A chama da pira olímpica de Tokyo 2020 foi apagada. O momento simboliza o encerramento do ciclo longo e complicado. Mas antes de entregar a bandeira dos jogos a próxima cidade-sede, Paris 2024, acontecimentos abalaram o mundo.

Em dezembro de 2019, veio à tona o vírus SARS-CoV-2. Você está mais familiarizado com o nome de Coronavírus. A pandemia tomou conta. Tal complexidade, desconhecida pelo mundo científico, obrigou a humanidade a ficar isolada. Da obscuridade dos acontecimentos, veio a luz através da ciência. Assim, o mundo como conhecemos segue tentando encontrar a normalidade. Suspensa em seu ano de origem, Tokyo 2020 foi adiada para esse ano. 

Simbolismo de Naomi Osaka

Se para nós foi árduo sobreviver nesse período, podemos salientar a bravura dos atletas em participar das competições. Nada mais significativo da escolha de Naomi Osaka, número dois do mundo no tênis, para acender a pira para o início dos jogos - primeira da modalidade a protagonizar o ato da cerimônia.

"Sem dúvida, a maior conquista e honra atlética que terei em minha vida. Não tenho palavras para descrever os sentimentos que tenho agora, mas sei que agora estou cheia de gratidão e gratidão. Amo vocês, obrigada", expressou em sua conta no Instagram. 

Filha de mãe japonesa e pai haitiano, Osaka escolheu representar a terra do sol nascente. A tenista leva para dentro das quadras questões importantes: pautas sobre antirracismo e coragem para falar sobre saúde mental.

Em agosto de 2020, ela chegou a anunciar que não participaria das semifinais do torneio de Cincinnati em apoio aos protestos contra o racismo e violência dos policiais perante a comunidade negra nos Estados Unidos. Após o anúncio, os organizadores adiaram as partidas em forma de protesto coletivo: “[...] na minha cabeça isso chama mais atenção para o movimento. Quero agradecer a WTA e ao torneio por seu apoio”, pontuou em coletiva.

Já no último torneio de Roland Garros, a tenista levantou a questão de um assunto delicado e pouco falado no esporte. A saúde mental. Ela decidiu não comparecer às coletivas de imprensa para evitar estresse, chegando a ser multada. Além disso, a Federação Francesa de Tênis (FFT) ainda ameaçou excluir a tetracampeã de Majors. Bastante criticada, Naomi Osaka publicou uma carta na sua rede social dizendo sofrer de depressão.

"Nunca banalizaria a saúde mental ou usaria o termo levianamente. A verdade é que tenho sofrido longas crises de depressão desde o US Open em 2018 e tenho tido muita dificuldade em lidar com isso. Embora a imprensa do tênis sempre tenha sido gentil comigo. [...] tenho grandes ondas de ansiedade antes de falar para a mídia internacional", publicou na época.

Acompanhando o desempenho de alto nível dos atletas, por vezes esquecemos que eles não são máquinas, mas sim humanos. O ciclo olímpico, que normalmente perdura por quatro anos, foi aumentado para cinco. Para nós, pode não significar muita coisa. Já para eles não é bem assim.

Coragem de Biles

Multicampeã e ginasta mais premiada da história dos Estados Unidos, Simone Bilesencantou a todos com suas performances na Rio 2016. Com 19 campeonatos mundiais, sete nacionais e sete medalhas olímpicas (quatro de ouro, três de prata e duas de bronze), era a principal estrela de Tóquio. Contudo, algo estava errado. A luminosidade resplandecente encontrava-se fosca.

Foto: COI   

Aos 24 anos, Biles pediu para se retirar de quatro eventos e virar reserva dos EUA sem sofrer nenhuma lesão. O momento fatídico ocorreu na hora de se impulsionar na mesa de salto, realizando apenas uma volta e meia, quando seu plano era duas voltas e meia. Naquele instante, algo mostrava que não estava no lugar. A reação de espanto de Sunisa Leerepresentou quem estava acompanhando.

A ginasta conversou com a treinadora Cecile Landi e com o preparador físico da Federação de Ginástica Americana (USA Gymnastics). Logo, a nota explicando o motivo: "Após uma avaliação médica adicional, Simone Biles se retirou da competição individual geral final nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a fim de se concentrar em sua saúde mental. Simone continuará a ser avaliada diariamente para determinar se participará ou não nas finais de eventos individuais da próxima semana".

"Depois da apresentação que fiz, simplesmente não queria continuar", disse ela. "Acho que a saúde mental é mais importante nos esportes neste momento. Temos que proteger nossas mentes e nossos corpos e não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos", reforçou Biles.

Mesmo com a perda de sua tia, de forma repentina durante o torneio, a atleta se reergueu. Bravura vinda de 1,42 metros, no Centro Ariake de Ginástica, fez Simone Biles renascer e enxergar o mundo mais leve. Nas arquibancadas, vibrava com as participações, incluindo de nossa Rebeca Andrade, que falaremos no fim desta matéria. Com brilho de volta nos olhos, resolveu disputar a trave e faturou o bronze. Apesar de ser o lugar menos desejado do pódio, Biles demonstra que às vezes necessitamos recuar para dentro de nós para seguir em frente.

Foto: COI     

"Definitivamente trazendo uma luz para a conversa sobre saúde mental, é algo pelo qual as pessoas passam muito e que é meio que empurrado para baixo do tapete", disse quando questionada se uma medalha olímpica ou a conversa que ela ajudou a iniciar em Tóquio era mais importante. "Sinto que não somos apenas entretenimento, somos humanos também e temos sentimentos".

Tensões políticas

Coragem imensa para uns, enquanto outros esquecem o papel do esporte na sociedade e, principalmente, espírito olímpico, que prega união e igualdade. Uma das principais gafes veio do judô, na categoria 73 quilos. O argelino Fethi Nourine abandonou os Jogos Olímpicos de Tóquio para não precisar enfrentar o israelense Tohar Butbul. Para a imprensa de seu país, comentou sobre não sujar as mãos lutando contra um israelense. As tensões políticas falam mais alto.

País árabe situado no norte da África, a Argélia não reconhece o estado de Israel, assim como outros países de maioria islâmica. Por quebrar os princípios, a Federação Internacional de Judô (IJF) suspendeu temporariamente e abriu uma investigação contra o judoca argelino Fethi Nourine e o técnico dele, Amar Benikhlef.

"A IJF tem uma política rígida de não discriminação, promovendo a solidariedade como um princípio fundamental, reforçado pelos valores do judô. A retirada de Nourine foi em total oposição à filosofia da Federação Internacional de Judô", afirmou a entidade, em comunicado.

Falta de espírito olímpico

Outro ato foi do britânico Benjamin Whittaker. O boxeador da categoria meio-pesado (até 81kg), que eliminou o brasileiro Keno Machado, também perdeu o espírito esportivo ao rechaçar a medalha de prata. Inconformado com a derrota para o cubano Arlen Lopez, Whittaker não colocou a medalha no peito, preferindo guardá-la no bolso. 

Tais situações não representam a mensagem deixada em Tokyo 2020. Além de lembrarmos o lado humano dos esportistas, o espírito olímpico, no final das contas, prevaleceu no território japonês. A vitória vinda do esforço, aceitação das derrotas, a persistência para continuar seguindo ao lado dos princípios morais. 

Histórias de superação

Atual campeã mundial, Katarina Johnson-Thompson o significado de superação e resiliência. Favorita na prova dos 200 metros rasos do heptatlo, se lesionou durante a largada e caiu no chão aos prantos. A equipe médica chegou com uma cadeira de rodas. Mesmo sem conseguir apoiar o pé, recusou a ajuda. Às vezes pulava com uma perna só. Sem perder a esperança, seguiu firme até cruzar a linha de chegada.

A trajetória não é fácil, porém, possui um final libertador. Como da judoca Mayra Aguiar, sinônimo de grandeza. A palavra combina com o Japão, terra do imperador. Para abrilhantar, a gaúcha faturou a medalha de bronze, pela terceira vez seguida, no templo do judô, em Tokyo 2020. Uma grave lesão no ligamento cruzado do joelho esquerdo, em setembro de 2020, poderia colocar tudo a perder. Dois meses depois a cirurgia e mais sete de recuperação. O passaporte carimbado para as Olimpíadas veio no mundial de Budapeste.

Na decisão valendo a medalha de bronze, duelo tenso contra Yoon Hyun-ji, da Coreia do Sul. Com menos de um minuto as judocas já tinham sido advertidas com shido. Posteriormente, Mayra conseguiu levar a adversária para o chão e imobilizá-la por tempo suficiente para obter o ippon e, com isso, receber a medalha de bronze, tornando-se a primeira mulher brasileira com três medalhas Olímpicas depois de ter subido ao terceiro lugar do pódio em Londres 2012 e na Rio 2016.

De arrepiar

Da quase tragédia à esperança concretizada de um sonho. Frase que possui o mesmo efeito na pele de Gianmarco Tamberi. Após se recuperar de uma fratura no tornozelo, o italiano entrou em depressão por conta do baixo rendimento. Mutaz Barshim, do Catar, foi responsável pela volta do amigo às disputas de salto com vara. Nos jogos, nenhum conseguiu completar com sucesso. Ao invés de ter desempate, Barshim questionou se poderia ter dois campeões. Juntos protagonizaram algo inédito no salto com vara masculino: ter dois medalhistas de ouro na mesma prova.

Foto:   COI  

É humano fraquejar. O mais difícil é erguer-se de certas circunstâncias da vida. Como Sky Brown, de 13 anos, uma das novas gerações promissoras do skate park. Pupila da brasileira Letícia Bufoni, que competiu pelo street, na qual, considera sua heroína, passou por acidente assustador - fraturando o braço esquerdo, dedos da mão direita e crânio, no mês de maio de 2020. 

Sky menciona em sua conta de Instagram que Letícia Bufoni é sua heroína (Foto: Reprodução)

Circunstância delicada, contudo, Sky manteve os pés colados no skate para enfileirar manobras. Dos títulos do campeonato nacional britânico, veio a coroa do X Games, em 2021, consagrando-se com o bronze.

Foto: COI    

Heroínas brasileiras

Antigamente o skate era visto como marginalização. Sorte que vivemos períodos de evolução de entendimentos. Skate é esporte, união, confraternização. Nisso, a nova modalidade olímpica deu show a parte. Uma das favoritas, Misugu Okamoto teve uma pontuação baixa devido uma queda. As meninas da final do park mostraram sonoridade. Já no street, Bufoni estava cotada para subir ao pódio, mas não se classificou à final. Outra brasileira estava. Rayssa Leal, a fadinha, sempre teve sua a paulistana de 28 anos como inspiração. A veterana representou a torcida verde e amarela ao vibrar com a prata da jovem de 13.

Em cada modalidade há um herói. Sentimos quando nossos representantes passam em branco, por exemplo, a ginástica artística. Daiane dos Santos, Jade Barbosa e Daniele Hypólito. Nomes representativos e memoráveis. Desses, surgem novas revelações como Rebeca Andrade, que escreveu uma das mais belas histórias da ginástica do país. Sob o som de Baile de Favela, a guarulhense obteve a pontuação necessária para ser medalha de prata no solo, primeira de uma mulher para a modalidade do país em Jogos. 

Rebeca deu um salto para o ouro. Dose dupla nos jogos, sendo desta vez, no lugar mais alto do pódio. Deixando todos os brasileiros, fã de esporte, “rebequizados”. 

Atletas olímpicos, humanos e não robôs, mostram mensagens significativas em cada gesto. O caminho pode ser longo ou curto. Dependendo, tem um tempo exato para acontecer. Ana Marcela Cunhabatalhou por 13 anos até conquistar a medalha de ouro na maratona. 

Divulgação/COI
Divulgação/COI

"Finalmente chegou. Por mais nova que fui em 2008 na minha primeira Olimpíada, querendo ou não é o meu quarto ciclo olímpico, vindo de uma não classificação (em Londres-2012), uma frustração no Rio e um amadurecimento muito grande para chegar até aqui. O que posso dizer é 'acreditem nos seus sonhos e deem tudo de si", afirmou a campeã olímpica após a prova.

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