O esporte olímpico no Brasil tem, reconhecidamente, pouco apoio, seja financeiro ou estrutural. Tanto a sociedade, num geral, quanto empresas privadas e o Estado não provêm condições adequadas para que a prática desportiva seja realizada em alto nível e se desenvolva de uma maneira mais aguda. No entanto, com a realização dos Jogos Pan-Americanos, em 2007, e da Olimpíada, em 2016, no Rio de Janeiro, havia uma expectativa de que esse cenário poderia passar por mudanças. A esperança era ainda maior em relação aos esportes paralímpicos, ainda mais marginalizados e desconhecidos do grande público.

A Paralimpíada Rio-2016 quebrou recordes de público, com as vendas de ingressos ultrapassando os 2 milhões de bilhetes. O número foi suficiente para que a edição dos Jogos ficasse atrás apenas de Londres-2012, que teve 2,8 milhões de ingressos vendidos para os esportes paralímpicos. Em alguns dias, o público que circulou no Parque Olímpico, onde a maior parte das modalidades era disputada, era ainda maior do que o registrado durante a Olimpíada.

O acolhimento do público foi tratado como motivo de orgulho por diversos membros da organização dos Jogos, incluindo Andrew Parsons, então presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), que citou a questão em coletiva logo após o término da competição.

“É inegável que a população abraçou os Jogos Paralímpicos. Houve uma grande interação e essa interação aproxima. As pessoas se identificaram os atletas, porque eles estão mais próximos. Por incrível que possa parecer, ele é mais próximo de uma pessoa comum. Acho que o carinho ficou muito evidente”, afirmou o ex-dirigente da entidade.

No entanto, ficava no ar a dúvida: os efeitos da Rio-2016 conseguiriam perdurar e realmente trazer alguma melhora na condição de treinamento dos atletas paralímpicos? O apoio da sociedade e de possíveis patrocinadores realmente cresceria e ajudaria os deficientes a buscar mais o esporte paralímpico, facilitando a descoberta de novos talentos para as modalidades?

Otimismo em relação às parcerias se mantém

Segundo o ex-presidente, os patrocínios não deveriam ser um problema, após a realização da maior competição paralímpica do mundo: “Se eu fosse diretor de marketing de uma empresa, consideraria uma ótima oportunidade de interação, até mesmo com pessoas que não têm deficiência, pelo sucesso que foi [a Paralimpíada]. Acho que a sociedade tem que dar essa resposta. Os governos, o comitê paralímpico e os atletas têm feito sua parte”, havia declarado o então presidente, na mesma oportunidade.

O tom de Parsons também foi adotado pelo novo presidente do CPB, Mizael Conrado, que, ao contrário de seu antecessor, é ex-atleta paralímpico. Deficiente visual, o dirigente jogou futebol de 5, sendo bicampeão olímpico com o Brasil, em Atenas-2004 e Pequim-2008. Além disso, foi eleito o melhor jogador do mundo na modalidade, no ano de 1998.

Formado em Direito, Mizael assumiu a presidência da entidade em abril deste ano e, portanto, tem pouco tempo à frente do CPB, mas manteve o discurso e afirmou que busca, primeiramente, renovar os patrocínios que já estão vigentes, destacando o momento de crise que o país atravessa.

Mizael assumiu o comando do CPB em abril deste ano (Foto: Alexandre Magno/CPB/MPIX)
Mizael assumiu o comando do CPB em abril deste ano (Foto: Alexandre Magno/CPB/MPIX)

“Estamos em um estágio bastante avançado das negociações para a renovação dos contratos com as Loterias Caixa e a Braskem. Em um momento de crise no país, nossa prioridade é manter os investimentos a fim de seguir com o apoio que nos trouxe resultados tão bons nos anos que compuseram o último ciclo paralímpico”, disse, antes de também destacar o apoio estatal para o esporte.

“Além dos parceiros acima citados, nossas fontes de renda são a Lei Agnelo/Piva, que destina parte do prêmio das loterias federais ao CPB, além da parceria que mantemos com o governo do Estado de São Paulo por meio do Time São Paulo desde 2011. O projeto beneficia 56 atletas e nove atletas-guia de dez modalidades”, ressaltou o presidente.

Esporte paralímpico tem alto custo de manutenção para equipamentos

O atleta Júlio Cezar Braz, do rugby em cadeira de rodas, esteve na última Paralimpíada e foi eleito o melhor jogador brasileiro da modalidade, em cerimônia promovida pelo CPB, no fim do ano passado. Com má formação congênita nos membros inferiores e no braço direito, Júlio acredita que a situação de patrocínios ainda precisa avançar muito dentro do país.

“Acho que, em relação a patrocínios, deu uma melhorada sim. As empresas privadas estão olhando mais para o paradesporto, mas tem muito a melhorar ainda. Hoje o atleta tem bastante dificuldade para se manter no esporte. Isso é com o tempo para que as empresas olhem com mais carinho para o esporte paralímpico”, afirmou o cadeirante.

Campeão brasileiro pelo Minas Quad, o carioca de 25 anos também destacou a importância do evento para que o público em geral pudesse conhecer o esporte paralímpico.

Júlio Cezar Braz foi eleito o melhor jogador do país em sua modalidade no ano passado (Foto: Divulgação)
Júlio Cezar Braz foi eleito o melhor jogador do país em sua modalidade no ano passado (Foto: Divulgação)

“O público foi muito importante para torcer pela gente. Muitas das pessoas não conheciam o esporte paralímpico. Depois da Paralimpíada, esse interesse melhorou bastante. Acho que a Paralimpíada no Brasil foi muito importante para que as pessoas tivessem mais contato com o esporte. Ficou esse legado, as pessoas entendem mais, se preocupam mais em assistir, em saber como funciona”, sublinhou.

O discurso do atleta da Seleção Brasileira foi endossado pelo presidente do CPB, que salientou o papel que o esporte paralímpico ganhou dentro da mídia tradicional, afirmando que a meta do Comitê é manter essa relação mais próxima, tentando ampliar o mercado do paradesporto, mostrando que o mesmo é um produto que pode dar algum retorno financeiro e midiático junto à população.

Crescimento do esporte paralímpico passa por acessibilidade nas ruas

Apesar de reconhecer o crescimento do apoio ao esporte paralímpico, Júlio Cezar ainda fala sobre as grandes dificuldades que os atletas enfrentam no dia a dia, principalmente por conta do custo da prática do esporte e do cotidiano nas ruas da cidade.

“Ainda é muito pouco interesse. Nós temos muita dificuldade de competir, de fazer manutenção, no meu caso, da cadeira de jogo. Acho que hoje, pra uma pessoa com deficiência praticar algum tipo de esporte, ela depende de muita coisa. Transporte pra se locomover, ela precisa de ruas com rampas de acesso. Todas as cidades deveriam se espelhar no Rio, mas não apenas adaptar alguma cidade por competição, mas sim manter isso na rotina, porque a pessoa precisa ter o direito de ir e vir sem complicações. Com certeza as pessoas que estão em casa, sem fazer nada, vão ter interesse em participar de algum esporte”, observou o jogador de rugby.

Se, em relação à acessibilidade, Julio teme que os avanços fiquem restritos à cidade do Rio de Janeiro, Mizael Conrado destaca que um grande legado da Paralimpíada se estabeleceu em São Paulo, relembrando a construção do Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, que considera “ter potencial para ser o alicerce da preparação para os Jogos Tóquio-2020, e os seguintes”.

Visão de deficientes como "pessoas extraordinárias" incomoda atletas, conta Julio Cezar

Por fim, a mensagem deixada por Júlio Cezar é de que ainda precisa existir uma mudança na visão do público em relação aos atletas. É comum vermos, tanto em ações de marketing, quanto em reportagens, ou mesmo na opinião geral, o senso comum de que os atletas, simplesmente por conseguirem competir, superando suas limitações e as adversidades ou traumas pelos quais passaram em suas vidas, são vencedores. A situação é muito diferente da observada com atletas convencionais, que mesmo tendo desempenhos considerados excelentes, podem ser criticados por não conseguir uma medalha ou um título.

Falando também pela comunidade paralímpica como um todo, o carioca afirmou que o discurso de “não importa o que aconteça, vocês já são campeões” incomoda os atletas, uma vez que a vontade dos mesmos é ser visto como um atleta de alto rendimento, já que não participam das competições apenas para praticar um esporte.

“Sabemos sim que superamos limites, somos exemplos para outras pessoas, mas falo em relação a qualquer coisa que um deficiente venha a fazer, as pessoas acham que é uma coisa extraordinária, não veem como uma coisa normal. Se um deficiente for dirigir, acham extraordinário. Na minha concepção é algo normal”, afirmou Júlio Cezar.

Para o atleta do rugby, a Paralimpíada foi importante nesse sentido, para que as pessoas percebessem que o esporte paralímpico também é um esporte de alto rendimento.

“As pessoas puderam assistir o esporte e tirar um pouco essa visão de que deficiente é apenas um exemplo de superação, de que tudo que um deficiente faz é algo extraordinário. A gente quer ser visto por aquilo que a gente faz, o que a gente luta. A gente não é um exemplo apenas por fazer um esporte. Nós treinamos forte para conseguir medalhas e disputar competições de alto rendimento”, assegurou Julio.

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Sobre o autor
Gabriel Menezes
Jornalismo na UFRJ. Coordenador e setorista de Botafogo; Coordenador de Futebol Americano e Italiano