Um mundo de vencedores e heróis. O paratleta existe como prova de diversos tipos de forças, a de viver e a vontade de quebrar barreiras impostas por suas limitações. Juntando as duas forças, se tornam incríveis.

Não só os resultados vitoriosos conquistados em competições, o paratleta tem história de vida e esta é a sua maior e melhor vitória. Os heróis da vida nos ensinam mais do que a importância de competir, cada um deles nos ensina a importância de seguir vivendo e de vencer seus próprios obstáculos.

Em “Não Duvide Dessa Força”, as histórias são distintas, porém há um único ideal entre cada personagem: a reconquista do que é viver. 

O arco e flecha: a capacidade de recomeçar

Foto: Arquivo Pessoal

Em sua ficha de primeiros socorros, as palavras indigente e extremamente agressivo chamam a atenção. Paulo Roberto Germano jamais fora agressivo com ninguém e pequenos detalhes como aquele lhe causavam estranheza e graça. Como uma pessoa que jamais levantou a mão para bater em alguém é descrita como agressiva? Paulo não se lembrava de absolutamente nada, mas as palavras estavam ali: indigente e extremamente agressivo.

Os olhos azuis de Paulo demonstram o quanto o episódio, apesar de trágico, se tornou cômico. Com o olhar divertido, o rapaz conta que a socorrista saiu machucada e por isso a palavra agressivo está ali, destacada em sua ficha médica. Em seu estado de consciência normal, ele jamais teria feito isso.

"Hoje, quando eu pego a minha ficha e leio o que escreveram ali, eu dou risada, até porque não sou nada daquilo e me pergunto como eu estava para tudo isso acontecer".

Paulo sempre foi o tipo de jovem apaixonado pela liberdade e a encontrou com facilidade em cima de uma moto. O vento no rosto e a velocidade traziam a sensação total daquilo que ele mais gostava, ainda mais no auge de sua juventude.

Andar pelas ruas de Itajaí e ir às praias jogar vôlei com seus amigos fazia parte de seu dia a dia. Os passeios eram feitos sempre na companhia de sua moto. Essa rotina mudou completamente em 2010.

Aos 22 anos de idade, Paulo sofreu um acidente grave enquanto pilotava sua motocicleta. Nenhum registro da colisão com a moto dourada, modelo CB 300, ficou guardado em sua memória. Não há detalhes do ocorrido e Paulo não se lembra de nada.

O que ele realmente sabe é que a partir daquele dia, tudo em sua vida mudou. A velocidade já não foi mais sua aliada e a parceira de duas rodas teve que ser substituída.

"Me perguntam se eu estava andando muito rápido na moto no dia do acidente e eu não me lembro. Então, eu sempre digo que sim, afinal se não tivesse andando muito rápido isso não teria acontecido, né?",  indaga mostrando a cadeira de rodas em que está sentado.

O acidente deixou graves sequelas. Paulo perdeu os movimentos das pernas e sua recuperação foi bem lenta. Desde o coma induzido até a internação, foram um ano e oito meses no hospital. Saía apenas de ambulância para fazer exames em outra unidade hospitalar.

A recuperação de Paulo foi difícil não só para ele, mas também para aqueles que sempre estiveram ao seu lado, como sua prima Patrícia Lessa. Inseparáveis desde criança, Patrícia e Paulo eram “irmãos” e sempre foram muito apegados. Ela ficou durante todo tempo ao lado do primo no hospital.

"Ver o Paulo na UTI, no estado que eu vi, foi difícil demais", lamenta Patrícia, relembrando os momentos difíceis.

O quadro de Paulo mudava a cada dia e as incertezas batiam à porta da família. Ninguém sabia ao certo se ele sobreviveria. Um dia, o médico dizia que ele não passaria daquela noite, no outro, que era um milagre ele ainda estar vivo.

Com a instabilidade no estado de saúde de Paulo, a família se apegou a Deus e as orações.

"Foram muitas orações e dias de sofrimento", conta Patrícia.

A prima de Paulo lembra que não só as orações da família fizeram parte da corrente para ajudá-lo espiritualmente. Havia muito apoio por parte de amigos pelas redes sociais, o que para ela foi importante e emocionante.

"Quando eu entrava no Facebook dele, chorava ao ler tantas mensagens de apoio dos amigos e vendo a luta dele pela vida".

A partir disso, Patrícia teve a ideia de começar a escrever um diário sobre os dias de Paulo no hospital. Ali ela colocou pensamentos dela, escreveu sobre os dias do primo e toda sua recuperação no período em que esteve em estado grave. O diário foi como uma forma de desabafo, em que era possível colocar todos os seus lamentos em forma de texto.

"Eu ia quase todas as noites na UTI para revezar com a minha tia, ela ia durante a tarde porque o médico conversava com ela e eu ficava durante a noite".

Já acordado do coma, Paulo recebia visitas constantes no hospital. Mas havia um detalhe intrigante. Patrícia, que sempre esteve ao seu lado e passava por lá diariamente, era a única que não se fixava em sua memória. Paulo sabia quem era ela, mas nunca se lembrava que ela havia ido visitá-lo.

"Eu brincava bastante com ele, perguntava se ele sabia quem eu era e no outro dia pegava no pé dele", conta Patrícia. "Na verdade eu sabia que era questão de tempo e que isso acontecia devido aos medicamentos fortes".

Um outro fato intrigante aconteceu enquanto Paulo esteve internado. Ele se esquecia da prima sempre que ela deixava o quarto em que ele estava, mas a memória de Paulo continuava ativa, mesmo depois do grave acidente e do tempo que passou em coma.

"Teve um dia que minha internet deu pane, eu não lembrava a senha. Chegando na UTI eu perguntei para minha tia se ela sabia qual era, ela não sabia e o Paulo ouviu, na mesma hora ele disse qual era", relembra. "A senha era o nome da minha filha, nós tínhamos feito juntos e ele conseguiu lembrar com facilidade".

Patrícia se lembra também do dia que Paulo recebeu alta do hospital. Dia de festa, com direito a surpresa de familiares e amigos. Havia muito a ser comemorado.

"Foi quando entreguei o diário que escrevi para ele, como um presente para que pudesse ler e saber tudo o que tinha acontecido".

Desde o dia que soube do acidente do filho até sua total recuperação, a vida de dona Kátia mudou totalmente. Ela foi chamada ao hospital. O recado era que seu filho havia sofrido um acidente de trânsito, mas ela desconhecia a gravidade.

"Somente a mãe entra", disse o médico no primeiro contato com os familiares de Paulo, que aguardavam na recepção.

Na sala onde Paulo se encontrava, muitos médicos. Rostos preocupados revelavam a gravidade do caso. Foi neste momento que dona Kátia soube que a notícia não era nada boa.

"Tinham vários médicos em volta de mim para me segurar caso acontecesse alguma coisa. Eu não tive reação nenhuma, foi só um estado de choque", relata. "Eu vi o Paulo e eu sabia que ele não estava nada bem ali".

Dona Kátia jamais desistiu de seu filho. Foi muitas vezes tachada de não ter sentimentos, por se demonstrar uma pessoa fria diante da situação vivida com o filho. Ia constantemente ao hospital. Ficar em casa não era uma opção.

"Se eu ficasse em casa seria pior porque a cabeça da gente fica cheia de coisa. Então, eu ia trabalhar e depois vinha e ficava o resto do dia no hospital, mesmo com o Paulo na UTI. À noite, voltava para casa".

E mesmo com o caso de seu filho se agravando, dona Kátia não desistia. Ela estava ali por ele.

"Tinha dia que vinha aqui e ele estava respirando 80% por aparelho, os rins não estavam funcionando e um dos lados do pulmão também não. Os médicos não diziam que ele ia morrer, nem que ele ia sobreviver, mas a situação era difícil".

Mulher de fé, se apegou a Deus. Sabia que nele encontraria refúgio ou até mesmo a cura que seu filho precisava.

"Sempre fui de ir muito na igreja, às vezes saia do hospital e ia direto para lá. Me apeguei muito a Deus enquanto o Paulo esteve mal", dona Kátia sorri ao falar. "Nós ficamos nessa luta por dois meses, foi quando os médicos começaram e tirar ele do coma".

Após a saída do coma, veio a recuperação lenta de Paulo. Ela sempre esteve junto dele em todos os momentos e em cada vitória que o filho conquistava. Após um ano e oito meses internado, recebeu alta. Hora de voltar para casa e seguir o tratamento com o apoio de dona Kátia.

"Quando soube que o Paulo não ia mais andar, eu mandei quebrar tudo em casa. Quebramos calçada, a porta de entrada, adaptamos o banheiro com barra de ferro e o quarto dele também", dona Kátia fala com orgulho. "Era o mínimo que eu podia fazer, afinal, ele é meu filho e nada nele mudou, ele continua sendo a mesma pessoa de sempre".

Com o passar do tempo, Paulo seguia na fisioterapia em casa. Seu quadro de paralisia era irreversível. O fato de estar vivo era a alegria que o inspirava a seguir em frente.

Na cadeira de rodas e precisando de ajuda para fazer algumas funções básicas, Paulo seguia sua vida normalmente. Não queria ficar abalado, não podia ficar abalado. Até que um dia, Paulo retomou sua liberdade.

"O dia que eu voltei a dirigir foi como se eu tivesse conquistado toda minha liberdade de volta, sabe? Eu podia sair sozinho, fazer o que queria, senti que estava livre".

O único processo que gerava dificuldade era guardar a cadeira de rodas no carro quando ele se deslocava para o banco do motorista.

"Eu demorava horas para dobrar a cadeira e guardar no carro. Hoje faço isso em uns dois minutos, no máximo", comemora.

Um outro rumo que mudou a vida de Paulo completamente foi se encontrar no esporte. Antes de sofrer o acidente, o pouco que fazia era apenas ir até as praias bater uma bolinha com os amigos, mas jamais havia pensado na prática esportiva como algo a se dedicar.

Incentivado por amigos, Paulo iniciou no handebol em cadeira de rodas. Ficou por três anos, mas não se identificou tanto com o esporte e procurou a modalidade de arremesso, no atletismo. Ficou algum tempo e depois experimentou o tênis de mesa, modalidade pela qual chegou a participar de competições. Até que um dia, conheceu o tiro ao arco, também conhecido como arco e flecha, e se interessou muito pelo esporte.

"Eu sempre gostei de arco e flecha, porque via nos filmes medievais, então quando vi a modalidade e a conheci através do Antônio, fiquei muito interessado em praticar".

Por meio do gosto despertado pelos filmes, Paulo passou a participar da modalidade e foi onde se encontrou no paradesporto. Agora, não pretende mais sair dela.

"Nós precisamos disso para se provar capaz de novo", confessa.

Há dois anos praticando a modalidade de tiro com arco, Paulo é apaixonado pelo que faz e se sente cada vez mais motivado a continuar e seguir em frente na prática esportiva. Além dos treinos na pista de atletismo de Itajaí, Paulo também frequenta a academia para fazer treinamentos adaptados. O fato de praticar esporte e ir malhar na academia, sempre pega algumas pessoas de surpresa.

"Quando falo que vou na academia, existem algumas pessoas que me olham espantadas, de início isso era algo que afetava, mas hoje é uma coisa que só me motiva ainda mais, porque sei do que sou capaz".

E para Paulo, praticar esporte se tornou motivação em sua vida, não só pelos benefícios que isso trouxe para ele, como também o ânimo em voltar a fazer as coisas.

"Saber que ainda podia fazer algo que sempre gostei que era praticar esportes, foi uma motivação e tanto", afirma. "Com o arco e flecha foi paixão à primeira vista".

O arqueiro ainda se lembra de sua primeira aula de arco e flecha e qual foram as primeiras sensações ao iniciar na modalidade que tanto admirava ao ver nos filmes ainda quando era jovem.

"Desde a primeira aula, a calma, a sensação do tiro, acertar o alvo, foi tudo muito bom! E desde então não parei mais, fazem dois anos que prático e a evolução no próprio esporte foi muito gratificante".

Além da evolução esportiva, há também a evolução pessoal.

"Já no lado pessoal, a postura, a resistência, é uma nova evolução a cada mês como atleta".

Já como atleta oficial da modalidade, Paulo também se recorda de sua primeira competição disputada com a equipe de Itajaí, para ele tudo foi muito tenso por ser a primeira vez competindo oficialmente, mas tudo funcionou bem.

"Na minha primeira competição eu não pude atirar como iniciante, pois já possuía equipamento próprio, então fui atirar como competidor normal", explica Paulo. "Eu era o único cadeirante na competição com pessoas que atiravam a mais tempo que eu, meus adversários não tinham nenhuma deficiência física aparente, então meu nervosismo foi nas alturas", relembra.

Mas Paulo estava ali para fazer o que vinha treinando: atirar! E por ser novato na competição, foi muito bem recebido pelos seus adversários.

"Logo nas primeiras rodadas de tiros, todos próximos foram solícitos e ficaram agradados pela presença de mais um competidor", se recorda. "No final da competição, mesmo com um resultado muito abaixo do esperado, sai com muita alegria de ter conseguido completar a prova e das amizades que foram feitas".

O arqueiro ainda não possui medalhas das cinco competições oficiais que já participou, mas carrega para si a responsabilidade de ser o único competidor cadeirante masculino da modalidade, o fato deu a Paulo o recorde estadual de pontuação.

Das competições que Paulo participou, todas foram dentro de ginásios fechados e indoor, ou seja, com o alvo a 18 metros de distância do atirador.

"Agora queremos ir para o outdoor, que é em campo aberto e com o alvo a 70 metros de distância", explica.

Paulo carrega para si apenas experiências positivas das competições em que esteve presente e também de representar a modalidade de arco e flecha.

"Poder competir é a satisfação de saber que você pode muito mais do que você pensa, é sem igual".

Capítulo 2

A força das águas

Foto: Arquivo Pessoal/Facebook

Uma mulher quando espera um filho aguarda ansiosa as 40 semanas se passarem para, finalmente, poder dar à luz a um ser que está sendo gerado dentro de si. Toda mãe espera que, após os nove meses de gravidez, seu filho venha ao mundo com saúde e sem nenhum problema ou imprevistos. Com Matheus Rheine, não foi exatamente assim.

Matheus ficou no ventre de sua mãe por pouco mais de 24 semanas e veio ao mundo quando a gravidez ainda estava nos seis meses e meio. Nasceu bem antes do prazo previsto pelos médicos, com 1,240 kg e 39 cm. O nascimento prematuro veio acompanhado de complicações. O garoto precisou ficar na incubadora da maternidade até estar totalmente saudável para ir para casa. O que dificultava ainda mais o caso era o fato dele ter bronquite, diagnosticada logo no nascimento.

As semanas na incubadora, para o pequeno Matheus se desenvolver melhor, mudaram sua vida para sempre. A criança de poucos dias de vida perdeu completamente a visão. Matheus ficou cego por causa do excesso de oxigênio da incubadora.

"Eu não sei bem o que aconteceu comigo, se queimou a retina, se foi deslocamento, mas eu sei que o nome é retinopatia da prematuridade", explica Matheus.

Para a mãe de Matheus, dona Rose, a pior parte foi deixar o filho por dois meses na maternidade. O bebê precisava ganhar peso, enquanto ele não atingisse os 2 kg, teria que continuar internado.

"O dia que ele chegou ao peso necessário, fui correndo atrás do médico igual uma louca para pedir para levar meu filho", relembra dona Rose.

Segundo a mãe de Matheus, os médicos de Brusque alegam que o fato do menino ter ficado cego não foi consequência de negligência médica e sim porque a cidade não tinha uma UTI Neonatal e a incubadora onde ele ficou não possuía controlador de oxigênio.

"Mas isso a gente releva. Tudo depende de como você vê quando acontece uma coisa desse tipo na sua vida. Eu sempre falo que há quem diga que quando tem um filho com problema, é como se ganhasse um brinquedo quebrado", conta. "Graças a Deus eu nunca pensei assim, meu filho é o maior presente na minha vida e minha maior riqueza".

Segundo o doutor Andresson Figueiredo, especialista em oftalmologia, a retinopatia da prematuridade ocorre quando os vasos ópticos não se desenvolvem, não chegam até a periferia da retina.

"Esses vasos começam a virar uns novelinhos que a gente chama de neovaso e aí começa a aparecer uma borda estranha, levantada, que cresce e causa uma fibrose. Isso pode puxar a retina, descolar ela e causar uma perda permanente da visão".

Os pais de Matheus tiveram muitas dificuldades para lidar com a deficiência visual do filho. Quando soube da cegueira total dele, a única reação que sua mãe teve foi chorar por uma noite inteira. Seu garoto, apesar de ter nascido prematuro, tinha vindo ao mundo com a visão perfeita, jamais pensou em receber uma notícia daquela.

"A mãe conta que, depois de chorar, prometeu que me daria a melhor vida possível e me trataria como uma criança normal, como todas as outras", relata Matheus, com a voz calma.

E foi assim que aconteceu. A infância de Matheus foi como a de todo garoto, com brincadeiras na rua, cercada de colegas, passeios de bicicleta e também de skate. Eram atividades normais. Sua mãe sabia que ele podia praticá-las e não tinha motivos para impedi-lo.

A infância de Matheus foi aproveitada da melhor forma possível, o menino era travesso na escola e também em casa, lembra dona Rose. Entre as brincadeiras praticadas por Matheus, as mais comuns eram pegar o carrinho de rolimã e descer as ruas e escalar muros. Não havia restrições e a palavra medo era proibida entre os pais do garoto.

"O pai do Matheus tem muitos méritos quanto a isso, nós sempre falamos sobre o que era perigoso, mas a palavra medo não fazia parte do vocabulário", conta a mãe de Matheus.

E o rapaz lembra muito bem da liberdade dada pelos seus pais.

"Meus pais me deram liberdade para ter uma experiência que toda a criança tem", declara Matheus.

Sempre ao lado do filho para dar auxílio, os pais de Matheus, além de darem liberdade ao garoto, também alimentavam sua mente com os detalhes que ele não podia ver através com os olhos.

"Eles sempre conversaram bastante comigo, tentavam me descrever as paisagens, os locais. Tudo com muita riqueza de detalhes". Conta Matheus, relembrando de sua infância. "Então, não teve nenhum problema nesse ponto e eu também era muito de boa para lidar com isso.Ainda na infância, Matheus sofria com fortes crises de bronquite".

Apesar de ser muito novo, tem hoje 24 anos, ainda guarda na memória as diversas vezes que, no meio da noite, acordava com dificuldades para respirar.

"A bronquite me fazia ter crises fortes, fui em vários médicos, fazia nebulização e isso ajudava bastante quando estava em crise". releva. "Mas para melhorar mesmo, o médico recomendou que eu fizesse natação. Eu tinha três anos de idade".

O início na natação, ainda na infância, foi para melhorar a saúde de Matheus, fortalecer os seus pulmões e eliminar as crises de bronquite. O brusquense seguiu com as aulas durante toda a sua infância. Via o esporte somente como mais uma forma de tratamento.

"Meus pais me colocaram para fazer aula e começar a ser estimulado, para ver se melhorava essa questão da saúde. Aí, quando eu era criança e fui crescendo, praticava a natação pela saúde", conta.

A mãe de Matheus, dona Rose, sabia a importância que teria na vida do filho estar dentro da piscina e, por esse motivo, confiou que a criança não teria problemas por ser cega e estar na água.

"Eu só entreguei o meu filho na mão do professor e disse: ele é todo seu", relembra. "Eu morria de medo de água, mas meu filho precisava daquilo e eu sabia que podia confiar em quem estava cuidando dele".

Com o passar do tempo, o pai de Matheus começou a inserir o filho também em outros esportes. Um deles foi o futebol.

"Meu pai comprou uma bola com guizo (sino) para me incentivar no futebol, mas nunca gostei muito", confessa. "Eu até brincava com a bola, mas não era minha paixão".

A bola dada de presente para Matheus tinha um motivo, seu pai, José Luís Rheine, já havia jogado futebol. No início da carreira, chegou a disputar algumas partidas ao lado do craque Romário. Diferente do ídolo brasileiro, o pai do brusquense não seguiu na profissão.

Embora não quisesse seguir os passos do pai, o esporte se tornou cada vez mais presente na vida de Matheus. Nas aulas de Educação Física da escola conheceu um pouco do atletismo.

"Eu fazia atletismo na educação física, corrida e geralmente corria pela rua também. Eu gostava".

O que realmente mexia com Matheus era a natação. Sequer passava por sua cabeça que a piscina mudaria completamente sua vida e que aquele esporte se tornaria sua profissão.

"A natação, pelo fato de eu estar desde criança em contato com as piscinas, talvez tenha incentivado na questão da escolha", afirma.

Apesar de estar nas águas desde pequeno, Matheus só passou a se dedicar ao esporte em 2006, quando ele descobriu que na natação existiam competições paralímpicas de sua classe, a S11, exclusivas para cegos total.

No ano seguinte, em 2007, Matheus já estava pronto para disputar seu primeiro campeonato, que aconteceu em Brasília. 

"Nos anos que se passaram de 2006 até 2008 eu treinava, mas como eu ainda estava estudando, eu não conseguia me dedicar cem por cento a natação". Explica.

Foi em 2009, ainda em meio aos estudos que Matheus percebeu que a natação de fato poderia mudar a sua vida. Em sua primeira competição internacional, disputada aos 16 anos de idade, as ideias começaram a mudar na cabeça do brusquense.

"Até 2008 por aí, eu ainda não sabia que seria o meu futuro", relata.

Antes de se formar no Ensino Médio, em 2010, os treinos de Matheus aconteciam três vezes por semana. Depois de formado, a dedicação mudou e passou a ser totalmente focada para o esporte.

"Quando foi minha primeira competição internacional, já começou a despontar muito mais essa ideia na minha cabeça. Eu estava gostando tanto de natação que eu sentia aos pouquinhos que ela estava me trazendo a vida, eu sentia que ela estava despertando dentro de mim coisa que eu, com outras áreas que eu fosse seguir, outros caminhos que eu fosse seguir, eu não teria isso", declara, com a voz carregada de amor e orgulho.

Para Matheus, fazer parte da equipe de natação vai além do esporte e de conquistas, ele também pode dar ao atleta autoestima, cultura e novos aprendizados. Foi experiência ele vivenciou ainda em 2009, na sua primeira competição internacional.

"Antigamente eu nem conversava com as pessoas, eu era muito mais fechado no meu mundo, eu gostava muito de jogar, então quando eu não estava estudando eu estava em casa jogando no computador ou vídeo game, mas eu não conversava tanto assim com as pessoas e a partir do momento que eu fiz aquela viagem para os Estados Unidos em 2009, era uma competição de jovens, foi quando eu vi que ali eu poderia aperfeiçoar o meu inglês, conhecer outras culturas, então ia muito além do esporte em si".

E de lá para cá, a vida de Matheus só mudou para melhor com a pratica da modalidade. O esporte que antes era apenas para melhorar sua saúde, se tornou sua profissão, seu motivo de orgulho e sua verdadeira paixão.

"O fato de eu estar ali competindo, estar nadando me traria algo que mudaria por completo e de fato mudou".

Atualmente, Matheus Rheine faz parte do quadro da Seleção Brasileira Paralímpica de Natação e percorre o Brasil e o mundo caindo nas piscinas, em competições nacionais e internacionais.

O atleta foi parar na Seleção Brasileira com a ajuda de um amigo de seu pai que informou da existência do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Matheus procurou saber mais sobre a CPB, encontrou o comitê e a partir de 2009 passou a disputar os regionais, onde todos os atletas iniciam.

"A partir disso, existem índices para você participar dos nacionais", explica o atleta. "E aí quando você vai para os nacionais é como se fossem escadas, você vai subindo. No nacional tem as pessoas do Comitê que já ficam de olho para ver o potencial do atleta", conta. "Tanto que a Seleção nunca é definitiva, se você não estiver tão bem, você não vai e ela vai se renovando a cada ano. Então nós descobrimos o Comitê através de amigos e por essa competição que eu fui em 2007".

Uma das conquistas do nadador, já disputando pela Seleção, foi em Toronto, no Canadá. De lá, Matheus trouxe para casa a medalha de ouro de sua classe no ano de 2015, nos Jogos Parapan-Americanos. Além de conquistar o lugar mais alto do pódio, o brusquense bateu recorde de tempo, fazendo 27s32, nos 50 metros livres. Naquele mesmo ano, Matheus já havia conquistado medalha de prata no Mundial de natação.

Apesar de colecionar medalhas, uma das maiores conquistas de Matheus aconteceu recentemente, nos Jogos Paralímpicos Rio 2016, onde o nadador foi medalha de bronze nos 400 metros livres de sua classe, a S11.

"Competir no Rio e ganhar essa medalha teve um peso que nunca mais vai ter igual. Por mais que nas outras Paralímpiadas eu consiga levar meus pais e minha esposa, lá no Rio tinha mais de quarenta pessoas que eu conhecia, tinha parte da família do meu pai, que tem um carinho muito grande por mim, e todos me receberam de braços abertos", relembra com alegria. "Eu me emocionei demais, foi incrível. É uma felicidade que a gente sonha junto, comemora junto, então esse é o peso maior que eu pude trazer com essa conquista e também diante de tanta coisa que a gente passa no país, poder trazer felicidade para tanta gente. Isso não tem preço".

 

*Esta reportagem foi produzida sob orientação do professor Gustavo Paulo Zonta, para a disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso da Universidade do Vale do Itajaí