Gol de Éder vai além do título português: é de Guiné-Bissau e dos imigrantes pelo mundo

O gol mais importante da história de Portugal. O chute potente, rasteiro, a trajetória indefensável até o canto das redes do Stade de France. Portugal 1 a 0 na final da Eurocopa de 2016. A bola do maior título da história da seleção portuguesa. O arremate decisivo ao título europeu foi efetuado por Éder, antes contestado e que passava longe das previsões do protagonismo. Ele nasceu no país africano de Guiné-Bissau, terra tão distante dos holofotes midiáticos.

Guiné-Bissau localiza-se na África Ocidental e teve colonização portuguesa. Em domínio de Portugal, passou pelas atrocidades do tráfico negreiro e também pela dominação por parte do reino africano de Mali. Um país com histórico de violência, de golpes de Estado, de guerra civil durante os anos 1990. Um país de derramamento de sangue, de atentados, de pobreza. Com o Produto Interno Bruto como um dos mais baixos do mundo. Em 1987, na capital Bissau, nasceu Éder.

Refugiados que deixam Guiné-Bissau (AP IPhoto)

Sua trajetória portuguesa inicia aos três anos, em 1990. Batizado em Portugal como Éderzito, o jogador teve um histórico de vida digno de filmes de superação, mas que exaltam a realidade. Nada ficcional na vida do jovem afastado da família e que passou a viver em um orfanato em Coimbra. O Lar Girassol acolheu Éder e, tal qual a flor que origina o nome da instituição, ele teve uma nova órbita. A bola de futebol foi seu sol. O dele e dos amigos de infância.

Diferente da maioria dos que tentam o sonho da profissionalização no esporte, Éder conseguiu ser selecionado para jogar nas categorias de base do Adémia. Sempre em frente, aos 19 anos, chegou à primeira divisão portuguesa pelo Academica de Coimbra.

Foi comparado ao também africano Emmanuel Adebayor, nascido no Togo, ex-atleta do Arsenal e atualmente no Crystal Palace. Éder passou pelo Braga, foi bem o suficiente para figurar pela primeira vez com a camisa da seleção de Portugal, regularizado como naturalização. Nos altos e baixos, passagem apagada pelo Swansea e, somente como reserva do clube francês Lille, seguiu na lista de convocados para Eurocopa.

Um jogador duramente criticado, mas que encara tudo de frente. Festeja seus gols pelo Lille com uma luva branca, um símbolo de luta e resistência. "Trabalho da melhor forma para ultrapassar isso tudo. Desde criança que ultrapasso algumas adversidades e isso tem sido muito importante para mim. Quero continuar a trabalhar da melhor forma para ajudar a seleção", apontou em junho, antes da Euro, para o periódico O Jogo, de Portugal.

"Não procuro calar ninguém. O meu objetivo passa por ajudar a seleção da melhor forma. Entendo que as pessoas queiram dar a sua opinião, a mim resta-me conviver com isso e trabalhar da melhor forma", disse sobre as críticas que recebeu, inclusive sobre a convocação à Euro, competição da qual sai como herói do gol do título.

Éder é uma história para abrir os olhos das sociedades. Os imigrantes sofrem. Em questões que não são novidade, mas que ganham repercussão pela Europa e pelo mundo pelos altos índices de pessoas detidas nos últimos anos. A maioria dos que emigram hoje da África ou do Oriente Médio para Europa, fogem de guerras em seus países de origem, como Afeganistão, Síria e Somália.

Não precisa ir tão distante para perceber o preconceito e o mau tratamento a quem busca uma saída dos campos de violência, a quem busca reencontrar familiares ou alçar alguma melhoria na vida. No Brasil, recentemente, as imigrações de haitianos, senegaleses, sírios, dentre outros, geram conflitos na sociedade. Muitos têm auxílios negados, ou pior, são vítimas de xenofobia, de violência física ou verbal.

Muitos são minimizados pelo fato de serem estrangeiros, mas podem ser fluentes em três ou mais idiomas, podem ter formação de ensino superior em seus países e gostariam apenas de oportunidades e aceitação da comunidade. O poder público e a sociedade não podem contornar os problemas, não devem excluí-los mais.

A cobertura midiática muitas vezes é culpada pelas impressões e consequências negativas atribuídas aos imigrantes. É importante salientar que vários problemas de países africanos surgiram ou foram agravados com as interferências europeias no continente nos diferentes períodos coloniais. Guiné-Bissau, país de Éder, só conseguiu sua independência em 1973, 14 anos antes do nascimento do atleta.

Por outro lado, ações de clubes em auxiliar os novos integrantes da sociedade são bem-vindas. Em clássico Fla-Flu de 2015, o Fluminense realizou ação de recibimento de refugiados sírios e outras providências se estenderam.

Mensagem no Maracanã durante Fla-Flu (Foto: Henrique König / VAVEL Brasil)

O Grêmio já recebeu senegaleses e haitianos na Arena, antes de partida contra o próprio Fluminense, em novembro de 2015. São ações não somente para o acolhimento dos viajantes, das pessoas de culturas distintas, mas também para os demais setores da sociedade os notarem, verem que estão aqui. Eles fazem parte do convívio e precisam receber seus direitos, suas oportunidades. De violência, já bastam os locais de suas origens e suas trajetórias vividas.

Em meio a isso, a importância do gol de Éder. Um gol para Portugal sorrir e chegar ao título mais importante de sua história. Mas as consequências precisam ser muito maiores. Ao próprio reconhecimento do jogador, com sua valorização e glórias merecidas. Ao reconhecimento dos africanos e descendentes que hoje fazem parte da Europa, que fazem parte do Brasil. Aos que encaram viagens longas e conflitos sociais, na esperança de mudar de vida e de dias melhores.

Sobre os países em situações de guerra civil, de extrema miséria, de perseguições religiosas ou ditaduras e seu povo, que tão pouco recebe de condições e necessita alternativas para sobreviver.

O gol de Éder precisa ser reprisado na mente da sociedade. Um gol de Portugal, mas um gol de Guiné-Bissau e da África, que clamam por atenção e melhorias. Um gol que ecoa pelos imigrantes e refugiados pelo mundo.

Refugiados no Sudão
(Getty Images)
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