Velhos assuntos, novas discussões: Em 2016, falamos sobre problemas antes silenciados

Muito aconteceu em 2016. Será um ano eternamente lembrado por momentos marcantes para o bem e para o mal. Foram dias que desejamos repetir, que desejamos esquecer e ainda aqueles que queríamos que nunca tivessem existido. O esporte, como sempre, foi frequentemente a pauta principal.

Não foram dias fáceis, mas certamente deixaram uma marca no mundo que não será apagada. Neste ano, vimos Jogos Olímpicos memoráveis em nosso próprio país. Vimos exemplos de superação e de como o esporte pode mudar uma vida para sempre. Porém, também presenciamos os velhos preconceitos que jamais se perderão. Precisamos enfrentar discussões maiores, mais difíceis e, principalmente, mais necessárias. Em 2016, deixamos de fugir de discussões que adiávamos há muito tempo.

Talvez o assunto mais difícil de se tratar seja justamente aquele ainda negado por muitos. O machismo novamente se fez presente e mais uma vez falamos sobre isso. O lançamento da camisa do Atlético Mineiro pela Dryworld, em fevereiro, causou muitas reclamações do público feminino nas redes sociais pela forma como o uniforme, que sequer era para as mulheres, foi apresentado com modelos de biquíni desfilando.

A Olimpíada do Rio de Janeiro também foi essencial para essa discussão. Mais uma vez o futebol feminino teve sua oportunidade de conquistar torcedores. O apelo de 2007 pareceu ser ouvido e o legado olímpico, mesmo que bem lentamente, começou a aparecer na própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que finalmente colocou uma treinadora mulher e competente à frente da Seleção Olímpica.

Após o quarto lugar na Olimpíada, Formiga chorou e pediu para que não esquecessem o futebol feminino (Foto: Reprodução)
Após o quarto lugar na Olimpíada, Formiga chorou e pediu para que não esquecessem o futebol feminino
(Foto: Reprodução)

Entretanto, também enfrentamos o velho problema da desvalorização do esporte feminino. Enquanto os homens tinham capacidade exaltada não apenas pela mídia, mas pela premiação em dinheiro bem mais alta, as mulheres recebiam mais destaque pela aparência e ganhavam bem menos. Além disso, as grandes atletas sofriam com comparações injustas, como foi o caso da excepcional ginasta Simone Biles, que afirmou em um desses momentos: "Não sou a próxima Usain Bolt ou Michael Phelps. Sou a primeira Simone Biles".

O tabu da homofobia no esporte também foi debatido, mesmo que em menor escala. A Fifa deu um passo importante quando multou a CBF pelos gritos de "bicha" nos estádios durante as Eliminatórias para a Copa do Mundo, fazendo o mesmo com outras Confederações. O mesmo problema foi visto e criticado durante os Jogos Olímpicos.

Durante a Rio 2016 conseguimos encontrar exemplos de superação em cada história. Destaco, entretanto, a de Rafaela Silva. Tive o prazer de escrever sobre ela logo após sua medalha de ouro. A primeira dourada do Brasil veio com a luta de uma mulher negra, pobre e crescida nas favelas do Rio de Janeiro. Rafaela sofreu com preconceito por onde passou e tinha uma barreira grande depois dos insultos com a eliminação em Londres. Mas ela, como boa Silva que é, passou por cima disso e fez sua estrela brilhar.

Rafaela foi a primeira medalhista de ouro do Brasil (Foto: Getty Images)
Rafaela foi a primeira medalhista de ouro do Brasil (Foto: Getty Images)

Foi um ano em que, depois de muito errar, a NFL foi extremamente criticada por jornalistas, torcedores e atletas pela forma como lida com problemas realmente importantes. Dentre eles está a violência doméstica, que mais uma vez ganhou manchetes. O caso de Josh Brown chocou e a Liga, que deveria buscar dar o bom exemplo, pouco fez, assim como o New York GiantsRichard Sherman, do Seattle Seahawks, falou e criticou bastante da política hipócrita. Aqui na VAVEL falamos que a banalização desses casos precisa acabar.

O ano de 2016 também ficou marcado por atos e discursos que há tempos já não eram vistos no mundo do esporte. Quando o quarterback Colin Kaepernick, do San Francisco 49ers, se ajoelhou na pré-temporada da NFL, os Estados Unidos viviam um momento complicado. Dentre diversos casos, a violência policial ganhava destaque e o jogador escolheu não se levantar mais por uma bandeira que não protegia todos.

Sua decisão gerou uma onda grande de ameaças e declarações fortes contra ele. Ao mesmo tempo, outros tantos se uniam à manifestação que, com um simples gesto, dizia tanto. A atitude era e ainda é muito importante.

Jason Collins, ex-jogador da NBA, foi o primeiro jogador de ligas norte-americanas a assumir publicamente sua homossexualidade. Ele escreveu um texto em 2014 sobre como é ser um jovem negro. Collins lembrou do caso de Eric Garner, que em 2014 foi morto por violência policial acusado de vender cigarros por unidade, prática proibida nos EUA.

Mesmo desarmado e sem reagir, um policial deu uma chave-de-braço nele, o que resultou em sua morte pouco depois. As últimas palavras de Garner, todas filmadas, foram "não consigo respirar". Ninguém foi preso ou punido pelo caso. Dias mais tarde, jogadores da NBA entraram em quadra com camisas que continham a frase "i can't breathe". E, na ocasião, a principal repercussão foi "calem a boca e joguem basquete".

Los Angeles Lakers e muitas outras franquias entraram no protesto (Foto: Divulgação/Lakers)
Los Angeles Lakers e muitas outras franquias entraram no protesto (Foto: Divulgação/Lakers)

Ainda falando dos astros da NBA, Carmelo Anthony (NY Knicks), Chris Paul (LA Clippers), Dwayne Wade (Chicago Bulls) e LeBron James (Cleveland Cavaliers) se uniram esse ano para falar sobre a questão do racismo e da violência contra os negros. Wade disse que “como esportistas, devemos fazer mais do que já fazemos. Nem sempre será fácil, mas é preciso”. E não é fácil porque, assim como outros falaram, muita gente acredita que jogadores são apenas peças do esporte, sem opiniões, ideais, voz. Quando times inteiros da WNBA, liga feminina de basquete, se ajoelharam em protesto, as críticas só cresceram.

Uma das melhores do mundo no tênis feminino, Serena Williams colocou um depoimento no Facebook na mesma época e falava sobre o medo que sentiu pelo simples ato de ver um policial observando o carro enquanto seu sobrinho dirigia. 

"Acredito fielmente que nem "todos" são ruins, só aqueles ignorantes, medrosos, mal-educados e insensíveis que afetam milhões e milhões de vidas. Porque temos que pensar nisso em 2016? Não passamos por coisas suficientes, abrimos tantas portas, impactamos bilhões de vidas? Então percebi que devemos dar um passo para frente - não é sobre o quanto avançamos, é o quanto para frente ainda precisaremos ir", disse Serena. 

Em 2016 falamos sobre tudo que já adiávamos há anos. Falamos sobre machismo, homofobia, racismo e todo tipo de preconceito, escondido ou não, que sempre afetou o esporte. Falamos de uma realidade que vivemos para que ela não se repita no futuro. Falamos daquilo que por muitos e muitos anos precisava ter sido dito, mas acabou silenciado. E isso não pode ser jogado fora em 2017.

O esporte é para todos e, por isso, precisamos seguir lutando por direitos dentro e fora do campo.

Colin Kaepernick protagonizou protestos importantes em 2016 (Foto: Brian Bahr/Getty Images)
Colin Kaepernick protagonizou protestos importantes em 2016 (Foto: Brian Bahr/Getty Images)
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