Críticas sociais são bem avaliadas por jurados e voltam no Desfile das Campeãs
Luis Araujo / Vavel Brasil

O Carnaval do Rio de Janeiro entrou para a história! E isso também foi a visão dos jurados. Algumas escolas fizeram enredos carregados de críticas políticas. O que chamou mais atenção e foi premiado com o título foi da Beija-Flor. Além dele, Tuiuti, Portela e Mangueira também mostraram problemas sociais brasileiros durante suas apresentações. Ponto positivo para o Carnaval, que terá o privilégio de assistir novamente esses desfiles históricos. Abaixo relembre com foram os desfiles das quatro escolas que estão no hall das Campeãs do Grupo Especial. 

Paraíso do Tuiuti e seu enredo necessário 

Em 2018, se "comemora" 130 anos da Lei Áurea, tornou-se necessária a abordagem. “Comemora”. Aspas. Indagação. É isso que o carnavalesco Jack Vasconselos propôs com o enredo “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?”. Uma crítica atemporal sobre o quão a marca escravista é presente hodiernamente. A agremiação de São Cristóvão fez um desfile arrebatador e surpreendente criticando as condições de trabalho no Brasil e o atual governo, responsável pela reforma trabalhista, aprovada no ano passado. 

Tuiuti iniciou seu desfile mostrando a "liberdade" dos escravos saídos da senzala açoitados e finalizou sua apresentação com alegoria que carregava um vampiro com faixa presidencial, em referência a Michel Temer. O ator se posicionava em cima do chamado "neo tumbeiro", um navio negreiro dos dias atuais, além das críticas à manipulação da população. A escola emocionou a Sapucaí. Não só porque fez um desfile tecnicamente correto e com fantasias bem desenvolvidas. Mas porque bradou o que a grande maioria dos brasileiros precisam e querem gritar. A Paraíso do Tuiuti fez história! 

Foto: Gabriel Monteiro/Riotur
Foto: Gabriel Monteiro/Riotur

A Mangueira e sua crítica direcionada 

A Mangueira foi à Sapucaí cantando e contando o enredo “Com dinheiro ou sem dinheiro eu brinco”. O tema desenvolvido pelo carnavalesco Leandro Vieira foi divulgado pouco tempo após o anúncio de cortes de verbas ao Carnaval feito  por Marcelo Crivella. Todos sabiam que a Mangueira iria criticar, de maneira direta, o atual prefeito da cidade. Ninguém imaginava como. 

O que se viu no desfile da Mangueira, acima de qualquer crítica, foi um pedido de respeito ao povo do samba. "Outrora marginalizado, já usei cetim barato pra desfilar na Mangueira" . A frase forte de seu belo samba enredo lembrava a marginalização do samba durante a década de 40. Sua comissão de frente, trazia grades que impedia o povo de pular o Carnaval, a maior festa da cultura popular. 

Leandro Vieira abusou nas homenagens aos blocos de rua e personagens históricos do Carnaval, como Zé Pereira e Tia Ciata. Fechou sua apresentação com um grande "bloco do sujo" em homenagem aos carnavais de rua, onde mesmo sem glamuor, há diversão. “Se faltar fantasia, alegria há de sobrar... Bate na lata pro povo sambar”.

A Mangueira criticou Crivella de forma direta, claro. Com alegorias contendo frases como "Prefeito, pecado é não brincar o Carnaval" e "Olhai por nós, o prefeito não sabe o que faz" - em referência à histórica alegoria censurada de Joãosinho Trinta - fez com que o povo bamba pudesse gritar em prol de seu maior bem, contra o retrocesso e a marginalização. Afinal, “Chegou a hora de mudar, erguer a bandeira do SAMBA”.  

Foto: Gabriel Monteiro/Riotur
Foto: Gabriel Monteiro/Riotur

Portela e a referência à imigração 

A azul e branca de Madureira busca o bicampeonato falando sobre a imigração. Tema atual, pertinente e pouco explorado. Sendo uma rainha do Carnaval Carioca, Rosa Magalhães sobre explorar o enredo como ninguém. Realizou desfile tecnicamente impecável e emocionou a Avenida. 

Com o enredo "De repente de lá pra cá e dirrepente daqui pra lá", a Portela vai levar para a Sapucaí a história dos judeus que deixaram a Europa durante a Inquisição, se estabeleceram no Nordeste do Brasil e, depois da expulsão dos holandeses, em 1654, foram para a América do Norte. No caso, para Nova York, ainda chamada de Nova Amsterdã. Uma história dolorosa mas que precisa ser bem contada e cantada. E foi. Com um samba leve e de fácil memorização, a Portela fez a Sapucaí se encantar com seu brilhante enredo. 

Foto: Gabriel Monteiro/Riotur
Foto: Gabriel Monteiro/RioturGabriel Monteiro/Riotur

Beija-Flor contra a corrupção 

A Beija-Flor de Nilópolis era, sem dúvidas, uma das mais aguardadas para passar na Marquês de Sapucaí. Não só pela sua tradição de ótimos carnavais. Mas sim, porque prometia realizar um desfile altamente politizado e crítico. Usando a inspiração da obra de Mary Shelley, que completa 200 anos, usou a estória do filho abandonado pelo próprio pai para subverter nossas visões de mundo onde o Brasil fazia o papel paterno e os brasileiros se caracterizavam pelos filhos abandonados. 

Com um forte samba enredo, a Beija-Flor criticou abertamente o abandono social que vive o brasileiro ao cantar "Meu canto é resistência no ecoar de um tambor. Vêm ver brilhar mais um menino que você abandonou". A escola trouxe em seus carros alegóricos um protesto contra a violência nas ruas, as mortes de policiais e o descaso na educação brasileira, por exemplo. 

A escola de Nilópolis criticou também a corrupção brasileira. Levou à Avenida uma alegoria em referência à Petrobrás e uma ala que ironizava Sérgio Cabral, ex governador do Rio de Janeiro e preso na Operação Lava Jato. O desfile repleto de protestos fez os mais saudosos se lembrarem das apresentações épicas comandadas por Joãosinho Trinta que ficou mundialmente conhecido com o enredo “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, ele criticou todo o lixo existente no luxo e o caos social brasileiro outrora vivido. 

Gabriel Monteiro/Riotur
Gabriel Monteiro/Riotur

 

"Ganância veste terno e gravata onde a esperança sucumbiu. Vejo a liberdade aprisionada. Teu livro eu não sei ler, Brasil". A crítica da Beija-flor também se fazia necessária. Fez com que o povo se identificasse rapidamente com o samba e protestasse, em forma de carnaval, junto com Neguinho da Beija-flor. Não a toa, a Avenida foi tomada após o desfile da Azul e Branca de Nilópolis. 

Foi histórico e necessário presenciar enredos críticos, fazendo-nos relembrar de carnavais antigos, onde as escolas de samba faziam, com louvor, seu papel social. O samba cura! É a "voz do povo". "O samba faz essa dor dentro do peito ir embora. Feito um arrastão de alegria e emoção o pranto rola". 

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