Especial VAVEL: Atletas que encararam o preconceito e se assumiram LGBTs
Arte: Hugo Alves/VAVEL Brasil

Este é o terceiro de sete especiais da VAVEL Brasil, com produção de Amanda Bogo, Gabriel Menezes, Marcello Neves, Mariana Sá e Mateus Schuler. Você já viu o texto sobre a "Relação e Inserção dos LGBTs no Esporte" e "Ações de clubes contra a LGBTfobia".  Ao longo da semana, você poderá acompanhar "Torcidas LGBT brasileiras", "Ofensas direcionadas aos LGBTs/Reações de torcedores", "LGBTfobia nos esportes: casos mais famosos e reações dos envolvidos". Neste episódio de abertura, abordaremos a relação entre o futebol e as pessoas LGBT.

Independentemente de qual seja o esporte, sua história é, provavelmente, a mesma: criado por homens, para homens demonstrarem suas capacidades atléticas. As mulheres podem ter sido admitidas depois de algum tempo. No entanto, as bases machistas dos desportos acabam por integrar também um outro tipo de preconceito, num reflexo do que é a nossa sociedade: a LGBTfobia. O futebol, esporte mais popular do mundo, demonstra esse preconceito com regularidade impressionante. No entanto, existem as exceções e atletas que nos mostram que uma mudança é possível.

Neste especial, serão citados três homens e duas mulheres, todos atletas profissionais, de alto nível. Todos os cinco são abertamente LGBTs e provam que, apesar de todo o preconceito, é possível ser bem-sucedido no esporte profissional e, principalmente, que a orientação sexual de uma pessoa não define em nada a sua aptidão a um esporte, deixando claro que esporte também é lugar de LGBTs.

Thomas Hitzlsperger, jogador de futebol; 52 partidas pela Seleção Alemã

O nome de Thomas Hitzlsperger pode não ser muito conhecido do público brasileiro. No entanto, isso não diminui em nada a carreira do jogador alemão. Revelado pelo Aston Villa, o meio-campista teve boas passagens pelo clube inglês, onde jogou por 4 anos, e pelo Stuttgart, time pelo qual foi campeão alemão na temporada 2006/07. Além disso, capitaneou o clube alemão por dois anos, além de também ter sido capitão nas divisões de base da Seleção Alemã. Pelos profissionais, fez 52 partidas e disputou uma Copa das Confederações, uma Eurocopa, na qual foi vice-campeão, e uma Copa do Mundo.

Hitzlsperger durante partida da Uefa Champions League, pelo Stuttgart (Foto: Alexander Hassenstein/Bongarts/Getty Images)
Hitzlsperger durante partida da Uefa Champions League, pelo Stuttgart (Foto: Alexander Hassenstein/Bongarts/Getty Images)

Depois de se aposentar no ano de 2012, Hitzlsperger ainda levou mais dois anos para assumir publicamente que era gay. Em janeiro de 2014, o alemão revelou que, nas suas próprias palavras, “havia percebido que preferia viver com um outro homem”. O ex-jogador garantiu que foi um processo complicado e, apesar de não condenar a homofobia nos vestiários do futebol, revela que há certo preconceito a ser “tolerado”, vindo dos companheiros: “Na Inglaterra, Itália e Alemanha, ser homossexual não é nada demais. Nunca tive vergonha de quem eu era, mas nem sempre era fácil sentar na mesa com 20 jovens e ouvir piadas sobre gays”, afirmou o ex-atleta, em entrevista ao The Guardian.

Quando se assumiu, Hitzlsperger garantiu que sua decisão visava tornar o assunto mais discutido: “Estou me assumindo publicamente em relação à minha homossexualidade porque quero tornar a discussão sobre homossexualidade em esportes de alto rendimento mais ativa”, declarou. Apoiado por diversas personalidades, incluindo o técnico Joachim Löw e Angela Merkel, Hitzlsperger é considerado, até os dias de hoje, o atleta de mais alto nível a ter se declarado abertamente LGBT.

Robbie Rogers, jogador de futebol; 18 jogos pela Seleção dos EUA; Campeão da MLS Cup

Ao contrário de Hitzlsperger, o estadunidense Robbie Rogers decidiu se assumir gay antes mesmo de abandonar sua carreira. Ou quase isso. Em fevereiro de 2013, o defensor do LA Galaxy afirmou que era LGBT e, por conta disso, preferia pendurar as chuteiras e deixar os gramados, para evitar qualquer tipo de pressão e incômodo. No entanto, sua aposentadoria não durou muito. Em maio, voltou a treinar pelo Galaxy, como um “convidado especial”. Até o fim do mês, já havia assinado definitivamente com o clube de Los Angeles.

Robbie Rogers jogando pelo LA Galaxy, depois de voltar aos gramados (Foto: Shaun Clark/Getty Images)
Robbie Rogers jogando pelo LA Galaxy, depois de voltar aos gramados (Foto: Shaun Clark/Getty Images)

Desde então, fez 16 partidas com a equipe e conquistou o título da MLS Cup, em 2014. No entanto, suas atuações ainda não renderam uma convocação para a Seleção dos EUA. Apesar disso, Rogers ainda sonha com uma chamada para as Copas do Mundo de 2018, na Rússia, e 2022, no Qatar, dois países abertamente LGBTfóbicos: “Aprendi com minha experiência que estar no vestiário depois de se assumir é mais forte que tudo, inclusive um boicote. Então, se eu fosse à Rússia ou Qatar, faria isso e seria extremamente 'espalhafatoso'”, garante o atleta, em entrevista ao jornal Mirror.

Rafaela Silva, judoca; medalha de ouro na Rio-2016

A história de Rafaela Silva se tornou extremamente conhecida na última Olimpíada. Negra, oriunda da favela, sofreu com racismo, sendo chamada de macaca ao ser desclassificada em Londres-2012. Teve depressão, mas superou todas as dificuldades e chegou ao topo do mundo, sendo campeã olímpica na categoria até 57kg. Além disso, a judoca é lésbica, como ficou claro para todo o mundo logo após o ouro olímpico.

Rafaela Silva com o ouro olímpico no pódio da Rio 2016 (Foto: David Ramos / Getty Images Sport)
Rafaela Silva com o ouro olímpico no pódio da Rio 2016 (Foto: David Ramos / Getty Images Sport)

Apesar de não tocar muito no assunto, Rafaela afirma que “é das meninas” e namora a ex-judoca Thamara Cezar. No entanto, engana-se quem pensa que as duas não mostram seu amor. Pelo contrário, as redes sociais da brasileira não fazem a mínima questão de esconder o relacionamento. Além disso, Thamara é quem cuida da mídia, por exemplo, para garantir que Rafaela se concentre nas lutas. As duas têm um relacionamento que já dura anos e se conheceram no Instituto Reação, onde a campeã olímpica desenvolveu seu talento para o esporte.

Isadora Cerullo, jogadora de rugby; medalhista de bronze nos Jogos Pan-Americanos

O rugby ainda precisa ser muito desenvolvido no Brasil. No entanto, o esporte ganhou muita visibilidade por ter sido disputado, pela primeira vez na história das Olimpíadas, nos Jogos Olímpicos Rio 2016. As equipes brasileiras não conseguiram bons resultados, mas uma história envolvendo Isadora Cerullo, da Seleção Brasileira feminina, bronze nos Jogos Pan-Americanos de Toronto 2015, chamou a atenção do mundo.

Logo após um dos jogos da Seleção, Izzy Cerullo teve que aguardar para “uma entrevista”. O time inteiro a acompanhou. No entanto, tudo mudou quando Marjorie Enya, voluntária dos Jogos, assumiu o microfone, com uma intenção muito mais especial. Namorada da jogadora, Marjorie fez o pedido de casamento, prontamente aceito e aplaudido pelos presentes. A história ganhou o mundo e, segundo a brasileira, os avanços mostram que “não há lugar para a homofobia nos Jogos Olímpicos”.

Agora noivas, Isadora e Marjorie comemoram o pedido de casamento (Foto: Alexander Hassenstein/Getty Images)
Agora noivas, Isadora e Marjorie comemoram o pedido de casamento (Foto: Alexander Hassenstein/Getty Images)

No entanto, em entrevista à Época, Isadora revela uma faceta importante do preconceito: muitas vezes ele acontece de forma velada, sem que se possa perceber: “Nunca sofri violência. As pessoas esquecem que algumas ações pequenas podem ser violência também. Não é só gritar comigo na rua, mas deixar um comentário solto e maldoso numa foto. Nossa foto é uma foto do amor sendo celebrado. Sempre penso comigo mesma: 'nunca leia os comentários nas notícias'”, afirmou a jogadora.

Ian Matos, atleta dos saltos ornamentais; três vezes campeão brasileiro

Ian é mais um atleta que disputou a Rio 2016. Nos saltos ornamentais, não conseguiu medalha, mas sua presença foi muito ressaltada por, assim como todos os outros atletas citados neste texto, ser abertamente gay. Saltador vinculado ao Fluminense Football Club, Ian Matos é três vezes campeão brasileiro no trampolim de 1m, e diz ter se inspirado no britânico Tom Daley, também saltador e também LGBT, para se assumir.

Ian Matos durante os Jogos Pan-Americanos de Toronto 2015 (Foto: Raul Arboleda/AFP/Getty Images)
Ian Matos durante os Jogos Pan-Americanos de Toronto 2015 (Foto: Raul Arboleda/AFP/Getty Images)

Afirmando que “é possível ser gay e ser feliz, isso não te torna melhor ou pior que ninguém”, Ian afirma que os homens se sentem mais intimidados, por conta de um maior julgamento da sociedade. Para tanto, coloca uma parcela de culpa na indústria pornográfica: “A sociedade aceita melhor a homossexualidade feminina, e parte disso se deve à indústria pornográfica. Há muitos homens heterossexuais que não se importam em ver duas mulheres se beijando. Quando a situação é contrária, acham absurdo. Nós, os homens, ficamos mais intimidados sim, porque nossa sociedade é machista, hipócrita e homofóbica”, declarou, enfaticamente, o paraense, em entrevista ao Globo Esporte.

No entanto, na mesma entrevista, Ian deixa uma mensagem que traz certa esperança para quem deseja que os LGBTs possam se encontrar ainda mais no esporte: “Ninguém nasce preconceituoso. Ninguém nasce ignorante. Ninguém nasce racista, ninguém nasce machista. Nós aprendemos a ser racistas, nós aprendemos a ser homofóbicos, nós aprendemos a ser machistas. É uma coisa que nós aprendemos. É claro que dá para desaprender também, as pessoas vão quebrando preconceitos com o tempo”, ressaltou. Espera-se que os preconceitos sejam cada vez mais quebrados, não só no esporte, mas em toda a sociedade brasileira e pelo mundo inteiro.

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