Especial: as dificuldades e rotinas enfrentadas por correspondentes esportivos na Europa
Fotomontagens: Hugo Alves/Editoria de Arte

Lidar com a informação no jornalismo esportivo compreende estabelecer ligações com jogadores, comissões técnicas, dirigentes e torcedores. Mas ter acesso a todos esses agentes, bem como conduzir essas relações, são processos distintos e variáveis de acordo com lugares e culturas diferentes.

Já pensou em como é o dia a dia e a rotina de trabalho de um repórter brasileiro que atua na Europa? Pensando nisso, a VAVEL Brasil entrou em contato com correspondentes esportivos que cobrem o futebol europeu, a fim de saber as dificuldades que enfrentam e suas percepções. Agora, são eles quem estão do outro lado do microfone.

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Quem acompanha com afinco futebol europeu nos canais ESPN conhece o trabalho de João Castelo-Branco. Filho de José Trajano, jornalista que ajudou a consolidar a referida emissora no Brasil, João vive na Inglaterra e cobre a Premier League, considerada por muitos a melhor liga do mundo. Em contato com a reportagem, o profissional apontou as principais dificuldades que um correspondente encontra na Europa.

Talvez a falta de estrutura seja a maior dificuldade”, disse. “Pelo menos na minha situação, não trabalho em uma redação, trabalho sozinho de casa. Poucas emissoras brasileiras têm escritórios fora, então muitos correspondentes trabalham sozinhos ou com equipes pequenas”, contou.

“Os brasileiros sempre são os últimos a saírem do estádio, porque ficam editando reportagens” - João Castelo-Branco

João mora em Londres desde seus 9 anos. Torcedor assumido do Arsenal, o repórter fez uma análise sobre o jornalismo esportivo nos dois países os quais conhece bem. “O jornalismo esportivo na Inglaterra é bem diferente do que no Brasil. A qualidade da produção e captação é de um nível muito alto. Mas não trabalham da mesma forma. Não fazem tantas reportagens diárias. As matérias especiais e entrevistas são muito boas. Mas no dia a dia, produzimos muito mais jornalismo no Brasil”, destacou.

Após conseguir a aquisição dos direitos da Uefa Champions League até 2018, o Esporte Interativo investiu pesado na cobertura das principais ligas europeias. Para deixar os fãs de futebol ainda mais próximos dos clubes mais badalados do mundo, a emissora pertencente ao grupo Tuner enviou repórteres a países nos quais os times são figurinhas carimbadas na Champions. Marcelo Bechler e Tatiana Mantovani são dois bons exemplos desses jornalistas.

Bechler cobre o Barcelona, reside na capital da Catalunha há dois anos e está habituado à cultura da imprensa espanhola. Segundo o repórter, os clubes europeus são muito mais fechados que os brasileiros. “No Brasil, você tem um contato muito mais próximo. Já aqui na Europa isso não existe. Eu fiz um minidocumentário do Barcelona, onde precisava entrevistar o presidente do clube, e fiquei quatro meses negociando uma entrevista de 15 minutos. Aqui é muito difícil”, salientou.

“Todos os dias que saio de casa, eu penso assim: tenho que ter noção da realidade que eu estou vivendo” - Marcelo Bechler

Diferente do que acontece no Brasil, onde há entrevistas coletivas de jogadores em quase todos os dias da semana (com exceção em jogos e folgas), na Europa, os clubes são mais resguardados com relação à imprensa. Em meio a isso, Bechler pontuou que a baixa demanda de pautas diárias obriga o repórter a ser mais criativo. E mais, que essa conservação dos clubes com a imprensa tende a acontecer no Brasil.

Tatiana Mantovani endossou o discurso de Bechler. A repórter que cobre os dois principais times de Madri, Atlético e Real, afirmou que é preciso mudar a mentalidade a partir do momento em que o jornalista pisa em solo europeu para fazer o seu trabalho. Ela atribuiu a maior dificuldade de ser um correspondente esportivo na Europa à forma de trabalho no país.

Você tem que se adaptar ao jeito que os clubes lidam aqui, que é bem diferente do Brasil. No Brasil, o pessoal tem acesso a treinos, conseguem entrevistas com os jogadores e com a direção; então, o acesso ao clube é muito mais fácil. Aqui na Europa, é tudo muito restrito”, avisou.

“O grande problema que eu vejo na diferença do Brasil para a Espanha é realmente os meios de comunicação vestir a camisa de um clube” - Tatiana Mantovani

A jornalista também ressaltou a disputa dos jornais de Barcelona contra os de Madri, que acabam sempre enaltecendo um determinado clube e denegrindo o outro. “No jornalismo impresso, a gente tem que separar muito. Há jornais e jornalistas clubistas. A gente sabe que aquele jornalista vai te trazer uma informação muito mascarada pelo time que ele está cobrindo e por qual jornal ele está trabalhando”, enfatizou.

Flexibilidade maior com os veículos do Brasil

Editor-chefe no diário AS e correspondente do Redação SporTV e da BBC Brasil em Madri, Fernando Kallás também conversou com a VAVEL Brasil sobre o assunto que deu origem a esta matéria. Na Espanha há sete anos, o jornalista revelou que os clubes espanhóis são mais solícitos aos meios de comunicação brasileiros do que aos próprios veículos locais. 

Nenhum jogador pode dar entrevista sem a autorização do clube. Só que existe uma flexibilidade maior para os meios de comunicação brasileiros”, afirmou.

Por exemplo: eu trabalho para o Redação SporTV e para o AS; tenho contrato com as duas empresas. Se hoje eu digo para o Real Madrid que sou Fernando Kallás e quero falar com o Marcelo para o diário AS, o clube vai decidir se o Marcelo fala comigo ou não. Agora, se eu ligo para o Real Madrid dizendo que eu quero falar com o Marcelo para o SporTV, o Real Madrid vai ligar para o Marcelo e vai perguntar se ele quer ou não falar com o SporTV”, contou.

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