O calendário da Fórmula 1 conhecemos hoje é padronizado e organizado o máximo possível. Já virou rotina a temporada começar entre o meio de março e o começo de abril (nos últimos anos com o GP da Austrália, em Melbourne) e terminar entre o meio e o fim de novembro (desde 2014 com o GP de Abu Dhabi, em Yas Marina). Mas, em um passado mais distante, a realidade era bem diferente.

Em suas primeiras décadas de existência, a categoria acostumou-se a ter calendários bem diferentes. Nos anos 1950 e 1960, os campeonatos sempre começavam em janeiro – normalmente com o GP da Argentina – ou em maio – corridas em Mônaco ou na Holanda. Curiosamente, nos anos que o campeonato começava em janeiro, não haviam corridas entre janeiro e maio, criando um hoje inimaginável espaço de quatro longos meses sem corridas em uma temporada. E durante dois anos, outro fato tão inusitado quanto o anterior marcou as temporadas em questão.

Em 1965 e 1968, os pilotos não tiveram descanso após as comemorações e já começaram o ano na ativa. Em ambas as temporadas, a corrida de abertura foi em 1º de janeiro, justamente após a virada de ano.

As duas corridas aconteceram na África do Sul, que no começo se caracterizou justamente pelas datas estranhas: nas cinco primeiras corridas da F1 no país que valeram pontos para o campeonato, além das duas em 1º de janeiro, uma ocorreu no dia 2 de janeiro (1967) e as duas primeiras (1962 e 63) aconteceram em 28 e 29 de dezembro, respectivamente. Importante lembrar que em 1966 a prova também aconteceu em 1º de janeiro, mas foi extra-oficial, sem valer pontos para o campeonato.

Vista aérea do circuito de East London, que sediu a prova de 1º de janeiro de 1965 (Foto: Divulgação/Border Motorsport Club)
Vista aérea do circuito de East London, que sediou a prova de 1º de janeiro de 1965 (Foto: Divulgação/Border Motorsport Club)

O GP da África do Sul de 1965 marcou a volta de uma Fórmula 1 que vinha de um fim de temporada histórico. No ano anterior, três pilotos chegaram para a última corrida no México com chances de título: Graham Hill pela BRM (39 pontos), Jim Clark pela Lotus (34) e John Surtees pela Ferrari (30). Em uma época que apenas os seis primeiros pontuavam e o vencedor levava nove pontos, a prova foi dramática. Hill foi acertado pela Ferrari de Lorenzo Bandini e não pontuou, o que daria o título a Clark em caso de vitória. Mas a tal vitória escapou com um problema de motor na penúltima volta. Com isso, Surtees virou terceiro, e o segundo era justamente o companheiro Bandini. A Ferrari ordenou a troca de posições e John Surtees conquistou seu primeiro e único título mundial na F1.

A perda dramática fez Clark chegar a 1965 engasgado. E o britânico não perdoou: no primeiro dia do novo ano, ele marcou a pole-position, fez a volta mais rápida e venceu a corrida liderando todas as 85 voltas no antigo circuito de Prince George, em East London. O britânico quebrou a barreira das 100 milhas por hora com sua Lotus e venceu com 29s de vantagem para o campeão John Surtees.

Aquele ano marcou a consagração de Clark, que venceu seis das dez corridas e foi bicampeão mundial. Além disso, ele atravessou o Oceano Atlântico e venceu pela Lotus as 500 Milhas de Indianápolis, em uma época onde os pilotos da F1 podiam participar da lendária corrida no Indianapolis Motor Speedway.

Jim Clark iniciou a jornada do bicampeonato em 1965 vencendo na África do Sul (Foto: Reprodução/Pinterest)
Jim Clark iniciou a jornada do bicampeonato em 1965 vencendo na África do Sul (Foto: Reprodução/Pinterest)

Depois disso, a pista de East London sediou a prova extra-oficial de 1º de janeiro de 1966 e acabou saindo do calendário. O motivo era simples: a pista passou a ser considerada muito estreita para os carros de Fórmula 1 que cresciam cada vez mais, e com isso a segurança ficou ameaçada. Assim, o certame voltou ao país em 1967 já pelo novo e moderno circuito de Kyalami, que se tornou tradicional no calendário (figurou na rota da F1 entre 1967 e 1985, saiu e voltou anos depois, apenas para as edições de 1992 e 1993).

E em 1968, foi repetido o ritual de três anos antes e a prova abriu o campeonato no primeiro dia do novo ano. Não foi só a data que se repetiu: Jim Clark venceu novamente e de novo fez novamente “barba, cabelo e bigode”, com pole-position, melhor volta e vitória por 25s de frente sobre Graham Hill. O triunfo foi especial para o bicampeão, que ultrapassou a lenda argentina Juan Manuel Fangio e tornou-se o maior ganhador da história da F1 até então, com 25 vitórias.

Além disso, o britânico tornava-se o piloto com mais pole-positions (33), mais GPs e voltas lideradas (43 GPs e 1.943 voltas) e mais fins de semanas com pole, volta mais rápida e vitória (11). Aquele momento cravava de forma definitiva o nome de Jim Clark como grande piloto do momento e um dos melhores da história, uma verdadeira lenda viva do automobilismo.

Porém, o que ninguém imaginava era que aquela seria a sua última vitória.

Foi o último triunfo de Clark antes de seu acidente fatal (Foto: Reprodução/Imgur)
Foi o último triunfo de Clark antes de seu acidente fatal (Foto: Reprodução/Imgur)

Na época era permitido que pilotos de Fórmula 1 participassem de outras categorias nos fins de semana sem GPs. E como citado anteriormente, as temporadas iniciadas em janeiro na época tinham um grande intervalo de quatro meses entre o começo e a segunda corrida, em Mônaco, sempre no mês de maio. Com isso, Clark decidiu participar de uma prova da Fórmula 2 em 7 de abril de 1968, em Hockenheim, na Alemanha. A corrida contou com várias equipes e pilotos renomados da F1.

Na quinta volta da primeira de duas baterias, a Lotus de Clark saiu desgovernada da pista (a causa mais provável é de um estouro em um dos pneus traseiros), atravessou o asfalto e bateu em algumas árvores que estavam logo à frente, já que a pista ficava no meio da floresta alemã. O piloto quebrou o pescoço e teve uma lesão no crânio, falecendo antes mesmo de chegar ao hospital.

A morte de Jim Clark foi uma das mais marcantes – negativamente – em toda a história da Fórmula 1, por se tratar de um dos grandes pilotos do mundo e que estava no auge. Curiosamente, seu companheiro de Lotus, Graham Hill (que estava na corrida de Hockenheim), venceu o campeonato de 1968 e o dedicou ao ex-amigo.

Aquele GP sul-africano em 1º de janeiro de 1968 também foi marcante por outro motivo para a Lotus. Após a prova, o criador e dono da marca, Colin Chapman, fechou um acordo para estampar a marca de cigarros Gold Leaf em seus carros, trocando o verde pelo vermelho e dourado da empresa nos bólidos. A ação da Lotus abriu as portas de vez para a entrada de marcas de cigarro como patrocinadoras das equipes – fato que foi permitido até 2007 e mudou a história financeira da categoria.

A entrada da Gold Leaf na Lotus mudou a cultura dos patrocínios na F1 (Foto: Bob Thomas Sports Photography)
A entrada da Gold Leaf na Lotus mudou a cultura dos patrocínios na F1 (Foto: Bob Thomas Sports Photography)

Depois de 1968, a Fórmula 1 ainda realizou corridas em janeiro por dez oportunidades. Entre 1972 e 1980, sempre a partir da metade do primeiro mês do ano, Argentina ou Brasil sediavam suas provas (em alguns casos, as duas corridas eram realizadas em janeiro). E em 1982, pela última vez a temporada foi aberta em janeiro, com o GP da África do Sul no dia 23.

Desde então, a principal categoria do automobilismo mundial sempre começa seus campeonatos entre os meses de março e abril, dando um merecido descanso aos pilotos que comemoram despreocupados as festas de fim de ano.

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Sobre o autor
Eduardo Costa
Fã de quase todos os esportes, e sofrendo com todos os seus times neles. Dissertando um pouco sobre Fórmula 1, futebol inglês e futebol alemão.