Entre a paixão e o profissionalismo: o retrato dos setoristas esportivos
Fotomontagens: Hugo Alves/Editoria de Arte da VAVEL Brasil

Eles estão sempre atualizando os torcedores com as novidades que envolvem seu clube de coração. Não importa se a notícia ocorre pela manhã, à tarde, à noite ou pela madrugada: os setoristas esportivos aparecerão o mais rápido possível em suas mídias sociais para informar o fato. À medida que o tempo passa, esses jornalistas criam laços de credibilidade com a torcida e se tornam via direta de informação dentro de um clube de futebol.

No entanto, até que ponto ficar responsável por apenas um time de futebol pode ser bom na carreira de um repórter esportivo? Afinal, um setorista conhece muito mais de uma determinada equipe do que outros profissionais da imprensa. Mas uma das questões que deu origem a esta matéria foi: será que essa “aproximação excessiva” possa atrapalhar o repórter caso ele seja remanejado a outra função dentro do veículo? 

No embalo do Dia do Jornalista, comemorado nesta sexta-feira (7), a reportagem da VAVEL Brasil conversou com setoristas espalhados pelo país, para saber deles o que acham sobre o assunto. E mais, mergulhamos nessa atividade específica da comunicação esportiva a fim de passar aos torcedores um pouco mais sobre os profissionais que levam as informações até eles.

Samuel Venâncio

Samuel Venâncio cobre o Cruzeiro pela Rádio Itatiaia. O jornalista, que disse ter realizado um sonho de infância ao virar setorista esportivo, alertou sobre a falta de tempo para acompanhar outras equipes de futebol. De acordo com Venâncio, ficar atento 24h por dia em tudo o que acontece no clube o impede de consumir mais o esporte mais popular do mundo.

Por mais que eu tente ver tudo, acabo não conseguindo porque o dia a dia do clube, principalmente na rádio, toma todo o tempo praticamente”, pontuou o repórter, que tem mais de 190 mil seguidores no Twitter.

Entretanto, apesar do tempo escasso, ser setorista de um grande clube, além de estar trabalhando para um veículo com muita audiência no estado, como a Rádio Itatiaia, tem seus benefícios. “Acaba que traz prestígio. Isso eu penso que é inevitável, porque as pessoas acabam considerando muito aquilo que você faz. Mas isso também significa uma maior responsabilidade”, destacou.

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Carla Matera

Como em qualquer profissão, os cenários mudam ao longo do tempo. Ser setorista de um clube antigamente certamente era diferente de como se procede hoje. Foi justamente isso que disse a jornalista Carla Matera, que por 18 anos passou por veículos como Tropical FM, 94 FM, Tupi e Rede Globo do Rio de Janeiro e de São Paulo. 

Não vejo como prejuízo [ficar muito ligado a um clube], até porque, por mais que hoje ainda haja fontes dentro dos clubes, a proximidade com atletas e dirigentes é mínima.  Até uns dez anos atrás, eu era a favor de ter um ‘eterno setorista’ em cada clube. Hoje, isso não faz mais tanta diferença”, ressaltou. Atualmente, a profissional dá aulas de reportagem esportiva na Escola Técnica de Rádio TV e outras mídias.

Jornalista há mais de duas décadas e professora de cursos específicos da área, o que não faltam para Carla são dicas sobre a profissão. “[Para obter sucesso na função de setorista] Antes de tudo, gostar de gente, se relacionar bem e valorizar igualmente do porteiro e o presidente. Depois, ser fiel às suas fontes. Tem furos de reportagem que não valem se você for queimar sua fonte”, atentou.

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Marcos Coelho

Setorista do Flamengo há quatro anos, o jornalista Marcos Coelho, da Rádio Transamérica-RJ, apontou o caminho para alcançar sucesso ao cobrir diariamente um determinado clube de futebol. De acordo com Coelho, anunciar as informações completas é primordial para um setorista.

Na era da internet, um furo é dado, às vezes, até por torcedor. Dar a notícia primeiro é fundamental, mas sempre enxergo a necessidade de ter a notícia completa, com detalhes inéditos ou de interesse público, mesmo que após o furo”, salientou.

Outra questão bem comentada quando se trata de setoristas é o relacionamento deles com a cúpula do clube. Coelho afirmou que a questão tende a acontecer com mais frequência durante momentos políticos dentro da agremiação. “Há casos e casos. Na minha leitura depende do período. É mais fácil ter aproximação com dirigentes quando a cobertura é feita no período de eleições presidenciais, por exemplo, que é quando todos precisam da imprensa”, observou.

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Ursula Nogueira

A aproximação do torcedor com o setorista do seu time é reiterada pela Diretora de Esportes da Rádio Itatiaia, de Belo Horizonte. Ursula Nogueira também é jornalista e atualmente coordena a área de esportes da emissora de rádio de maior alcance do estado mineiro. Segundo a profissional, que lida com setoristas, são criados traços de fidelização entre a torcida e o profissional ligado ao clube.

O bom setorista cria uma identidade com os ouvintes. A credibilidade construída passa a ser a referência da verdade da informação entre as partes. E com isso, a empresa tem essa confiança no profissional, contando com fontes fortes e fidedignas na agilidade da notícia”, frisou.

O setorista vive o dia a dia do clube e está presente desde um treino regenerativo até a decisão de um campeonato. Mesmo funcionário de um veículo de comunicação, é como se o profissional fizesse parte também do próprio clube. “A relação se estreita ainda mais quando esse setorista faz todas as coberturas do jogos, independentemente de qual lugar seja. É como se o setorista, guardadas as devidas proporções, fizesse parte da equipe do clube”, observou Ursula.

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Eduardo Affonso

E passemos do Rádio para a TV. Jornalista formado desde 1987, Eduardo Affonso atualmente é setorista do São Paulo pela ESPN Brasil, onde vira e mexe é convidado a ir ao programa ‘Bate-Bola’ para levar informações sobre o tricolor paulista. Edu, como é carinhosamente chamado, assegurou que, apesar do longo tempo cobrindo o São Paulo, não sofre quando é solicitado para trabalhar em outros centro de treinamentos.

Eu estou no São Paulo há 18 anos, e quando tenho que cobrir outras equipes, sejam paulistas ou de outros estados, não tenho problemas. A única dificuldade talvez seja ter num primeiro momento o mesmo nível de confiança das fontes”, afirmou o experiente repórter, que traçou as principais características que levam um setorista ao sucesso.

Boas fontes, bom relacionamento, trabalhar bastante, não achar que por ter tempo de casa a notícia vai cair no colo. Enfim, é preciso ser um jornalista aplicado, apurador e trabalhador. Acho que esses sejam os critérios para qualquer profissão”, sentenciou.

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Alex Tobias

Não existe ‘repórter esportivo’, existe ‘repórter’”. Desta maneira o “apenas” repórter Alex Tobias avaliou sua posição no jornalismo. O jornalista permaneceu por três anos respirando o dia a dia do Corinthians, pela Web Rádio Memória Corinthiana, e agora se tornou setorista do Palmeiras, a serviço da Tropical FM, rádio que o contratou há dois meses.

Ele descartou a ideia de que o longo tempo cobrindo somente um time impede o repórter de ter uma visão mais ampla de outras equipes. “De maneira nenhuma. Até o início do ano eu estava no Corinthians, mudei de empresa e há dois meses sou setorista do Palmeiras. O longo tempo cobrindo o alvinegro nunca me impediu de estar atento aos outros clubes de São Paulo, do Brasil e do mundo”, sublinhou.

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Wellington Araújo

Em Pernambuco, Wellington Araújo trabalha para a CBN Recife e transita pelos CT de Náutico e Sport. Para o profissional, que desde os 17 anos trabalha com rádio, mesmo vivendo a rotina dos clubes com periodicidade, a experiência conta muito em uma possível mudança de atribuição no veículo para o qual trabalha ou até mesmo mudança de empresa.

Se o repórter é experiente, independe da função e do tempo que ele passe na cobertura do clube ‘A’ ou ‘B’, mudar de função ou de emissora não atrapalha sua maneira de entender ou analisar futebol”, apontou. 

Doa a quem doer. Para Wellington, quem se envolve com a atividade de setorista não pode se enganar pela aproximação com o clube e deixar de dizer, primordialmente, a verdade. “Setorista se faz com conhecimento, fontes e credibilidade na hora da informação. Setorista bom não é aquele que todo mundo goste dele no clube. Setorista bom é aquele que fala a verdade sempre”, alertou.

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Guilherme Mendes

Diretor de Comunicação do Cruzeiro, Guilherme Mendes é jornalista e já trabalhou como setorista em uma emissora de rádio, cobrindo o Tupi, de Juiz de Fora. Mas hoje, a ótica do profissional toma contornos mais institucionais, por representar o setor de comunicação de um dos maiores clubes do país. Para Guilherme, embora os setoristas não sejam encarados de uma forma diferente pelo Cruzeiro, o fato de o profissional cobrir diariamente a rotina do time facilita a relação entre as partes.

Todo jornalista, independente de ser um setorista, merece todo o nosso respeito. Não podemos fazer distinção entre os profissionais porque cada um tem seu público de alcance e se torna fundamental na divulgação das informações sobre o Cruzeiro. Mas também é inegável que a proximidade com os que estão frequentemente em nossos treinos, jogos e coletivas facilita o entendimento de nossas rotinas e temas ligados ao clube”, pontuou.

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Não só o caso citado de Samuel Venâncio, que tem um forte engajamento da torcida celeste em suas redes sociais, mas também outros profissionais que cobrem de forma exclusiva o dia a dia da Raposa, a segmentação de abordagens do setorista acaba gerando, também, a segmentação de um público. 

A relação diária com os setoristas constrói um canal importante na circulação das informações clube/imprensa. E quanto maior o estreitamento dessa relação melhor para a compreensão de cada papel. Os setoristas que mais acompanham as nossas atividades e são bastante atuantes em seu papel acabam, por consequência, sendo também muito mais reconhecidos pela nossa torcida”, disse Guilherme.

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