntegra e traduzida:

"A maioria de vocês me conhece como uma garota feliz, sorridente e energética. Mas recentemente...Tenho me sentido um pouco quebrada, e quanto mais eu tento desligar a voz na minha cabeça, mais alto ela grita. Não estou mais com medo de contar minha história.

Eu também sou uma das diversas sobreviventes que foram sexualmente abusadas por Larry Nassar. Por favor, acreditem em mim quando digo que foi muito mais difícil dizer essas palavras em voz alta pela primeira vez do que é agora colocá-las no papel. Existem muitas razões para que eu tenha sido relutante ao compartilhar minha história, mas agora sei que não é culpa minha.

Não é normal receber qualquer tipo de tratamento de um médico em quem você confia e se referir horrivelmente a isso como um tratamento 'especial.' Esse comportamento é completamente inaceitável, repugnante e abusivo, especialmente vindo de alguém em quem me disseram para confiar.

Por muito tempo, perguntei a mim mesma: 'Fui ingênua? Foi minha culpa?' Agora sei a resposta para essas perguntas. Não. Não, não foi minha culpa. Não, não vou carregar a culpa que pertence a Larry Nassar, à USAG (federação de ginástica dos Estados Unidos), e a outros.É impossivelmente difícil reviver essas experiências e parte o meu coração pensar que, enquanto trabalho no meu sonho de competir em Tóquio2020, terei que retornar continuamente às instalações de treinamento onde fui abusada. 

Depois de ouvir as corajosas histórias de amigas e outras sobreviventes, sei que essa tenebrosa experiência não me define. Sou muito mais que isso. Sou única, esperta, talentosa, motivada e apaixonada. Prometi a mim mesma que minha história seria muito maior que isso e prometo a vocês que jamais vou desistir. Vou competir com todo meu coração e alma toda vez que botar os pés no ginásio. Não vou deixar esse homem, e outros que o permitiram, roubar minha alegria.

Precisamos saber porque foi possível que isso acontecesse por tanto tempo e a tantas de nós. Precisamos nos assegurar que isso nunca aconteça novamente.

Enquanto continuo a assimilar minha dor, peço gentilmente a todos que respeitem minha privacidade. Isso é um processo, no qual preciso de mais tempo para trabalhar.

Beijos, Simone Biles"